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O Arqueólogo Do Inconsciente

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Por:   •  20/11/2013  •  4.211 Palavras (17 Páginas)  •  856 Visualizações

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O arqueólogo do inconsciente

Ao criar a psicanálise, Freud atingiu dois pilares, da ideologia de então: a crença incontestável na racionalidade e a inocência da instituição familiar.

Por Sandra Francesca Conte de Almeida

Imaginemos que um explorador chega a uma região pouco conhecida onde seu interesse é despertado por uma extensa área de ruínas, com restos de paredes, fragmentos de colunas e lápides com inscrições meio apagadas e ilegíveis.

Pode contentar-se em inspecionar o que está visível, em ínterrogar os ha- bitantes que moram nas imediações [...] a respeito da história e do significa- do desses resíduos arqueológicos [...] e então seguir viagem. Mas pode agir de modo diferente. Pode ter levado consigo picaretas, pás e enxadas [...] pode partir para as ruínas, remover o lixo e, começando dos resíduos visíveis, descobrir o que está enterrado. Se seu trabalho for coroado de êxito, as descobertas se explicarão por si mesmas: as paredes tombadas são parte das muralhas de um palácio ou de um depósito de tesouros; os fragmentos de colunas podem reconstituir um templo; as numerosas inscrições [...] revelam um alfabeto e uma linguagem que, uma vez decifrados e traduzidos, fornecem informações nem mesmo sonhadas sobre os eventos do mais remoto passado em cuja homenagem os monumentos foram erigidos. Saxa loquuntur! [As pedras falam.]

Freud. A Etiologia da Histeria, 1896.

A vida e a obra de Sigmund Freud deixaram marcas profundas na história da humanidade. Homem de inteligência brilhante e de sensibilidade acurada, à frente de seu tempo, Freud enfrentou os cânones estabelecidos de sua época e demonstrou, com a invenção da psicanálise, que o inconsciente, cujo núcleo é o desejo sexual recalcado, funda a subjetividade e também a cultura. O inconsciente freudiano revela que o homem não exerce controle sobre si mesmo, deslocando a razão do lugar da certeza e introduzindo no sujeito uma divisão subjetiva lá onde era suposta uma unidade: "Isso fala", ou seja, o inconsciente subverte a razão e trama discursos à revelia do sujeito. É ainda o inconsciente, por meio dos ideais e atividades sublimatórias, que está na base das criações e obras culturais de nossa civilização. Em Freud, o complexo de Édipo representa a encruzilhada psíquica que dará origem à estruturação da subjetividade (do sujeito), enquanto Totem e Tabu é o mito que explica a gênese da civilização humana (da cultura).

Mas, afinal, quem foi esse grande homem, "arqueólogo" do inconsciente, decifrador dos enigmas e artimanhas do desejo, desbravador dos labirintos da alma?

AS origens: memórias e lembranças

Sisgismund Schlomo Freud nasceu em Freiberg (atualmente Príbor, Republica Tcheca), uma pequena cidade da então Moravia, na Europa Central, em 6 de maio de 1856, filho primogênito de Amália Nathansohn Freud e de Kallamon Jacob Freud, um judeu pobre, comerciante de lãs. Freud jamais usou o nome Schlomo, herdado do avô paterno, e, mais tarde, já na Universidade de Viena, alterou a grafia de Sigismund passando a assinar Sigmund Freud. Ao se casar em 1855, com Amália, sua terceira esposa, o pai de Freud estava com 40 anos, 20 a mais que sua mulher. Casou-se, pela primeira vez, aos 17 anos e teve dois filhos; EmmanueI, que era mais velho que a madrasta, e Philipp, que tinha apenas um ano a menos que Amália. O filho de Emmanuel, John, foi companheiro de jogos e de folguedos e amigo inseparável do tio Freud, de quem era um ano mais velho. Do casamento de Jacob e Amália nasceram Freud, muito amado por seu pai e filho predileto de sua mãe, que o chamou, por toda a vida, ti "meu Sigi de ouro", e três irmãos e cinco irmãs: Julius (morto em 1858), Anna, Débora (Rosa), Marie (Mitzi), Adolfine (Dolfi), Pauline (Paula) e Alexander, o caçula, ,cujo nome teria sido sugerido pelo irmão Sigi. Apesar da grande .atenção e carinho dispensados pelos pais ao pequeno Sigismund, este teve uma babá, Monika Zajic, apelidada Nannie, que cuidou dele até em torno dos 2 anos e meio de idade. Ela era uma "mulher madura, feia e esperta", segundo relato da mãe de Freud, católica apostólica e muito devota. Nannie contava histórias religiosas a Freud, falava-lhe de "Deus Todo-Poderoso" e o levava a visitar igrejas. O menino se apegou à babá e Peter Gay, em sua biografia de Freud, escreve que ele "gostava de receber cuidados amorosos de duas mães".

A complexa configuração das relações familiares é sempre lembrada pelos biógrafos de Freud como tendo influenciado o desenvolvimento de sua personalidade e tecido os fios da trama subjetiva que lhe permitiu formular a teoria psicanalítica. Freud recuperou experiências e vivências íntimas de sua infância e algumas verdades familiares por meio dos sonhos e de sua auto-análise, realizada no final dos anos 1890. Em seu "Estudo Autobiográfico", de 1925, Freud constrói uma narrativa, uma memória, na qual "atitudes subjetivas e objetivas, interesses biográficos e históricos" se combinam na elaboração de suas lembranças.

Em outubro de 1859, quando Freud tinha 3 anos, Jacob e a família deixaram Freiberg, pois seus negócios não resistiram ao processo crescente da industrialização têxtil Mudaram-se para Leipzig, na Alemanha, mas lá permaneceram por pouco tempo, devido às dificuldades financeiras, cada vez maiores, Em 1860, os Freud instalam-se em Leopoldstadt, o bairro judeu de Viena, onde as dificuldades econômicas persistiriam por um bom tempo, a ponto de Freud referir-se, anos mais tarde, que "então vieram longos anos difíceis [...] e nada a respeito deles que valesse a pena lembrar".

Freud sempre manteve sentimentos ambivalentes em relação a Viena, tendo declarado, em 1899, que nunca se sentira realmente à vontade naquela cidade, mas, em 1938, logo depois de chegar a Londres, disse que amava muito "a prisão da qual fora libertado" e, por isso, o sentimento de vitória com a libertação vinha entremeado de tristeza, Segundo Peter Gay, Viena nunca deixou de ser, para Freud, "o teatro da miséria, do repetido malogro, da solidão odiada e prolongada, dos incidentes desagradáveis de aversão aos judeus o [...] Viena não era Freiberg"

A Viena de Freud na virada do século XIX-XX

O ano de 1848, oito anos antes de Freud nascer, marcou o continente europeu com revoluções que deram origem a reformas políticas e sociais, a lutas de diferentes nacionalidades por autonomia própria (a Áustria era multiétnica e multicultural) e a uma certa liberalização do

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