A “DUBLAGEM VIVA” BRASILEIRA: ESTAMOS INDO LONGE DEMAIS?
Por: Carolina Rondelli • 23/11/2020 • Trabalho acadêmico • 1.862 Palavras (8 Páginas) • 192 Visualizações
CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA CELSO SUCKOW DA FONSECA
DEPARTAMENTO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS APLICADAS DO ENSINO SUPERIOR
A “DUBLAGEM VIVA” BRASILEIRA: ESTAMOS INDO LONGE DEMAIS?
Carolina de Almeida Rondelli
Trabalho apresentado em cumprimento às normas da disciplina de Estudos de Teoria da Tradução do Bacharelado em Línguas Estrangeiras Aplicadas às Negociações Internacionais.
Prof. Dr. Leandro Cristóvão
RIO DE JANEIRO
2019.2
INTRODUÇÃO
Entre os brasileiros, as opiniões são muito diversas a respeito da forma de consumir obras televisivas ou cinematográficas. Há quem prefira a obra legendada, para uma apreciação completa do original, e também existem os adeptos da dublagem, que afirmam que a legenda dificulta que as cenas sejam acompanhadas em sua totalidade.
Juízos de valor à parte, é preciso reconhecer o papel de democratização que a dublagem possui. O contato com a arte por parte de muitas pessoas com pouco acesso à leitura e educação, em muitos caso, só é possível via dublagem. Essa prática surgiu no início da década de 1930, com o fim dos filmes mudos, uma vez que, no novo contexto de cenas faladas, tornou-se muito difícil exportar produções audiovisuais, que não seriam entendidas pelo público de outros países. A partir daí, a dublagem foi a saída encontrada para resolver o problema.
No Brasil, o primeiro filme dublado foi a animação A Branca de Neve, dos Estúdios Disney, em 1937. Desde então muito foi aprimorado, e hoje o país é considerado um dos melhores do mundo na prática da dublagem. Isso se deve, em grande parte, pela qualidade dos atores dubladores brasileiros, entre eles Manolo Rey, consagrado por dublar o Homem Aranha em vários filmes da franquia, o Gaguinho, de Looney Tunes e Will Smith em O Maluco no Pedaço, além de Wendel Bezerra, que fez eterna a voz do personagem Bob Esponja.
No entanto, além desse fator, o Brasil tem uma característica muito interessante no tocante à dublagem, que é a regionalização. Essa prática aproxima as obras traduzidas do contexto e da realidade brasileira, incluindo piadas, trocadilhos, gírias e outros elementos que são característicos do país, normalmente em detrimento de outros regionalismos do país onde a obra foi produzida, que a maioria do público-alvo brasileiro não entenderia ou não acharia tão engraçado, por exemplo. Essa regionalização faz com que os personagens e as situações sejam mais brasileiras, e permite que o espectador se conecte mais facilmente com a história e identifique-se com o que está assistindo.
Em contrapartida, pode-se considerar que essa regionalização passa dos limites em alguns momentos, deixando de transmitir o que o autor, criador ou diretor original da obra dublada quis dizer, ou falhando em passar algum conhecimento relevante sobre a cultura local de onde a obra foi produzida para substituir por algo que já é de conhecimento da população brasileira.
As teorias da tradução debatem há muito o assunto, sem chegar exatamente a uma conclusão a respeito do embate entre a prática tradutória estrangeirizante, que busca se manter mais fiel ao original, e a domesticadora, que faz uma maior adequação da obra ao contexto do leitor. Esse trabalho, portanto, busca relacionar essas discussões ao que ocorre na dublagem brasileira, que tende mais à tradução domesticadora, e fazer análises à luz das duas vertentes teóricas.
A REGIONALIZAÇÃO DA ANIMAÇÃO
É evidente a necessidade de dublagem quanto se trata da animação voltada para o público infantil. Os filmes e desenhos animados alcançam crianças de todas as faixas etárias, inclusive aquelas que não sabem ler ou estão muito no início da alfabetização. Para elas, entender um filme legendado seria impossível. Da mesma forma, para a criança é um pouco mais complicado entender referências culturais de outros países. Assim, essa é uma área onde a dublagem e, consequentemente, a regionalização, são muito fortes.
Um caso interessante é o do filme Tá Dando Onda (2007), que conta a história de pinguins surfistas, onde Cadú (no original, Cody) diz morar num lugar chamado “Frio de Janeiro” e João Frango (no original, Chicken Joe), diz que vem do Pantanal Matogrossense. Além disso, em Procurando Dory (2016), que fala sobre um peixe com amnésia perdido no oceano, na versão original americana, há um instituto de pesquisa que estuda a vida marinha e se chama Ellen Degeneres, em homenagem à famosa apresentadora, comediante e atriz estadunidense. Não sendo ela uma figura tão conhecida entre a maioria dos brasileiros, a dublagem fez uma alteração do nome, que se tornou Instituto de Pesquisa Marília Gabriela, fazendo referência à também apresentadora brasileira. No filme Monstros SA (2001), que conta a história de uma “fábrica de sustos” que leva monstros para assustar crianças em seus quartos, o slogan original da fábrica, em inglês, é “we scare because we care”, que literalmente quer dizer “nós assustamos porque nos importamos”. No entanto, a dublagem brasileira optou pela frase “no susto e no grito, fazemos bonito”, dando um ar um pouco mais cômico para o slogan, e também mais “abrasileirado”.
Já outros filmes, como Divertidamente (2016), vão muito além da linguagem falada; eles modificam o próprio filme para se adequar à diferentes culturas. Nessa obra, que conta a dinâmica das emoções dentro da mente de uma menina de 11 anos, um determinado personagem lê uma placa que diz, em inglês, “Danger! Keep Out” (Perigo! Mantenha a distância), e essa placa foi traduzida dentro do filme e na dublagem, para diversos idiomas, incluindo aqueles em que se lê da direita para a esquerda, onde até o momento da cabeça do personagem enquanto lê foi alterado. Em Zootopia (2016), num mundo só de animais onde há um jornal famoso, as âncoras desse jornal variaram de país para país, colocando um animal característico do lugar, como, no caso do Brasil, foi um Jaguar.
Esses são alguns exemplos do que a dublagem brasileira faz com muita frequência. privilegiando o expectador do país no ato da comunicação. Esse tipo de dublagem pode ser classificada segundo a Equivalência Dinâmica, teorizada pelo linguista Eugene Nida (1964 e 1966), onde o foco é em chegar na maior naturalidade possível do texto original para o traduzido, para que o leitor do texto traduzido seja capaz de enxergar elementos que são característicos da sua própria cultura. Buscando essa equivalência, é possível que a tradução tenha o mesmo efeito sobre o seu leitor que o texto original teve sobre o seu leitor.
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