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QUESITOS DA DEFENSORIA PÚBLICA DE BARRA DO GARÇAS

Por:   •  26/5/2020  •  Trabalho acadêmico  •  1.356 Palavras (6 Páginas)  •  158 Visualizações

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Conclusão

Considerando as informações prestadas sobre as especificidades da tradição, usos e costumes indígenas Boe Bororo, e ressaltando que a violência contra a vida humana é repudiada pela comunidade indígena, não fazendo parte de qualquer traço de conduta aceitável, ao contrário, é vista como inaceitável e passível de pena de morte ou banimento definitivo do(a) agressor(a) em todas as aldeias Bororo, passamos às respostas aos quesitos formulados tanto pelos defensores públicos Hugo Ramos Vilela e Hugo Leonardo Bonfim Fernandes, às fls. 246-248 do processo em tela, quanto os do Sr. Promotor de Justiça Wdison Luiz Franco Mendes, às fls. 265 do processo.

Quesitos da Defensoria Pública de Barra do Garças/MT:

  1. Qual a qualificação do indígena examinado?

Marciano Aiewara Cêreu, filho de Renato Mariano Barretos Baigabora Bukejewu e Maria Cristina Kaduiewabo, nascido em 6 de março de 1986 na aldeia Garça, Terra Indígena Merure, localizada nos municípios de General Carneiro e Barra do Garças, estado do Mato Grosso, sob a jurisdição da Coordenação Técnica Local General Carneiro, da Coordenação Regional Cuiabá, da FUNAI. Portador do RG n° 1823662-6 SSP-MT e CFP n° 016.899.721-35, com disponibilidade nos telefones (66) 3416-1172 (aldeia Meruri) e (66) 4400-7854 (aldeia Garça) Local de trabalho: Fazenda Barra Mansa II, situada no município de Tesouro/MT, na função de serviços gerais.

  1. O assistido, durante os atos praticados em algum momento, teve sua conduta direcionada objetivamente à pratica do crime(animus deliciti)?

Sim, e segundo testemunhas indígenas das aldeias Garça e Meruri, aquela não foi a primeira ocorrência de agressão contra sua esposa Luciana Kiga, que era agente especial de saúde indígena, amamentava um filho com menos de seis meses, o terceiro do casal que possui outros dois filhos menores de idade, além do fato da falecida se encontrar grávida na ocasião, ainda que nas primeiras semanas de gestação.

  1.  O acusado tinha potencial conhecimento da ilicitude do fato, ainda que confrontantes os padrões entre os contidos na cultura indígena e os da sociedade envolvente?

Sim, considerando que a violência não coaduna com os padrões culturais, usos e costumes tradicionais indígenas Boe Bororo. Embora, de fato, Marciano Aiewara Cêreu estivesse sob o efeito do uso abusivo de bebidas alcoólicas, motivo pelo qual ele próprio afirma não possuir quaisquer lembranças sobre a ocorrência.

  1.  A ação do assistido pode ser caracterizada como exercício do direito de resistência conforme seus usos, costumes e tradições?

Não. Ressalte-se que as comunidades indígenas das aldeias visitadas, Meruri e Garça, na Terra Indígena Merure, e Pobore, na Terra Indígena Tadarimana, ambas de ocupação tradicional Boe Bororo, repudiam os fatos, manifestando um sentimento generalizado de impunidade prejudicial aos arranjos socioculturais e de compadrio tradicionais, além do fato que, até o momento, Marciano Aiewara Cêreu não sofreu qualquer punição, e se mantém livre e, para agravar a situação, consta que ele é suspeito de atos semelhantes com certa frequência, sendo a vítima a sua atual companheira indígena.

  1. Há adequação social desta conduta perante a comunidade indígena?

Não. De acordo com os depoimentos dos indígenas, colhidos nas entrevistas semiestruturadas durante os levantamentos de dados e informações resultantes dos trabalhos em campo, os Boe Bororo não consideram aceitável o fato em si, e repudiam a impunidade, nos termos da tradição indígena, e consideram extremamente prejudicial a demora na aplicação de medidas punitivas conforme os padrões da sociedade envolvente, sendo aguardada a solução deste caso para servir de medida exemplar que possa evitar situações semelhantes no futuro. Especialmente as mulheres indígenas entrevistadas demostraram insegurança nos relacionamentos tanto no âmbito intrafamiliar quanto entre as comunidades vizinhas, sendo a aldeia Garça uma ameaça aos padrões de comportamento considerados aceitáveis segundo a tradição Boe Bororo.

  1.  Qual o censo de reprovabilidade de conduta perante a comunidade a qual o assistido pertence?

A reprovação é total. Segundo os depoimentos e relatos nas entrevistas, os Boe Bororo repudiam a conduta veementemente, e consideram duas possibilidades de punição nos moldes tradicionais indígenas, sendo a primeira opção a execução imediata do(a) agressor(a) em casos de óbito por violência e espancamento, efetuado por direito pela família da vítima, e diga-se de passagem, que Luciana Kiga não possuía nem mesmo um único parente consanguíneo residindo na aldeia Garça, visto que ela mesma era proveniente da Terra Indígena Tadarimana, situada em Rondonópolis/MT. A segunda opção punitiva em situações semelhantes é o banimento em caráter definitivo do(a) agressor(a) de todas e qualquer aldeia ocupada tradicionalmente pelos Boe Bororo, o que de fato jamais ocorreu no caso em tela.

  1. No presente fato, a decisão pela pratica dos atos foi exclusivamente do acusado ou refletem decisão da comunidade?

A decisão foi exclusiva de Marciano Aiewra Cêreu, ainda que sob o efeito entorpecente em decorrência do uso abusivo de bebidas alcóolicas. Ressalte-se que as pessoas entrevistadas concordam unânimes, que a conduta do réu é totalmente repudiada e passível das mais sérias penalizações, conforme os costumes e as tradições Boe Bororo.

  1. Pela conduta considerada ilegal, o periciado foi absolvido ou sofreu algum tipo de penalidade imposta pela comunidade indígena da qual faz parte?

De fato, até o presente momento, a suposta pena de banimento por cinco anos nunca foi cumprida, e o periciado está livre e impune desde a ocorrência, a despeito da reprovação da comunidade indígena Boe Bororo. Os informantes declararam, sem qualquer discordância, que não houve julgamento, nem sequer absolvição segundo os costumes indígenas. Embora três dos caciques das aldeias Meruri e Garça tenham sido orientados a declarar, por escrito, que seria aplicada uma pena de banimento por cinco anos da aldeia Garça, esta foi tão somente uma estratégia de adiar e, talvez até mesmo impedir que o acusado sofresse alguma punição.

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