Lei De Iniciativa Popular
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS (UFMG) FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS Programa de Formação de Conselheiros Nacionais Curso de Especialização em Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais
O COMBATE À CORRUPÇÃO ELEITOAL NO BRASIL: Mobilização social e Eficácia da Lei 9840/99
JOSÉ MAGALHÃES DE SOUSA
BELO HORIZONTE, MG 2010
O COMBATE À CORRUPÇÃO ELEITOAL NO BRASIL: Mobilização social e Eficácia da Lei 9840/99
JOSÉ MAGALHÃES DE SOUSA
Monografia apresentada ao PRODEP-UFMG, como parte dos requisitos para obtenção de título de Especialista em Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais.
Orientador: Professor Leonardo Avritzer.
BELO HORIZONTE 2010
I
BANCA EXAMINADORA
Professor Doutor Leonardo Avritzer (orientador)
Professor (a) (membro)
Professor(a) (membro)
II
DEDICO ESTE TRABALHO A
Rudolfo e Sarah, meus filhos queridos; Ida Böing, colaboradora e companheira de todas as horas; José Paulo de Sousa, meu pai, in memoriam.
III
HOMENAGEM ESPECIAL
À Cleide Izídio Brandão e Silva, “sobrinha” e amiga, amável e amada por todos, chamada por Deus no dia 28 de janeiro de 2010, no auge dos seus 26 anos. Sua doçura, memórias e dores estiveram presentes em todos os momentos de elaboração deste trabalho.
IV
Estranhem o que não for estranho. Tomem por inexplicável o habitual. Sintam-se perplexos ante o cotidiano. Tratem de achar um remédio para o abuso. Mas não se esqueçam de que o abuso é sempre a regra.
Bertolt Brecht (1898-1956
V
VI
AGRADECIMENTOS
Aos membros da CBJP Raquel e Gilberto, pelo paciência na busca e fornecimento de informações e materiais de pesquisa. Às colegas do MCCE: Édima, Cristiane e Adriane, por disponibilizar preciosas fontes de pesquisa documental. Aos amigos das históricas lutas no combate à corrupção eleitoral: Chico Whitaker, Marlon Reis, Carlos Moura, Daniel Seidel, pelas orientações, informações, textos bibliográficos e conversas de bar, cafés, almoços e entrevistas sobre o tema. Ao Antônio Cavalcanti, o “Ceará”, batalhador histórico e incansável, pelo imenso trabalho prestado ao MCCE de Mato Grosso. Aos colegas da Cáritas Brasileira Regional do Maranhão: Ricarte, Zema, Aurilene, Lucineth, bravos guerreiros, pela ousadia de levar a tribunal popular o Judiciário do Maranhão. À Ida Böing pela paciência e todo o incentivo. Ao Vanderson Carneiro, exemplo de dedicação, disponibilidade e ânimo na tutoria deste curso. ESTE TRABALHO SE DEVE EM PARTE A VOCÊS, SEM O QUÊ, NÃO SERIA POSSÍVEL TÊ-LO CONCLUÍDO. POR ISSO, MINHA SINCERA GRATIDÃO.
VII SUMÁRIO
RESUMO viii ABSTRACT ix INTRODUÇÃO 10 I: CORRUPÇÃO: ASPECTOS CONCEITUAIS 13
1. Corrupção: abordagem teórica 13
2. Os diversos significados de Corrupção Eleitoral 16
2.1. Compra e venda de votos 17
2.2. Uso eleitoral da máquina administrativa 20
2. 3. Abuso de poder econômico 22
3. Resenha histórica da corrupção eleitoral no Brasil 22
II: PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA: MOVIMENTOS SOCIAIS E REDES 29
1. Democracia e participação social
29 2. Teoria democrática elitista 30 3. Crise do elitismo democrático 32 4. Participação democrática, movimentos sociais e redes 34 4.1. Participação democrática 34 4.2. Movimentos sociais 36 4.3. Redes de movimentos sociais 39
41
III: MOBILIZAÇÃO SOCIAL NO COMBATE À CORRUPÇÃO ELEITORAL
- A TRAJETÓRIA DA Lei 9840/99
1. A iniciativa popular legislativa 41 2. A prática da iniciativa popular de lei no Brasil 42
3. A trajetória da Lei 9840 e o processo de mobilização contra a corrupção eleitoral
43 3.1. O papel da Igreja (CNBB) 44
3.2. Síntese histórica da Campanha da Fraternidade 45 3.3. A escolha dos temas 46 3.4. Fraternidade e Política: A Campanha da Fraternidade 1996 47 3.5. Projeto Combatendo a Corrupção Eleitoral 48 3.6. Conteúdo da Lei 9840/99 50 3.7. Trâmite do Projeto de Lei no Congresso Nacional 51 4. Os Comitês 9840 e o exercício do controle local da corrupção eleitoral 53 5. O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) 56 6. Papel da Justiça Eleitoral 58
7. Aplicação e eficácia da Lei 9840/99: Políticos Cassados por Corrupção Eleitoral, 2007
59
CONSIDERAÇÕES FINAIS 64 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANEXOS
VIII RESUMO
Neste trabalho, verificamos como a sociedade civil organizada exerce papel fundamental no controle não-estatal da corrupção, em especial, da corrupção eleitoral. O controle criminal antes previsto no arcabouço jurídico eleitoral (Código Eleitoral) mostrou-se ineficaz no combate aos crimes de captação ilícita de sufrágio. Até que surge, a partir de 1996, com a realização da Campanha da Fraternidade sobre Fraternidade e Política, uma mobilização social que resultou, em 1999, na promulgação da primeira Lei de iniciativa popular do país: a Lei 9840, de 28 de setembro de 1999. A nova lei, em sua essência, substitui o modo de punição para os crimes de corrupção eleitoral, passando de prisão e multa para cassação do registro, se o crime acontece durante a campanha eleitoral, ou do diploma eleitoral, caso o candidato infrator tenha tomado posse. Analisamos diversas categorias, tomando inicialmente a corrupção latu sensu como gênero maior, fazendo um recorte para a categoria corrupção eleitoral, verificando sua diversidade de sentidos. Analisamos também as categorias movimentos sociais e redes, para categorizar o que venha a ser o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral. Demonstramos a importância que tem a força da Igreja capitaneada pela CNBB, no desenvolvimento daquele que é o maior projeto de evangelização da America Latina: a Campanha da Fraternidade. Nas categorias optamos pela multidisciplinaridade de autores, cada um em sua categoria específica. Defendemos que sem mobilização social não teria havido a lei de iniciativa popular nem uma expressiva quantidade de políticos cassados. Resgatamos e sistematizamos dados quantitativos do dossiê “Políticos Cassados por Corrupção Eleitoral, 2007” elaborados pelo MCCE, sob coordenação do juiz eleitoral e membro do MCCE, Marlon Jacinto Reis. Concluímos afirmando a necessidade de o MCCE, em especial os Comitês que são a base do Movimento, avançarem no sentido de não só atuarem em períodos eleitorais, mas avançarem para o controle da corrupção para além dos períodos eleitorais, argumentando que os espaços privilegiados dessa ação são os conselhos paritários, os quais detêm legitimidade para o controle social das políticas públicas municipais. O MCCE tem por perspectiva dar continuidade à mobilização social para novos projetos lei de iniciativa popular, a exemplo da Campanha Ficha Limpa, sobre a vida pregressa dos candidatos, que já conta com um milhão e quinhentas mil assinaturas, cujo projeto de lei já se encontra em curso na Câmara dos Deputados.

