Vinte Anos de Crise Resenha
Por: Ana Beatriz de Arruda Ferreira • 20/3/2025 • Resenha • 1.378 Palavras (6 Páginas) • 11 Visualizações
O livro Vinte Anos de Crise 1919-1939 é uma obra fundamental para o estudo das relações internacionais. Oferecendo uma análise profunda das falhas da ordem internacional construída após a Primeira Guerra Mundial e antecipando muitos dos desafios que moldaram o cenário global nos anos seguintes, Carr também apresenta uma crítica à visão utópica que dominava as discussões sobre política internacional. Ele argumenta que o idealismo sem base na realidade contribuiu para a crise entre as duas guerras e sugere uma abordagem realista, que reconheça a importância do poder nas relações internacionais, mas que também busque formas eficazes de mudança pacífica.
Ao longo da obra, o autor destaca que a estabilidade do direito internacional depende da existência de mecanismos políticos eficientes para adaptar e revisar suas normas. A resistência às mudanças inevitáveis leva à instabilidade e ao conflito, enquanto a busca por um equilíbrio entre forças opostas pode proporcionar um sistema mais justo e funcional. Essa preocupação com a necessidade de adaptação e pragmatismo se reflete em sua crítica ao idealismo ingênuo e na defesa de uma visão mais realista das relações internacionais.
Ao questionar as premissas da ordem liberal do pós-guerra, Carr antecipa muitas das tendências que definiriam o mundo após 1945, incluindo o crescimento do realismo como principal abordagem teórica na disciplina. Sua obra é considerada um marco na consolidação dessa perspectiva, influenciando gerações de estudiosos. Essa análise histórica se desenvolve ao longo dos capítulos, nos quais ele traça a evolução do pensamento político internacional.
No primeiro capítulo, Carr examina o surgimento da ciência da política internacional como resposta à necessidade de entender e regular as relações entre os Estados, especialmente após a Primeira Guerra Mundial. Antes desse período, a política internacional era conduzida principalmente por diplomatas e militares, sem grande envolvimento da opinião pública ou da academia. No entanto, a guerra revelou a importância de tornar essas questões acessíveis e debatidas pela sociedade. Além disso, o autor discute a relação entre objetivo e análise na ciência política, argumentando que a necessidade de solucionar problemas políticos impulsionou o desenvolvimento da disciplina, assim como ocorre em outras ciências aplicadas.
Dando continuidade a essa linha de raciocínio, no segundo capítulo, Carr explora a dualidade entre utopia e realidade como eixos fundamentais do pensamento político. Ele analisa como a utopia se manifesta no desejo de transformar a realidade conforme princípios ideais, enquanto o realismo enfatiza a aceitação dos fatos e das limitações políticas concretas. Essa tensão se reflete em diversas dicotomias, como livre-arbítrio e determinismo, teoria e prática, e ética e política. Além disso, o capítulo discute a oposição entre intelectuais, que tendem a uma abordagem teórica e idealista, e burocratas, que se guiam pelo pragmatismo e pela experiência, destacando como essas diferentes visões moldam as políticas públicas e internacionais.
Aprofundando essa análise, no terceiro capítulo, Carr traça a origem do pensamento utópico na política moderna, ligando-o à transição do sistema medieval, baseado na autoridade religiosa, para o racionalismo do Iluminismo. Ele explica como a crença na razão e na lei natural levou à formulação de teorias políticas baseadas na ideia de progresso e aperfeiçoamento social. O autor destaca o utilitarismo de Jeremy Bentham e a crença na opinião pública como pilares desse pensamento, que foram posteriormente transplantados para a política internacional, especialmente sob influência dos Estados Unidos e do liberalismo do século XIX. Assim, ele sugere que essa visão utópica moldou grande parte das teorias sobre paz e governança global no período entre as guerras.
Nesses capítulos iniciais, Carr constroi um panorama crítico sobre a forma como interesses, realismo e moralidade moldam a política e as relações internacionais. Ele questiona a ideia de que existe uma harmonia natural de interesses entre os diferentes atores políticos e econômicos, argumentando que essa crença serviu historicamente para justificar a posição privilegiada de determinados grupos. Durante o século XIX, por exemplo, a expansão do comércio internacional e o crescimento da produção alimentaram a noção de que todos poderiam prosperar conjuntamente. No entanto, com a ascensão do proletariado e o aprofundamento das desigualdades econômicas, essa visão se mostrou insustentável.
Diante desse cenário, Carr apresenta a crítica realista, que se opõe ao pensamento utópico predominante no período pós-Primeira Guerra Mundial. Ele argumenta que, em vez de princípios universais de justiça e moralidade, o que realmente orienta a política internacional são interesses concretos e circunstâncias históricas. O realismo, portanto, desmonta as ilusões do idealismo, revelando como conceitos como "paz", "democracia" e "direitos humanos" podem ser usados de forma instrumental por Estados e elites para legitimar suas próprias agendas.
No entanto, Carr também reconhece as limitações do realismo. Se levado ao extremo, pode resultar em paralisia política e fatalismo, ao sugerir que a política é determinada exclusivamente por forças estruturais e que qualquer tentativa de mudança é inútil. Além disso, por mais que os realistas desprezem os ideais e valores como meros disfarces para interesses de poder, eles próprios operam dentro de sistemas que dependem de valores compartilhados. Assim, Carr sugere que um equilíbrio entre realismo e utopia é necessário: enquanto o realismo fornece um olhar pragmático sobre
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