Trabalho Teorias Modernas em Antropologia
Por: Raphael Sabaini • 26/4/2016 • Trabalho acadêmico • 6.175 Palavras (25 Páginas) • 579 Visualizações
Universidade De São Paulo
Faculdade De Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Departamento de Antropologia
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social – PPGAS USP
Clifford Geertz e Roy Wagner: uma “briga de galos” entre o hermenêutico e o imanentista
Raphael T. Sabaini
Trabalho apresentado à disciplina Teorias Antropológicas Modernas, ministrada pelo Prof. Renato Sztutman, do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de São Paulo.
São Paulo
2010
Resumo:
Este trabalho propõe um breve exercício de análise acerca das propostas teóricas e metodológicas de Roy Wagner e Clifford Geertz. A teoria antropológica, nas últimas décadas, tem trazido questões que sempre se atualizam, o que caracteriza um processo reflexivo dentro da própria disciplina. O livro de Geertz, A Interpretação das Culturas é prova disto: a partir da chamada “antropologia hermenêutica” ou “interpretativa”, o autor traz à tona o estudo da cultura como um sistema simbólico. Geertz aborda questões teóricas e metodológicas acerca do conceito tanto teórico quanto metodológico de “cultura”, avançando sua análise a partir de temas como ciência política, ideologia e até, de certa forma, biologia. Alguns pontos importantes da análise de Geertz serão apresentados, focando principalmente os temas citados acima. Em seguida, este trabalho fará uma breve apresentação de alguns pontos do livro A invenção da cultura de Roy Wagner. Wagner parece ir além de Geertz no que diz respeito ao conceito de “cultura”, propondo uma reformulação da própria antropologia e tendo como ponto de partida que esta mesma “cultura” é resultado de um contexto de associações e extensões que estão sempre em relação. Isto posto, serão apontadas algumas diferenças e semelhanças entre as obras dos dois autores. Há de se observar que as obras não serão analisadas integralmente, mas os pontos considerados mais importantes serão levantados. O diálogo entre ambas parece ser profícuo, porém, ressaltando-se que o propósito não é fazer uma comparação sistemática, mas explicitar tanto pontos convergentes quanto divergentes.
Clifford Geertz
Clifford Geertz, em seu A Interpretação das Culturas apresenta um questionamento metodológico, pois as teorias antropológicas até então desenvolvidas se situavam, em sua opinião, sob métodos excessivamente abstratos e distantes da “realidade” encontrada. É a partir disso que Geertz começa a elaborar um novo método antropológico de análise. Ele começa a se preocupar com uma abordagem semiótica da cultura, deixando de lado a chamada Antropologia cognitiva.
Uma das observações feitas por Geertz é justamente de como certos aportes teóricos surgem no panorama antropológico, se fixando e, consequentemente, deixando outros tipos de ideias de lado. Quando estas contribuições teóricas adquirem certo status epistemológico, tornam-se parte de um arcabouço de conceitos estabelecidos. Durante este processo, os conceitos vão se moldando, delineando seus limites de aplicação. Ademais, estes fundamentos teóricos, por causa de suas limitações, não conseguem abranger totalmente os fenômenos estudados.
Desta maneira, fica mais simples perceber que determinado conceito não pode e não deve ser aplicado à resolução de todos os problemas impostos pelas dificuldades encontradas ao longo da pesquisa. Com base nisso, Geertz afirma que o conceito de cultura tem se preocupado “cada vez mais em limitar, especificar, enfocar e conter” (GEERTZ, 1978, p. 14).
É a partir disto que Geertz deixa claro o conceito de cultura que irá utilizar em todo seu livro:
O conceito de cultura que eu defendo, e cuja utilidade os ensaios abaixo tentam demonstrar, é essencialmente semiótico. Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado (GEERTZ, 1978, p. 15).
Desta maneira, essa teia de significados – a religião, a arte, o mito, a escrita, a comunicação, as práticas sociais e o próprio homem – une-se a um conjunto de sistemas simbólicos de significados. A ciência interpretativa, como posto por Geertz, constitui-se justamente através da análise e compreensão destes variados tipos de significados.
A definição de um método de análise em antropologia é de fundamental importância para Geertz. Como há muitas direções a percorrer e o caminho do ecletismo é uma autofrustração, é necessário escolher uma, mas não porque haja somente uma, mas justamente porque há uma infinidade de opções (GEERTZ, 1978). Porém, apesar de citar a etnografia como a prática por excelência na antropologia, ela mesmo (a etnografia) não é o cerne da questão acerca do método:
Mas não são essas coisas, as técnicas e os processos determinados, que definem o empreendimento. O que o define é o tipo de esforço intelectual que ele representa: um risco elaborado para uma “descrição densa”, tomando emprestada uma noção de Gilbert Ryle (GEERTZ, 1978, p. 15).
Geertz então apresenta, a partir de Ryle, esta descrição densa, ou seja, a busca microscópica pelos significados, de acordo a códigos “culturais” estabelecidos, mas que precisam ser investigados pelo antropólogo: “uma hierarquia estratificada de estruturas significantes” (GEERTZ, 1978).
A partir da exposição da história de Cohen[1], são levantadas questões de caráter comercial, religioso, cultural, linguístico e político. A relação e a imbricação de diferentes teias de significados implicam num choque de padrões e normas sociais, demonstrando o quão “densa” pode ser um descrição etnográfica e como se dá sua construção:
O que chamamos de nossos dados são realmente nossa própria construção das construções de outras pessoas, do que elas e seus compatriotas se propõem – está obscurecido, pois a maior parte do que precisamos para compreender um acontecimento particular, um ritual, um costume, uma ideia, ou o que quer que seja está insinuado como informação de fundo antes da coisa em si mesma ser examinada diretamente (GEERTZ, 1978, p.19).
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