ABSTRACT
In this work, we have verified how organized civil society exercises a fundamental role in the non-state control of corruption, especially, that of electoral corruption. Criminal control previously foreseen in the electoral juridical framework (Electoral Code) has shown itself to be ineffective in combating crimes relating to the illicit reception of votes. This was until there appeared, as from 1996, with the Campanha da Fraternidade on Fraternity and Politics, a social mobilization which resulted, in 1999, in the publishing of the first Law of popular initiative in the country: Law 9840, of September 28, 1999. The new law, in its essence, substitutes the manner of punishment for crimes of electoral corruption, going from prison and fines to cancelling of registration, if the crime occurs during the electoral campaign, or of the electoral diploma, if the offending candidate has already taken his seat. We analyzed several categories, initially taking corruption latu sensu in its wider form, trimming it down to the category of electoral corruption, verifying its diversity of significations. We also analyzed categories such as social movements and networks, to distinguish what has come to be the Movement for Combating Electoral Corruption. We have shown the importance that the force of the Church, lead by the CNBB, has in the development of what is the largest project for Evangelization in Latin America: the Campanha da Fraternidade. In the categories we chose the authors' multidisciplinary features, each one in his or her specific category. We defended the idea that without social mobilization the law of popular initiative would not have come about nor would there have been an expressive amount of politicians having their mandates cancelled. We recovered and systematized quantitative data from the dossier "Políticos Cassados por Carrupção Eleitora, 2007” elaborated by MCCE, under the coordination of the electoral judge and member of the MCCE, Marlon Jacinto Reis. We concluded by affirming the need for MCCE, especially the Committees which are the basis of the Movement, to move forward in the sense of not only being active during electoral times, but of moving forward for the control of corruption outside of electoral times as well, arguing that the privileged areas for such action are the joint councils, which hold the legitimacy for the social control of the public municipal policies. MCCE has as its perspective to give continuity to social mobilization for new projects of law coming from popular initiative, for example Campanha Ficha Limpa (Clean Sheet Campaign), as to the candidate‟s past life, which already has one million and five hundred thousand signatures and is presently being discussed in the Lower House.

O COMBATE À CORRUPÇÃO ELEITOAL NO BRASIL: Mobilização social e Eficácia da Lei 9840/99
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo verificar como a sociedade civil organizada pode contribuir para o controle das formas ilícitas de se chegar ao poder político.
Trata-se de um estudo na área da corrupção eleitoral e tem como foco a mobilização social que resultou do projeto “Combatendo a Corrupção Eleitoral”, levado a cabo pela Comissão Brasileira de Justiça e Paz, órgão vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, cujo ponto de partida foi a realização, em 1996, da Campanha da Fraternidade com o tema “Fraternidade e Política”. Após dois anos de intensa mobilização, inaugurou-se uma das mais importantes páginas da democracia brasileira: a aprovação, pelo Congresso Nacional, da primeira lei de iniciativa popular, a Lei 9840, de setembro de 1999.
Um dos argumentos centrais deste trabalho é o de que só há eficácia no combate à corrupção eleitoral quando a sociedade civil organizada exerce uma ação sobre as institucções responsáveis (Ministério Público, Justiça Eleitoral), levando ao conhecimento das mesmas denúncias e representações contra candidatos corruptos. Agir sobre e com as instituições é uma condição necessária para reduzir a corrupção eleitoral. Em outros termos: se o combate à corrupção eleitoral não incluir a ação e mobilização da sociedade civil a probabilidade de eficácia da Lei será praticamente nula. Tentaremos traduzir isso em dados concretos.
Por outro lado, não fosse a mobilização social dificilmente teria sido aprovada pelo Congresso Nacional a Lei 9840/99, que traz para o universo do Direito Eleitoral novos parâmetros de punição, diferentemente da punição criminal prevista antes, ainda que está se mantenha. Não será demais afirmar que a Justiça Eleitoral, no que diz respeito ao combate à corrupção eleitoral, compreende tem duas fases bem distintas: antes e depois de promulgada a Lei 9840/99. A eficácia da Lei, sua aplicabilidade, seus resultados concretos também se devem à mobilização social, agora organizada em um Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral.
A abordagem teórica e analises, serão desenvolvidas em três movimentos:
O primeiro movimento aborda, ainda que de maneira concisa, o tema “corrupção” com recorte para a categoria “corrupção eleitoral”. Faremos isso a partir de três enfoques: um primeiro sobre abordagem teórico-analítica da corrupção latu sensu e suas diferentes formas de controle; num segundo ponto, faremos um recorte para a corrupção eleitoral propriamente

dita, considerando as formas ilícitas de captação de sufrágio, especificamente a compra de votos e o uso da máquina administrativa; por último, faremos um apanhado histórico do regime eleitoral brasileiro, tentando mostrar que a corrupção eleitoral é um processo endêmico, com fortes tradições na cultura do povo e da classe política do país.
No segundo movimento, discutiremos algumas análises e considerações sobre a teoria democrática das elites e as teorias dos movimentos sociais. O objetivo e interesse é discutir de que maneira, no decorrer da história recente, a democracia, sobretudo a democracia das elites desvaloriza a participação popular dando margem a uma democracia de baixa intensidade. Veremos também que esta corrente teórica entra em crise com o advento de novas concepções teóricas, passando-se de uma democracia de baixa intensidade para processos de intensa participação. A seguir, faremos também considerações sobre os movimentos sociais e as redes de movimentos sociais.
No terceiro movimento trataremos, de maneira um pouco mais detalhada, da experiência prática da sociedade civil organizada e seu processo de mobilização para combater a corrupção eleitoral, tomando por base as teorias anteriormente discutidas. Essa parte consiste em mostrar de que maneira a mobilização popular influi concretamente no combate ao crime de captação ilícita de sufrágio e em que medida essa mobilização social é determinante tanto para a participação em processos de democracia direta, no caso, a mobilização para a aprovação de lei de iniciativa popular, como para sua posterior aplicação. É importante mostrar também o papel educativo e civilizatório desse movimento, enquanto processo de construção de cidadania, a partir de grupos, pessoas e comunidades. Enfatizaremos a relevância do papel da Igreja e seu envolvimento em questões sociais de importância histórica na construção da cidadania.
Por fim, faremos uma abordagem sobre a eficácia da Lei 9840/99. Apresentaremos dados estatísticos, frutos de verificação empírica realizada pelo Movimento Nacional de Combate à Corrupção Eleitoral.
A metodologia do trabalho consistirá de três aspectos: uma pesquisa documental junto ao Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, à Comissão Brasileira de Justiça e Paz e à CNBB, todas com sede em Brasília. Fará parte deste rol de pesquisa documental, publicações diversas sobre o assunto, análise de vídeos de cunho histórico e educativo, matérias jornalísticas com destaques para o projeto “Combatendo a Corrupção Eleitoral”. Em segundo lugar faremos entrevistas livres com pessoas chaves que estiveram à frente da condução do projeto. O decorrer do trabalho faremos importantes ilustrações com depoimentos de pessoas que estão na base, nos Comitês locais de combate à corrupção
eleitoral, frutos de visitas de campo, sobre a dinâmica de trabalho de comitês de combate à corrupção eleitoral em nível municipal.
