Politica Como Vocação
Trabalho Universitário: Politica Como Vocação. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: • 1/7/2013 • 1.061 Palavras (5 Páginas) • 242 Visualizações
Na guerra de comunicação - sim, uma autêntica guerra - entre o grupo Pão de Açúcar e o grupo francês Casino, um em defesa da fusão com o Carrefour, o outro contra, uma palavra chave determinou a vitória. Expropriação! Foi dita pelo CEO do Grupo Casino, Jean-Charles Naouri, ao acusar o seu sócio brasileiro, Abílio Diniz, de tentar "expropriar" a sua empresa que contaria com apoio do BNDES para bombear R$ 4 bilhões na união Pão de Açúcar- Carrefour , evitando, assim, que o grupo Casino assumisse o controle do negócio em 2012.¹
Vamos deixar de lado o negócio e seus bastidores, já desvendados, em larga medida, pela mídia, e focar nessa palavra chave - Expropriação. O que significa? Por que causou tanto impacto? Por que se tornou chave na guerra da comunicação? Na língua francesa a palavra existe desde 1611. Significa, de um lado, privar legalmente alguém de sua propriedade fazendo parte do direito civil e do direito administrativo, isto na linguagem corrente.² O conceito foi definido pela Revolução Francesa que, em 20 de agosto de 1789, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão tornou inalienável o direito à propriedade privada. Em setembro de 1791, a Constituição francesa incorporou o conceito, que, na sua vertente política passa a ser vinculado, com a ascensão do movimento de esquerda, à extinção da propriedade privada. Expropria foi uma palavra muito em voga em meio aos grupos de esquerda nos anos 70.
Essa é uma parte da versão. Na realidade, capitalistas e socialistas-comunistas recorreram com frequência à expropriação. Na Inglaterra, do alvorecer do século XVI a nobreza expropriou grandes quantidades de terra da Igreja. Na Alemanha, também no alvorecer do século XVI, os nobres alemães fizeram, igualmente, expropriações de terras da Igreja. Foi o que abriu as portas para a expansão do capitalismo nos séculos seguintes. Marx, em O Capital, fala vastamente da expropriação, associada à acumulação primitiva e a exploração dos senhores sobre os pequenos donos de terras. Lenin quando assumiu o poder na revolução de 1917 expropriou as propriedades do Czar e forçou a coletivização dos camponês. Pretendia extinguir a economia de mercado. Os exemplos são incontáveis e, todos eles, convergem para uma dupla constatação: a expropriação é um conceito jurídico, de um lado, e político de outro. Tem duas faces. Por que causou tanto impacto no Brasil?
Entre nós, atentar contra a propriedade privada é crime. Lembra, lá no inconsciente profundo, ações da esquerda armada ou o fantasma do comunismo que a direita atiçou no imaginário popular durante mais de meio século. Lembra nacionalizações feitas no passado ou recentemente pelos governos de esquerda da América Latina. É uma palavra maldita. Esquece-se a versão jurídica, fortalece-se a versão política, mas apenas na vertente à esquerda. Há, por fim, uma última observação. A palavra expropriação ganhou repercussão por que havia dinheiro público, do BNDES, envolvido?
Sim. Sem dúvida. Mas há algo a ser pensado no âmbito da comunicação. Ao recorrer ao termo, o CEO do grupo Casino, Jean-Charles Naouri, mostrou que pode-se ir além, muito além de um mero position paper quando se trata de enfrentar uma crise. Se analisarmos suas entrevistas, iremos ver que o duelo retórico envolve termos como " medíocre", "ilegal", ausência deliberada da ética comercial. Significa dizer que a estratégia mirou, e acertou, no âmago da cultura empresarial brasileira num momento em que o País se dispõe a ser global. E que cumprir contratos, sem expropriação, torna-se vital. Sobretudo, porque o Brasil é um país ainda sem estrutura jurídica que ofereça segurança ao capital. Não por acaso, foi o que o governo do PT se esforçou, desde o primeiro momento, a deixar claro: não expropriaria capitais locais ou internacionais. E tem cumprido a promessa.
Para completar, e como tiro de misericórdia, foram divulgados dados de cinco bancos e consultores financeiros demonstrando que o negocio pleiteado por Diniz era "contrário aos interesses do pão de Açúcar, de todos os seus acionistas e do Casino". Quando se trouxe à luz o termo expropriação e todo o cortejo de argumentos que se seguiu, não houve reação à altura. Ficou evidente que o grupo francês ultrapassou a fronteira da simples gestão de crise, antecipando-se nos diferentes fronts, sobretudo nas mensagens, sem encontrar resistências.
No case em questão, não se trata de discutir erros ou acertos, mas de avaliar uma maior ou menor visão política. O grupo Casino atuou, com êxito, no campo político. A palavra expropriação foi, nesse contexto, um recurso genial. Se formos analisar o Case, certamente iremos concluir que marca uma nova era. Transita-se do mero e simples position paper para o momento das mensagens chave que toquem a mente do público. Que expressem uma "verdade" sobre um acontecimento, acima das versões factuais que dependem, em muitas das vezes, do ângulo de análise.
Visto por esse prisma, pode-se chegar a uma outra conclusão. Abílio Diniz foi obrigado a recuar dos seus objetivos porque agiu como um senhor hegeliano de velho tipo. Ou seja, comportou-se como um guerreiro. Não teve medo de olhar a morte - no sentido simbólico do enfrentamento - nos olhos, mas agiu munido apenas das armas da coragem, do desprendimento individual, de uma consciência de si e para si que lembra o antigo senhor de engenho de Gilberto Freire. O homem que não foge da luta, se necessário, para defender seus interesses, mas não reconhece o outro, a capacidade de reação do outro. O CEO francês agiu também como senhor, mas um senhor refinado, inteligente, que soube colocar a opinião pública a seu favor e avaliou passo a passo a capacidade de reação do outro, até isolá-lo. Isso, certamente, é ser um hegeliano moderno.
Fica a indagação: por que uma palavra chave, seja ela qual for, quando bem colocada, quando atinge o inconsciente coletivo, é um atalho para o êxito? Não estaria nossa comunicação de crise lidando de modo tradicional com os impasses, não enxergando a dimensão política dos acontecimentos? Não percebendo que não há vitória sem que antes se conquiste a opinião pública? Seja qual for o desfecho do caso Abílio Diniz-Casino, o case tornou-se um marco. Uma metáfora da visão política, inclusive em âmbito global, contra o arrojo individual, mesmo que destemido e encarnado por um empresário vitorioso como Abílio Diniz. O fato é que o tempo do arrojo acabou. Arrojo não antecipa o futuro. O único caminho para antecipar o futuro é planejar decisões calculadas que afastem aquilo que é indesejado.
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