Uma incursão a resistência à re-existências das comunidades remanescentes de quilombos
Por: Fernanda Magalhães • 7/2/2017 • Artigo • 7.091 Palavras (29 Páginas) • 254 Visualizações
Uma incursão a resistência à re-existências das comunidades remanescentes de quilombos e de apanhadores de flores e o Parque Nacional das Sempre-Vivas – Minas Gerais em relação ao “Estado”.
Resumo
O artigo aqui apresentado é uma análise do conflito entre as comunidades tradicionais dos apanhadores de flores Sempre-vivas em relação ao ponto de vista hegemônico e criminalizador do “Estado”. Ao assumir o ponto de vista epistemológico do ambientalismo conservacionista, na criação da Unidade de Conservação de Proteção Integral, como o Parque Nacional das Sempre-vivas, sobrepõem se territórios e criminalizam o(s) modo(s) de viver e de ser dessas comunidades. Propõem-se aqui analisar e discutir situações que envolvem o desrespeito a direitos constitucionais das comunidades tradicionais, no caso remanescente de quilombos e comunidades extrativistas (apanhadores de flores sempre vivas), em favor do empreendimento ambiental.
Palavras chaves: Comunidades Tradicionais, Apanhadores de flores sempre vivas, “Estado”, Unidades de Conservação.
Una incursión a la resistencia a re-existencias de las comunidades afrodescendientes y de "apanhadores de flores y el parque nacional de Las Sempre-Vivas-- Minas gerais en relación al “Estado”.
Resumen
El artículo presentado es una análisis del conflicto entre las comunidades tradicionales de los colectores de flores Sempre-vivas en relación a la mirada hegemónica del “Estado”, que criminaliza las comunidades. Al asumir la mirada epistemológica del ambientalismo conservacionista, en la creación de la Unidade de Consevação de Proteção Integral (Unidad de Conservación de Protección Integral), como el Parque Nacional das Sempre-vivas, hay una superposición de los territorios y criminalizan lo(s) modo(s) de vivir y de ser de esas comunidades. Propone se acá analizar y discutir situaciones que envuelvan la falta de respeto a los derechos constitucionales de las comunidades tradicionales, en el caso, de remanentes de quilombos (palenques) e comunidades “extrativistas” (colectoras de flores Sempre-vivas) a favor de la empresa ambiental.
Palabras chaves: Comunidades Tradicionales, Colectores de flores Sempre-vivas, “Estado”, Unidades de Conservación.
An incursion of the resistance to the re-existence of the remaining communities of quilombos and flower catchers and the Evergreen National Park - Minas Gerais in relation to the "State".
Abstract
The paper here presented is an analysis of the conflict between traditional communities of the “apanhadores de flores Sempre-vivas” in relation to the hegemonic and criminalizing point of view of the State. In assuming the epistemological point of view of conservationist environmentalism, in the creation of the Integral Protection Conservation Unit, such as the Parque Nacional das Sempre-vivas, they overlap territories and criminalize the way(s) of living and being of those communities . It is proposed here to analyze and discuss situations that involve the disrespect of the constitutional rights of traditional communities, in the remaining case of quilombos and extractive communities (apanhadores de flores sempre-vivas), in favor of the environmental enterprise.
Key Words: Traditional Communities, Ever-Catching Flowers, "State", Conservation Units
Não há justiça se há sofrer
Não há justiça se há temor
E se a gente sempre se curvar
Kawó kabiecilè Xangô oba iná
(Metá Metá)
Pensar o “Estado”[1] é expor-se a assumir um pensamento de “Estado”. Nas palavras de Bourdieu (2003), é correr o risco de aplicar categorias de pensamentos impostas pelo próprio “Estado”. Por isso se faz importante adentrar em meios alternativos para pensá-lo fora de sua racionalidade, em outras lógicas, e assim problematizar um processo de desconstrução do mesmo como um corpo monolítico, impermeável e abstrato de poder. Portanto, pensá-lo não é uma tarefa fácil, pois este impõe e produz as categorias de pensamento que utilizamos. É através dessas categorias, que este artigo propõem analisar o conflito engendrado a partir da criação do PARNA (Parque Nacional) das Sempre-Vivas em relação a expropriação territorial e criminalização do(s) modo(s) de ser e viver das comunidades tradicionais locais pelo “Estado”. Tendo em vista que esse poder categorizador do mesmo, tende a sobrepor e impor-se como o detentor da vida e da morte das diferentes formas de “ser” e “estar” do(s) mundo(s). Como nas palavras de Veena Das e Deborah Poole (2008: p.34), as fronteiras do “Estado”, “son espacios en los cuales la soberanía, en tanto derecho sobre la vida y la muerte, es experimentada de un modo potencial, creando efectos de pánico y un sentimiento de peligro, aun si “nada sucede”.
A analisar a gênese do “Estado”, Bourdieu (2003: p.99) mostra como o funcionamento de seu monopólio é resultado de um processo de concentração de diferentes tipos de capitais, como o da força física, o econômico, o cultural, capital da informação e o simbólico, que constitui o “Estado” como detentor de um metacapital, que dispõem de poder sobre os outros capitais e seus detentores. Aqui, encontramos o conflito como um jogo, em que os detentores de diferentes tipos de capitais disputam o poder sobre o capital estatal, que ao mesmo tempo, tem poder sobre diferentes tipos de capitais e sua reprodução. Assim, para o autor, ele se constitui como uma doxa, como uma verdade inquestionável, dominante, ou seja, seria um ponto de vista particular, o ponto de vista dos dominantes que se impõem como universal, “o ponto de vista daqueles que dominam dominando o “Estado” e que constituíram seu ponto de vista em ponto de vista universal ao criarem o “Estado” ( Idem : p.120)
Para Baviskar (2010), a violência do “Estado” é rotineira, legitimando quem pode usar e aqueles que podem sofrer a violência. A união da política com a violência é a origem do mito do “Estado”, constituída pela parte incoerente, brutal e banal com os bens e qualidades atribuídas ao “Estado”, contradição que cria uma ilusão e legitima o uso da força. Mas, é nas próprias contradições que são criadas as possibilidades de resistências e de negociação com o “Estado”.
Nesse ponto, forma-se um lugar do encontro de diferentes concepções de vida e visões de mundo e do desencontro de temporalidades históricas diversas (MARTINS, 2009: p.27). O “Estado” e as diferentes formas de “ser” e “estar” no(s) mundo(s) são constituídos em temporalidades diferentes, um é fruto de um processo histórico de formação homogeneizadora e universalizante que se impõem sobre outros tempos históricos. Além disso, é importante ressaltar que o “Estado”, não é constituído como um bloco monolítico; pelo o contrário, o seu poder é disputado por vários agentes internos com diferentes visões de mundo e interesses. É nessa instabilidade que é formado as brechas de sua penetração. O seu capital é disputado por outros agentes do poder privado, que se articulam com o “Estado” disputando hegemonia dentro dele. Nessa articulação temos vários tipos de agentes com temporalidades históricas diferentes (MARTINS, 2009) na margem da legalidade, como as autoras Veena Das e Deborah Poole (2008) assinalam ao comentar sobre figuras de autoridade local que:
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