Será fundamental tecer algumas considerações finais, à guisa de conclusão, apontando perspectivas e desafios para o fortalecimento e novas ações do Movimento.
PRIMEIRA PARTE I - CORRUPÇÃO: ASPECTOS CONCEITUAIS
Antes de chegar ao objetivo principal deste trabalho, que é o estudo sobre a corrupção eleitoral e suas formas de controle pela sociedade civil, ou seja, o “controle não-estatal”, faz- se necessário discorrer sobre seu gênero maior que é a corrupção, no sentido amplo do termo.
1. Corrupção: abordagem teórica
Partindo da definição de corrupção, conforme o Dicionário Prático da Língua Portuguesa Michaelis (1987, p. 237) o verbete “corrupção” indica: 1. Ato ou efeito de corromper; decomposição, putrefação. 2. Devassidão, depravação, perversão”. Segundo Mônica Caggiano (2002: 27) “o termo corrupção indica quaisquer ações praticadas de forma camuflada, a partir de uma zona de penumbra, à margem das linhas comportamentais norteadas pela lei e pela moral, sempre com vistas à obtenção de vantagens individuais ou em prol de um grupo, intangíveis pelas vias ordinárias”.
A corrupção sempre coloca de um lado um agente do Estado e, de outro, um interesse privado. Não há corrupção sem corrompido ou sem corruptor. A corrupção pode ser diferenciada por sua abrangência e número de pessoas envolvidas, pode caracterizar-se como “pequena” e “grande” corrupção. A primeira envolve um agente público individual e um cidadão, também individual, em torno de algum serviço sob responsabilidade do agente. Uma propina, por exemplo, de pequena monta, com o intuito de fazer cumprir ou deixar de cumprir determinado dever, pode caracterizar uma pequena corrupção. A segunda, acontece, na maior das vezes, em licitações públicas, na fase de definição de projetos e na execução física do que se licitou. Transferências financeiras subsidiadas, para financiamento de projetos industriais ou agrícolas, assim como influenciar os regulamentos de agências reguladoras para evitar obrigações recaem nesta categoria. Também entra nessa categoria esquemas de facilitação de dificuldades tributárias de empresas, geralmente envolvendo grandes parcelas da hierarquia funcional. Na “grande” corrupção enquadra-se, também, a maior de todas - a corrupção eleitoral - que se caracteriza pela compra e venda de votos, pelo uso da máquina administrativa para fins eleitorais e pelo abuso de poder econômico1.
1 Deve-se esta análise a Claudio Weber Abramo, da ONG Transparência Brasil, em artigo intitulado “Corrupção e responsabilidade Pública”. Texto-base para o módulo “Governo e sociedade”, do curso de “Introdução à responsabilidade social de empresas” da Fundação Getúlio Vargas/SP e Instituto Ethos de Responsabilidade Social.

Com base em estudos sobre “Corrupção e Controles Democráticos no Brasil”, realizados a partir da pesquisa “Interesse Público e Corrupção”, sob coordenação do CRIP (Centro de Referência do Interesse Público) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), os autores Leonardo Avritzer e Fernando Filgueiras (paper) abordam elementos fundamentais para se entender o conceito de corrupção. Queremos reproduzi-lo aqui, como forma de manter proximidade de conceitos entre corrupção lato sensu e corrupção eleitoral. Segundo os autores em estudo, são três os tipos de abordagens da corrupção: a abordagem funcionalista, a abordagem econômica e a abordagem política.
Os defensores da abordagem funcionalista argumentam que “a corrupção seria uma maneira de os políticos articularem seus interesses nos espaços públicos, ou seja, seria uma forma de as elites, por meio de sua persuasão e incidência política, influenciarem nas decisões dos governos, e assim obterem vantagens. Há quem defenda (Scott apud Avritzer e Filgueiras, paper) que essa abordagem (de cunho funcionalista) poderia ser útil ao desenvolvimento, pelo fato de “azeitar as relações políticas entre os governos e os empresários, pacificando assim as clivagens sociais”. Dessa maneira, poder-se-ia conseguir a estabilidade política. Uma vez estabelecendo laços de informalidade entre políticos e elites, ou entre políticos e investidores privados, estar-se-ia favorecendo o desenvolvimento econômico. A critica a esta lógica funcionalista nos faz entender que é uma teoria centrada em demasia no conceito de institucionalidade que, segundo os autores, é prejudicial do ponto de vista político. A institucionalidade passa necessariamente pelo espaço público e pelo arranjo institucional das organizações. Essa concepção teve seu auge nos anos 70.
A partir dos anos 80, com a ascensão da corrente hegemonia neoliberal, centrada no conceito de não-intervenção do estado na economia e na minimização do estado, entra em cena outra concepção de corrupção: a mercadológica. Essa abordagem, diferentemente da concepção funcionalista, não gera benefícios ao desenvolvimento, ao contrário, gera altos custos para os cidadãos. Leva-se em conta a perspectiva do custo benefício da corrupção, cujas distorções causadas pela distribuição de propina, entre outros fatores, resultaria em acréscimo da desigualdade social. O principal problema dessa abordagem é sua abrangência limitada ao aspecto econômico, em detrimento de uma visão mais ampla de democracia.
A abordagem política, por sua vez, apresenta outra configuração do conceito de corrupção, inserindo a noção de interesse público. É a partir do interesse público violado que se pode medir ou determinar se uma ação é corrupta ou não. Neste sentido, para os autores citados, o conceito de corrupção é polissêmico e multifacetado (Avritzer e Filgueiras, sd), podendo assumir diversas configurações: clientelismo, patronagem, nepotismo, malversação
dos recursos públicos, extorsão, suborno, etc. É a introdução da categoria “público” que caracteriza a abordagem política do conceito de corrupção.
O estudo de Avritzer e Filgueiras sobre controles democráticos da corrupção traz à tona uma trilogia desse controle, a partir da concepção de interesse público, que são: o controle burocrático, o controle criminal, e o controle não-estatal.
É importante ressaltar estes conceitos, pois, em se tratando da nossa área principal de interesse – a corrupção eleitoral - seu processo de controle não foge à regra. O controle da corrupção eleitoral no Brasil tem claramente presente três características: a burocrática, que considera os arranjos institucionais, baseada em instituições de controle e em normas jurídicas, tendo o direito, em especial o Direito Eleitoral conjugado com o Direito Administrativo, como parâmetro para esse tipo de controle; tem sua índole criminal, até hoje em vigor, fundamentalmente centrada na tipificação criminal, materializada no Código Eleitoral Brasileiro; por fim, e mais recentemente, tem um forte viés de controle social, não- estatal, que é o que nos interessa demonstrar nesse trabalho.
Defensores do controle da corrupção pela via burocrática, que tem sua expressão máxima em Max Weber, argumentam que esse tipo de controle se dá a partir de duas dimensões: a existência de organizações do estado com legitimidade para exercer o controle sobre ações de agentes públicos, baseado em princípios da administração (impessoalidade, neutralidade, transparência etc), por outro lado, além das instituições, a idéia de burocracia vem associada ao direito, em especial o direito administrativo. Segundo Weber a legalidade é instrumento formal que possibilita ajustar os conflitos. Para Weber (1999), a burocracia
“é o corpo organizado de funcionários do estado, que exercem factualmente a dominação legítima, respeitando os princípios da hierarquia, da impessoalidade, do mérito e da neutralidade moral, tendo em vista não a ética pautada nas convicções morais dos autores, mas uma ética de responsabilidade preocupada com os fins da ação”.
Nesta visão, a corrupção seria “toda a ação ilegítima realizada por agentes públicos, portanto fira os preceitos normativos da burocracia presentes no ordenamento do direito administrativo”. (Avritzer e Filgueiras, sd).
O controle criminal é aquele exercido no campo jurídico, tendo em vista um arcabouço legal (códigos, estatutos, regulamentos). Parte-se da hipótese de que o judiciário deve exercer controle sobre a administração pública. Dessa maneira, o controle criminal é exercido pelo “poder de política” em cumprimento às normas que conduzem ao processo penal. Assim como o controle burocrático, o controle criminal exerce uma função de vigilância sobre as ações de delinquência dos agentes públicos.
Interessa-nos particularmente a terceira forma de controle da corrupção que é exercida pela via pública não-estatal. Nas duas formas comentadas anteriormente o caráter público advém do fato de que controle é essencialmente estatal, e verificado a partir do aspecto legal e institucional conferido pelo Estado. O controle público não-estatal foge à regra do institucional propriamente dito. É exercido pela sociedade civil organizada. Parte do pressuposto, e importância dos processos participativos, no sentido amplo do conceito de democracia participativa. Nessa concepção, o cidadão comum exerce papel fundamental, enquanto ator social, para o exercício do controle de ações dos agentes públicos.
Em síntese, o controle da corrupção pode ser exercido a partir de duas óticas diferenciadas: de um lado, são instituições públicas que exercem o controle, dentro do conceito abstrato de “público”, rotulada pelo conceito de accountability vertical, que diz respeito a uma ação entre desiguais, caracterizado, sobretudo, por mecanismos de controle burocrático (de cima para baixo), e de accountability horizontal, que se caracteriza por uma relação entre iguais e se dá por meio da mútua vigilância entre os poderes, autônomos entre si. Do outro lado, o controle se dá mediante um conjunto de mecanismos não-estatais que podem materializar-se por meio dos movimentos sociais, associações civis, sindicatos, igrejas etc. É nessa perspectiva que queremos centrar nossas atenções ao desenvolver este trabalho. À luz dessa teoria é que devemos nos conduzir à prática, a partir da mobilização social de cunho não-estatal que vem acontecendo no país, desde 1996, como veremos mais adiante, quando daremos a conhecer, analisar e avaliar as práticas e mecanismos que a sociedade civil organizada vem criando para combater a corrupção eleitoral. Antes, porém, queremos discorrer sobre a natureza mesma e as características do gênero “corrupção eleitoral”.
2. Os diversos significados da Corrupção Eleitoral
“A corrupção eleitoral tem sido um dos mais notórios e enraizados flagelos do regime representativo no Brasil”. (Victor Nunes Leal)
A corrupção eleitoral é a forma mais perversa pela qual políticos utilizam a pobreza e a miséria para subir ao poder e nele se perpetuarem. Comprar e vender votos, segundo Schelder, (2003), é uma forma de comportamento amplamente utilizado por candidatos de todas as partes do mundo. No caso do Brasil, denúncias veiculadas pela imprensa, casos investigados pela Justiça Eleitoral e iniciativas da sociedade civil no combate ao “fenômeno” são evidências de que esta prática é um fator relevante para boa parte do eleitorado na hora de definir do seu voto.
É por meio do voto que o eleitor expressa sua vontade e liberdade política em tempos de eleições e exterioriza seu julgamento (de aprovação ou de reprovação) de pessoas, condutas, partidos ou ideologias. Segundo especialistas na matéria (Reis, 2006) as motivações para o eleitor expressar o seu voto variam de acordo com condicionamentos abstratos ou não. Essa vontade pode ser expressa por meio de projetos ou plataformas políticas, em benefício de uma comunidade, de um grupo ou da sociedade como um todo.
No Direito, o termo “corrupção eleitoral” é utilizado para definir o tipo de crime eleitoral previsto no artigo 299 do Código Eleitoral brasileiro: “Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita”.
São basicamente duas as formas de corrupção eleitoral: a compra de voto e o uso da máquina administrativa.
2.1. A compra e a venda de votos
A compra e venda de votos conhecida em termos jurídicos como captação ilícita de sufrágio, consiste na “alienação ou tentativa de alienação do direito de opção eleitoral em troca de um valor manifestado sob forma de bem ou vantagem de qualquer natureza” (Reis, 2006:22). Em outras palavras, a compra de votos envolve, de um lado, um comprador (o político ou seu intermediário) e, do outro lado, o eleitor que aceita o benefício ou oferece o seu voto em troca de algum bem ou vantagem.
A criatividade para conseguir o voto do eleitor é ilimitada, sobretudo diante das carências infindas de um povo pobre e subornado, em vésperas de eleições. Pesquisa realizada pela Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP, 2000) identificou a corrupção eleitoral como uma das maiores distorções da democracia brasileira. A pesquisa revelou ampla variedade de compra de votos: oferta de empregos, pagamento em dinheiro, cestas básicas, dentaduras, óculos, sapatos, roupas, ajuda para obter documentos, pagamentos de fianças de presos, materiais de construção, insumos agrícolas, uniformes para clubes esportivos, enxovais, berços, móveis, eletrodomésticos, redes de dormir, casas, lotes, pagamento de consultas, tratamentos odontológicos, atendimento hospitalar, esterilizações, abortos, cirurgias, cadeiras de rodas, caixões de defuntos, passagens, remoções gratuitas de ambulâncias... e a lista continua.
Segundo Speck (2003) baseado em estudos de Scott (1971), “a compra de votos é um fenômeno intermediário e transitório na sucessiva implementação de sistemas de governo
representativo em muitos países”. Speck faz uma distinção tomando por base três tipos de voto: o voto sob chantagem ou extorsão; o voto negociado ou comprado e o voto como manifestação de crédito ou reprovação de candidatos e representantes políticos.
O voto sob chantagem ou extorsão, ou voto imposto, é a modalidade em que o eleitor não está material ou culturalmente livre para exercer o seu direito de manifestação de vontade. Aqui o patrão ou o “coronel” exerce controle total sobre o eleitor. As relações de dependência socioeconômica de grande parte da população em relação aos donos dos latifúndios são evidentes e expressa a fragilidade de comunicação direta entre candidatos e eleitores. Dessa forma, o voto é imposto pelas elites sob diversas formas de coerção, baseadas no entrelaçamento de relações sociais e no comportamento eleitoral de extremas desigualdades.
O voto negociado é a atitude em que o eleitor já dispõe de certa liberdade de opção, na medida em que as relações de dependência socioeconômicas vão se rompendo. Há uma transformação no processo político e uma transição decisiva do voto imposto para o negociado (Speck 2003). A imposição ou coerção social exercida por candidatos é substituída pela sedução material. O eleitor se torna mais informado através dos meios de comunicação de massa, a relação entre eleitor e candidato passa a ser de trocas em condições assimétricas, caracterizada por grande desnível entre a elite política e a grande massa de eleitores. Aqui, o recurso do poder político é negociado por vantagens materiais transferidas aos eleitores.
O voto como expressão de confiança e censura é a modalidade mais complexa, na qual o eleitor é motivado por convicções ideológicas ou filosóficas, por interesses difusos ou por questões programáticas. O voto é dirigido à escolha consciente entre posições políticas que geram efeitos na sociedade como um todo. O eleitor utiliza o voto para atribuir confiança ou retirar apoio ao representante político. Se, nas modalidades anteriormente descritas, o compromisso do candidato com o eleitor está limitado ao tempo da campanha eleitoral, na relação de confiança a vigilância perpassa todo o período do mandato. O eleitor acompanha criticamente sua atuação, de forma continuada e permanente. Veremos mais adiante que esse é o escopo desejado pela luta do movimento contra a corrupção eleitoral.
Pode-se afirmar que essas três dimensões descritas por Speck (2003) não são separadas e estanques entre si, mas convivem lado a lado em sociedades marcadas pela exclusão social e pela pobreza, como é a realidade brasileira. Seria desejo que o eleitorado brasileiro atingisse o estágio da evolução do voto como expressão de confiança. Sabe-se que tal dimensão, ainda que observada empiricamente, não retrata a realidade da maioria dos eleitores brasileiros, ou seja, essas dimensões são concorrentes em tempos eleitorais.
Frederic C. Schefer e Andreas Schedler, em trabalho intitulado “Whats is vote Buying: The Limts of the Models (2005) chamam a atenção para outros aspectos psicológicos que
estão presentes no “comércio de votos”. Diferentemente da compra e venda de objetos convencionais, em que se registram, de um lado, a vontade do comprador que quer obter um bem e por isso está disposto a pagar por ele e, do outro, a oferta do vendedor em desfazer-se do bem ou prestar um serviço com o intuito de obter lucro, o mesmo não acontece com a compra e venda de votos. Sendo essa prática um ato imoral e ilegal, por conseguinte, muitos dos seus aspectos não são revelados ao público. A depender dos aspectos culturais e sociais presente em diferentes tempos e espaços, a compra e venda de votos pode encerrar grande variedade de significados.
O autor Marlon Jacinto Reis (2006) estabelece uma diferenciação entre “formas sociais” e formas instrumentais de compra de voto ou seja, o modo como a capitação ilícita de sufrágio pode gerar seus resultados, que compreendem (Reis, 2006:33): compra de votos direta: o candidato diretamente ou alguém por ele indicado dirige ao eleitor uma oferta, deixando clara a contrapartida, ou seja, a retribuição pelo bem oferecido, que é o voto; compra de votos indireta: são ações voltadas para obter a adesão psíquica do eleitor;2 compra de voto, por meio de intermediário ou por atacado., modalidade em que o benefício material ou imaterial é concedido não a pessoas individualmente, mas sim a líderes locais, comunitários, de associações de classe ou de sindicatos. São os denominados “cabos eleitorais”; compra de voto inversa: modalidade em que o eleitor é abordado com ameaças, se não dirigir seu voto a determinado candidato, poderá perder determinadas vantagens (perda de emprego, exclusão de um programa de benefício social etc).
No que se refere à conduta da compra de votos, esta pode ser positiva, quando a conduta ilícita dirige-se à conquista do voto, ou negativa, quando a ação tem por finalidade convencer o eleitor a abster-se de votar, como, por exemplo, desestimular o comparecimento às urnas3
2 Um exemplo clássico é a contratação abusiva de agentes eleitorais, com base no Art. 26, inciso VI da Lei das Eleições, que autoriza “a remuneração ou gratificação de qualquer espécie a pessoas que prestem serviços a candidaturas ou comitês eleitorais”. Se for a contratação de serviços (o que na maioria das vezes acontece) pode caracterizar compra de voto indireta.
3 Esta forma é mais usual nos países onde o voto é facultativo, para provocar a diminuição do número de votos em determinados redutos eleitorais), ou é usual o estimulo do voto em branco, nos países onde o mesmo é obrigatório.

2.2. O uso eleitoral da máquina administrativa
Com a introdução do instituto da reeleição sem a desincompatibilização dos cargos de candidatos, a matéria ganhou relevância, pelo fato de que candidatos à reeleição dispõe de toda a máquina administrativa e pode colocá-la a serviço de sua campanha.
Art. 73 da Lei 9.504/97 nos seus incisos I, II, III, IV e VI estabelecem medidas extremas para quem delas faz uso de maneira fraudulenta.4
Para candidatos corruptos quaisquer meios justificam os fins. Não é diferente, na disputa eleitoral, quando se tem em mãos a máquina administrativa. A intenção do legislador é de proporcionar instrumentos legais capazes de inibir a utilização de bens e serviços públicos, para a concessão de benefícios e vantagens em troca de apoio eleitoral. A dilapidação do patrimônio público, além de ser ilegal e imoral, causa danos a programas sociais, por exemplo, além de proporcionar desvio de objetivos.
O uso eleitoral da máquina administrativa é desvio de poder qualificado pela finalidade eleitoral, como prevê o parágrafo 7o. do Art. 73 da referida Lei das eleições ((Lei 9.504/97) e pode ensejar a cassação do registro ou do diploma como reza o Acórdão do Tribunal Superior Eleitoral:
“Para a caracterização de violação ao art. 73 da Lei 9.504/97, não se cogita de potencialidade para influir no resultado do pleito. A só prática da conduta vedada estabelece
4Lei 9.504/99. Condutas vedadas aos agentes públicos.
Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;
II - usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram;
III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;
IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;
V - nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados:
a) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança;
b) a nomeação para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais ou Conselhos de Contas e dos órgãos da
Presidência da República;
c) a nomeação dos aprovados em concursos públicos homologados até o início daquele prazo;
d) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo;
e) a transferência ou remoção ex officio de militares, policiais civis e de agentes penitenciários;
VI - nos três meses que antecedem o pleito:
a) realizar transferência voluntária de recursos da União aos Estados e Municípios, e dos Estados aos Municípios, sob pena de nulidade
de pleno direito, ressalvados os recursos destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, e os destinados a atender situações de emergência e de calamidade pública;
b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral;
c) fazer pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, fora do horário eleitoral gratuito, salvo quando, a critério da Justiça Eleitoral, tratar-se de matéria urgente, relevante e característica das funções de governo;
VII - realizar, em ano de eleição, antes do prazo fixado no inciso anterior, despesas com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, que excedam a média dos gastos nos três últimos anos que antecedem o pleito ou do último ano imediatamente anterior à eleição.

presunção objetiva da desigualdade. Leva à cassação do registro ou do diploma. Pode ser executada imediatamente” (REspE 24.826, relator ministro Luis Carlos Madeira, 06.09.2005)
Olivar Coneglian (2002) ao comentar a Lei das Eleições cita uma série de modalidades deste tipo de bens e serviços de que o poder público dispõe para distribuição de forma gratuita: merenda escolar, livros didáticos para escolas públicas, cestas básicas, campanha do lei, vacinação, distribuição de materiais de construção, entre outros. Além disso, acontece a distribuição por pessoas: camisetas, bonés, camisetas contendo o número do candidato, pacotes e sacolas etc.
É comum a candidatos participarem da distribuição gratuita de bens e serviços públicos de caráter social custeados pelo poder público. Se tais atos tiverem a potencialidade de favorecer em desigualdade a tais candidatos pode ser caracterizado como captação ilícita de sufrágio, incorrendo nas penas prevista em lei.
2. 3. Abuso de poder econômico
O Abuso de poder econômico é a compra de votos num nível de grandeza tal que determina a própria eleição do candidato. Antes, a justiça eleitoral só cassava o registro ou o diploma se a compra de voto fosse suficiente para determinar a própria eleição do candidato. Isso era um caso quase impossível, tanto que na história poucos foram os casos de cassação pelo abuso de poder econômico. Sendo essa modalidade bastante complexa, a justiça eleitoral criou uma jurisprudência para estabelecer uma relação de causa e efeito entre a prática do abuso do poder econômico e o resultado da eleição. Parte-se do pressuposto de que um ato só isolado, presume-se que este o candidato esteja praticando a compra de voto em todas os locais do território eleitoral, por meio de cabos eleitorais, prepostos, parentes etc. Estabelece- se, portanto, a presunção legal como um só fato, suficiente para a configurar o crime.
3. Resenha histórica da corrupção eleitoral no Brasil
A corrupção eleitoral no Brasil de hoje não deixa de ser um reflexo da história política do país, em suas diferentes fases. Após demonstrar aspectos desses dois lados da mesma moeda, ou seja a corrupção lato sensu e a corrupção eleitoral em particular, é importante discorrermos sobre os aspectos históricos desse processo, para observar de que maneira o comportamento eleitoral brasileiro repercutiu no percurso da história política do país. A tentativa é de estabelecer uma correlação de proximidade entre o que hoje é a realidade de corrupção eleitoral e o seu legado histórico, ou seja, a corrupção eleitoral tem sua gênese numa prática que perpassou vários ciclos da história antiga e contemporânea do Brasil.
Analisaremos a seguir, de maneira resumida, algumas aspectos do percurso histórico brasileiro, para melhor compreender as condições em que se fixaram os pilares da democracia brasileira. Essa análise nos permitirá compreender de que maneira a grande maioria dos políticos brasileiros, em suas práticas de campanhas eleitorais, apenas aperfeiçoam e tornam sofisticadas novas práticas alienadoras e clientelistas, que o legado histórico tem proporcionado.
A corrupção eleitoral e o abuso de poder encerram, em cada um dos períodos históricos, do Império à República Velha, do Estado Novo de Vargas à Nova República, um arcabouço de leis, objetivando “aperfeiçoar” os processos eleitorais e coibir fraudes. É uma história impregnada de práticas de corrupção eleitoral.
Num pequeno estudo sobre fraude eleitoral na República Velha, Telarolli (1982) descreveu várias modalidades de práticas de manipulação de eleições: títulos retirados de eleitores à força e só entregues nos “currais” pouco antes do momento ou mesmo no próprio momento de votar; criação de obstáculos à fiscalização da oposição; entraves ao exercício do voto de eleitores adversários; cédulas incineradas imediatamente após a contagem do sufrágio; votos de pessoas já falecidas e de ausentes; substituição de livros de atas por novas atas; número de votos maior do que o número de eleitores existentes; influência do governo no alistamento dos eleitores, permitindo tanto a exclusão de eleitores que votariam em candidatos da oposição como inclusão de eleitores fantasmas, entre tantos outras modalidades de fraudes5
O momento da votação também oferecia margem à manipulação. Frequentemente, o local de votação era instalado em casas particulares, o voto era aberto (com a justificativa de evitar fraudes), além disso, eleitores eram aterrorizados pela força pública ou por pistoleiros mercenários. Como a totalização da apuração dos votos era demorada, estendendo-se por dias ou semanas, os resultados poderiam ser adequados no caminho, num processo matemático das chamadas “contas a chegar”, garantindo determinado resultado final. Existia, por fim, a possibilidade do não reconhecimento de candidatos oposicionistas que, porventura, ousassem vencer todas essas barreiras e ganhar as eleições. Este procedimento frequentemente praticado pela “comissão de verificação”, formada pelo Legislativo anterior, encarregada de diplomar os eleitos, era chamado de “degola”. É evidente que com o voto imposto pela elite e a manipulação generalizada dos gestores do processo eleitoral nem havia necessidade de “comprar voto”. O jogo político era decidido na disputa entre as próprias elites.
5 TELAROLLI, Rodolpho. Eleições e Fraudes eleitorais na República Velha. Brasiliense, 1982, pags. 26 ss)
A primeira fase da história das eleições no Brasil foi denominada de verificação de poderes. Nesse período as leis eram instáveis, sem base constitucional. Esse foi um período de privilégios e de exclusão do povo das urnas.
O primeiro decreto eleitoral brasileiro de que se tem notícia (Leal, 1997) foi o de 7 de março de 1821, emitido por D. João VI. Este decreto regulamentava as eleições de deputados para as cortes portuguesas. Em seguida veio outro decreto, de 19 de junho de 1822, o qual regia as eleições de deputados para a primeira Assembléia Constituinte.
Um Decreto de 26 de março de 1824 estabeleceu as primeiras eleições para senadores e deputados. O mais importante feito desse decreto foi a instituição das chamadas mesas eleitorais formadas pelo juiz de paz, pelo pároco, de por dois secretários e de dois escrutinadores; os quatro últimos escolhidos por aclamação da assembléia eleitoral, reunida na Igreja, mediante proposta do juiz com anuência do pároco.
Em 1853 é promulgada a “Lei dos Círculos” que estabelece, por simples decreto, a divisão territorial para fins eleitorais. Tal lei estava prevista na Constituição de 1824, (artigo 97)6. Uma segunda lei (Lei 1.082 de 18 de agosto de 1.860), além de determinar nova eleição no caso de vaga, estabeleceu três deputados para cada um dos distritos.
A “Lei do Terço” (Lei 2.675, de 20 de outubro de 1875) criou o título de eleitor e estabelece a proporcionalidade de participação da oposição. Pela primeira vez é prevista em lei a participação, ainda que limitada, de representação da oposição; permitia a votação em apenas dois terços dos candidatos.
A Lei Saraiva, (Lei 3.029, de janeiro de 1881), baseada em projeto de Lei de Ruy Barbosa, estabelece eleições diretas, o voto do analfabeto, criou a Justiça Eleitoral e o alistamento. Em contraposição, estabeleceu a exigência de renda anual mínima para se habilitar ao exercício do voto.
A Lei 3.340, de 1887, modificou o processo eleitoral para Assembleias e Câmaras. Em 1904, a Lei Rosa e Silva autoriza o voto a descoberto, isto é, suprimiu o voto secreto.
Esse sistema, no qual a mesa eleitoral era a chave de todo o processo eleitoral (Leal, 1997) durou até 1842. É importante observar que essa data, com a publicação do Decreto 157, de 4 de março, era possível o voto por meio de uma terceira pessoa autorizada. O autor Fábio Konder Comparato assim relata em sua obra “Os donos do poder”:
“Em 1842, diante do escândalo geral provocado pelo ambiente de violência em que se desenrolara o último pleito, conhecido em nossa história política como “as eleições do cacete”, o Governo decidiu baixar um decreto regulador do processo
6 Constituição de 1824: Art. 97. “Uma Lei regulamentar marcará o modo prático das Eleições, e o número dos deputados relativamente á população do Império”.

eleitoral, o de no 157, de 4 de maio. Em que pese às boas intenções governamentais, o Decreto era evidentemente inconstitucional, e a oposição não deixou de denunciar o fato. O art. 97 da Carta estatuía que „uma Lei regulamentar marcará o modo prático das Eleições, e o número dos Deputados relativamente à população do Império‟. Um decreto governamental não podia, a todas as luzes, ser aceito como o equivalente de uma lei” (Comparato, 2000: 308).
Uma característica particular deste período eleitoral era a violência física e moral contra eleitores que se manifestassem contrários ao governo, ou que fossem simplesmente suspeitos de ser contrários ao governo. Como relata o historiador Costa Porto (2000: 87). Estes eram esperados por agressores mercenários na porta dos locais de votação. Na Bahia, eram os capoeiras e no Rio de Janeiro, os cacetistas, grupos armados que repeliam os que votavam na oposição. Este comportamento violento levou a que as eleições de 1.840 ficassem conhecidas, no Rio de Janeiro, como o ano das “eleições do cacete”.
Encontramos em Costa Porto o seguinte registro:
“No final do Império, os capoeiras participavam ativamente das campanhas eleitorais, atemorizando os votantes contrários. José Murilo de Carvalho lembra o depoimento de diplomata francês, para quem as eleições, de então, eram resolvidas a porrete, a faca e a revólver, sendo os capoeiras agentes eleitorais muito úteis: „votavam um número indefinido de vezes, impediam de votar os adversários de seu chefe, em caso de reclamações ou resistência recorriam à última ratio certos da impunidade garantida pelos chefes políticos” (2000: 278).
Duas formas mais impressionantes de falsificação das eleições nessa fase de verificação do período imperial eram a eleição de bico de pena e a degola da apuração. Na primeira, eram as mesas apuradoras que elaboravam as atas, e quem realmente decidiam as eleições. Como registra Leal (1997), “eles ressuscitavam os mortos, os ausentes se faziam presentes... na feitura das atas, a pena todo-poderosa dos mesários realizava milagres portentosos”. Com a chamada degola ou depuração, muitos dos que escapavam do bico da pena, tinham seus diplomas cassados na provação final.
No período entre 1824 (com o Decreto de 26 de março) e 1881(com a Lei Saraiva) a apuração dos votos era feita no interior das igrejas. Imaginavam, assim, que em respeito aos templos não houvesse atos de violência. Essa estratégia, porém, não deu certo. Os atos de violência contra eleitores contrários ao governo eram praticados mesmo dentro dos templos. No Ceará, tais atos, praticados sob comando de coronéis, ficaram conhecido como “cerca- igrejas”. José de Alencar, romancista cearense, em sua obra “A Guerra dos Mascates” assim escreve:
“No dia seguinte o corpo da igreja, onde se fez a eleição, apresentava aspecto igual ao teatro de um bacanal. Rolavam pelo chão, de envolta com aqueles objetos respeitáveis, maços de cédulas arrancados à urna violada, e sobejos da opípara ceia com que banquetearam a seus janízaros. E o governo, depois de se debochar nessa orgia, ousará ainda com o maior cinismo falar em liberdade de voto e pureza de
eleição! Infeliz país, governado por lacaios a quem servem outros lacaios, e outros, desde a antecâmara até a cocheira”.
A proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, não pôs fim à chamada fase de verificação do poderes. A República Oligárquica (1889 a 1930) foi dominada pelo coronelismo (hegemonia das elites rurais), pela política dos governadores (dominação dos governos locais) e pela conhecida política do café com leite (pacto celebrado entre os cafeicultores de São Paulo e os fazendeiros de Minas Gerais).
Vitor Nunes Leal, em sua obra “Coronelismo, Enxada e Voto” (1997), ressalta que o coronelismo era uma forma peculiar de poder privado. Afirma o autor que tal sistema é “resultado da superposição de formas desenvolvidas pelo regime representativo a uma estrutura econômica e social inadequada” (pág. 40). E prossegue: “Não constitui mera sobrevivência do poder privado, de grande precariedade nos tempos coloniais, mas sim uma forma peculiar de manifestação desse poder, ou seja, uma adaptação do poder privado de coexistir com um regime político de extensa base representativa”.
A segunda característica do coronelismo, apontada pela maestria de Nunes Leal é o mandonismo, o filhotismo, o falseamento do voto e a desorganização dos serviços públicos locais (pág. 41).
O coronelismo é, sobretudo, um compromisso, uma troca de proveitos entre o poder público, progressivamente fortalecido e a decadente influência social dos chefes locais, nomeadamente os senhores de terras. Dessa forma, o coronelismo está intimamente ligado à estrutura agrária, até hoje com presença forte na estrutura da sociedade rural brasileira.
A formação do “coronelismo” é também retratado por Brandão Cavalcanti et alli.
“Ao término da estamentação militar, a classe dos proprietários rurais (o latifúndio caracterizava o regime territorial) ficou sendo o único estrato dominante ao nível federal, pois já o era, desde o início da República, nos planos municipal e estadual. Sabemos que, com o colapso do mecanismo centralizador do Império, o velho princípio territorial (agora reforçado pela pujante expansão dos cafeicultores) emergiu irresistível e naturalmente. Logo que se ausenta, com o 15 de novembro, a pressão imperial, surgirá nos municípios, como chefe político local, o potentado rural mais forte, podendo ter havido ou não concorrência em torno dessa hegemonia (...), serão os chefes das dominações nesse plano, e apenas nesse, que receberão o nome de coronéis ...” (1975: 127).
A insatisfação e repulsa da classe média à corrupção eleitoral faz surgir no cenário político brasileiro o Tenentismo, que vigora desde 1922 até 1927. O objetivo principal deste movimento era pôr fim à Velha República Oligárquica, depor o presidente eleito por fraude e restaurar a autonomia do Exército. As expressões mais fortes do Tenentismo foram o Forte de Copacabana (1922), a Revolta Paulista (1924) e Coluna Prestes (1924 a 1927).
Na passagem da Monarquia para a República, quando se adotou o sistema presidencialista, organizando-se o país sob forma de federação, Campos Sales, então presidente da República (1898 a 1902) cria a prática que ficou conhecida no país inteiro como a política dos governadores. Em linhas gerais, consistia num pacto firmado entre Presidente e as oligarquias estaduais, numa relação de apoio mútuo. O presidente da república exigia que governadores lhes garantissem bancadas comprometidas com sua política. Em troca, este sustentava as propostas regionais dos governadores (inclusive com apoio militar se fosse preciso). Os governadores, por sua vez, se articulavam com os coronéis do seu estado, fazendo com que também eles mandassem para as Assembleias Legislativas, deputados afinados com os interesses políticos do governador. Neste sentido, as “províncias”, como eram chamados os estados à época, tinham pouca ou nenhuma autonomia. As oligarquias dependiam do presidente para se manter no poder e nomear funcionários na esfera federal, enquanto que o presidente sustentava suas forças locais em obtenção de apoio dos governadores na implementação de suas políticas.
Foram duas as principais conseqüências da política dos governadores: o fortalecimento dos coronéis, uma vez que, pelo acordo, os governadores deveriam dar sustentação política ao governo federal, e a predominância de Minas Gerais e São Paulo entre as demais províncias, estabelecendo a conhecida política do café-com-leite.
A chamada “política do café com leite” teve seu impulso principal com a grande crise de 1929. A queda da Bolsa de Valores de Nova York fez subir violentamente os preços dos produtos agrícolas no mercado internacional, o que passa a ser decisivo para uma nova ordem social, política e econômica do país, e provoca o surgimento de novos atores no cenário político, provocando fortes mudanças no sistema partidário.
A Revolução de 30 tem como bandeira principal a reestruturação da Justiça Eleitoral no País. O primeiro Código Eleitoral surge com o Decreto 21.076 de 24 de fevereiro de 1932. Três fatores relevantes se destacaram com este primeiro Código: o estabelecimento da idade de 18 anos para exercer o direito do voto; o voto secreto e o voto feminino. Foi a partir destes novos parâmetros legais que foram escolhidos os representantes para a Constituinte da “República Nova”, em maio de 1933.
Sobre a revolução de 1930, Leal (1997) cita o discurso de Assis Brasil, na Constituinte:
“O regime que botamos abaixo, com a Revolução, ninguém tinha certeza de se fazer qualificar, como a de votar... Votando, ninguém tinha certeza de que lhe fosse contado o voto... Uma vez contato o voto, ninguém tinha certeza de que o eleito havia de ser reconhecido através de uma apuração feita dentro desta Casa e por ordem muitas vezes superior” (Assis Brasil, apud Leal, 1997: 275).
A Nova Constituição de 1937 criou a Justiça Eleitoral. Além do Tribunal Superior Eleitoral e dos Tribunais Regionais, foi instituída a figura do juiz eleitoral de primeira instância, e as juntas apuradoras nos locais designados. Novos códigos eleitorais foram surgindo (1932, 1935, 1945, 1950) e, finalmente, o código eleitoral de 1965, atualmente em vigor. A Constituição cidadã de 1988, inovou, adotando a edição de uma nova lei específica a cada ano eleitoral.
Vê-se, por toda essa trajetória histórica, que a cultura eleitoral e política da atualidade no país têm raízes profundas na histórica do sistema eleitoral brasileiro. Como afirma José de Sousa Martins (1994):
“... o clientelismo político não desapareceu. Ao contrário, em muitas regiões do país ele se revigorou, embora mudando de forma, praticados por uma geração de políticos de fachada moderna”. Ao longo da história política brasileira, no comportamento político do povo, mesmo dos eleitores, a distinção público versus privado parece não ter relevância” ... a tradição do mando pessoal e da política do favor, desde há muito, depende de seu acobardamento pelas exterioridades e aparências do moderno, do contratual”.
Vale considerar que a sociedade civil brasileira, historicamente, não ficou apática aos processos de disputa de poder e de corrupção eleitoral. Movimentos messiânicos como Canudos, de Antônio Conselheiro, e o próprio “cangaço”, de Lampião e Maria Bonita, eram reações a toda uma situação política e ao mandonismo da época. O “cangaço” foi uma reação extrema de luta armada, diante das tentativas frustradas a uma alternativa de transformação da realidade por vias do poder público.
Outro indício que demonstra a não apatia da sociedade foi o Movimento de Canudos, de Antônio Conselheiro. Este Movimento congregou, numa espécie de irmandade, pessoas que viviam em situação de miséria, vitimas da política dos coronéis. Constrói uma comunidade fundamentada em princípios religiosos, de resistência ao republicanismo. As forças do poder encara Canudos como uma ameaça à condição estabelecida.
Esses movimentos, no entanto, não tiveram a capacidade de envolver a sociedade como um todo, não são unânimes7. Mas nem por isso deixaram de ter o seu significado na história de lutas contra a dominação dos poderosos da época.
O historiador Lira Neto (2009) em sua obra “Pe. Cícero: Poder,Ffé e Guerra no Sertão”, relata o seguinte:
“Na primeira década do século XX, uma dezena de conflitos políticos ocorrera na zona, a maioria resultado em deposições violentas nos comandos dos poderes municipais de várias cidades. No Ceará meridional, passara a vigorar a lei do bacamarte. Até mesmo o voto de cabresto fora substituído pelo escrutínio da bala”. (p. 278)
7 E essa é uma das característica dos movimentos sociais tradicionais: são grupos organizados e violentamente reprimidos.

Para além dos movimentos de resistência, foram-se implementando mecanismos de controle das fraudes eleitorais. Fatores como o alistamento eleitoral, o recadastramento eleitoral (1986), a implementação do processo eletrônico e a respectiva criação do Cadastro Nacional de Eleitores, evitando, assim, a duplicidade de títulos de eleitores, votação eletrônica, implementado praticamente eliminando a interferência humana na contagem de votos, são aspectos importantes da era da globalização, no combate à corrupção eleitoral.
SEGUNDA PARTE
II - PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA: MOVIMENTOS SOCIAIS EM REDES
1. Democracia e participação social
Em sua origem histórica e etimológica, o conceito de democracia encontra-se na especificação do regime de demos, nome que designava os diversos territórios administrativos da antiga Grécia. Originalmente o termo passou a significar poder popular: governo do povo, para o povo e pelo povo, termos estes muito pouco utilizados na contemporaneidade. A dificuldade de conceituar poder popular e governo do povo tem provocado, nos estudos sobre democracia, uma gama muito grande de significados.
Neste trabalho, em que procuramos discorrer sobre o controle não-estatal da corrupção eleitoral, é importante aprofundar questões relacionadas à teoria democrática, destacando a concepção elitista sobre participação (ou não participação) social e a tentativa de superação dessa teoria, cujos representantes mais conceituados são Max Weber (teoria democrática clássica) e Joseph Schumpeter (teoria democrática moderna). Mais tarde, Jürgen Habermas introduz elementos essenciais na teoria democrática moderna, como superação daquela teoria, trazendo para este conceito a necessidade da participação democrática nas sociedades complexas.
Essa concepção elitista deixa de lado um elemento fundamental para toda a teoria democrática que é a concepção de soberania popular. O conceito clássico de democracia, enquanto governo do povo, pelo povo para o povo, não tem nenhum peso nessa corrente elitista. O povo é soberano enquanto vota. Pio e Porto (1998) afirmam que “os autores elitistas procuram demonstrar que a democracia é inviável, baseados na idéia de que qualquer sociedade será governada por poucos. A comprovação desse fato, lógica e empiricamente, torna irrealizável a crença no „autogoverno das massas”. 8
A ampliação dos processos de participação na esfera pública e nos espaços de realização da soberania popular, por meio de organizações e movimentos sociais, enquanto elevação da cultura cívica e da participação dos sujeitos na vida pública, em defesa dos seus
8 PIO, Carlos e PORTO, Mauro. Teoria política contemporânea: política e economia segundo os argumentos elitistas, pluralistas e marxistas, em: RUA, Maria das Graças e CARVALHO, Maria Izabel Valladão de (orgs). O estudo da política. Tópicos selecionados. Brasília: Paralelo 15, 1998, pp. 291-314. Página da citação 297.

direitos - como direito sagrado do sufrágio, por exemplo - tem relevância fundamental para a compreensão do nosso objetivo de estudo.
Pensadores do século XVIII tinham grandes restrições à democracia. Conforme NAY (2007) os partidários da soberania popular, ferozes defensores da igualdade social, são logicamente hostis, por princípio, ao estabelecimento de um sistema representativo, porque este espolia os cidadãos comuns ao roubar deles a sua soberania. Militam por um sistema de governo popular que permita que o povo intervenha diretamente, e a qualquer momento, nos assuntos públicos9. A noção de soberania popular acabou perdendo espaço, ganhando versão de soberania „nacional‟.
A socieda
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