A ridicularização do poder nas charges
Por: scarmog • 16/11/2020 • Artigo • 1.270 Palavras (6 Páginas) • 171 Visualizações
A ridicularização do poder nas charges[1]
Suellen do Carmo[2]
A utilização de recursos como a satirização e a ridicularização, seja por meio da representação de charges, caricaturas, performances de humoristas e palhaços, não se restringe ao tempo contemporâneo, mas data de muitos anos atrás. Os processos de crítica, geralmente eram voltados ao poder, e neste trabalho abordaremos de que modo ocorre a ridicularização dos membros do poder no âmbito do humor gráfico.
Para isso, será necessário recorrermos a Balandier em seu livro “O poder em cena” de 1980, onde o autor explana sobre a ridicularização. O primeiro exemplo dado pelo autor é o Bufão, uma espécie de palhaço doméstico que era contratado pelas famílias mais abastadas com o objetivo de diverti-los durante as refeições. A ironia, paródia e transgressão eram os pilares desse personagem, e de acordo com Balandier: “O bufão não respeitava nada nem ninguém; sua licença era total, sua impunidade a mais completa e seu ataque um tanto mais forte que o objeto que visava”. (BALANDIER, 1980, p. 28).
Mais tarde, os referidos bufões se transformam em bobos da corte, onde sua atuação não é meramente doméstica, e adquiri uma conotação política. O bobo da corte se torna um parceiro direto do poder e contribui para a concentração e manutenção deste. Neste momento, os “palhaços” aparecem associados à política diretamente”, e o bobo da corte, então, passa a ser ofício.
Com o decorrer dos anos, as figuras dos bufões e bobos da corte, passam a ser encontradas em diferentes meios, como visto nas palavras de Balandier, (1980): “Em França, as cenas de bulevar apresentam no século XIX novos tipos burlescos e a charge política se exprime por outros meios, pela imprensa e pela caricatura”. Sendo assim, os novos meios de expressão passam a favorecer a continuidade da sátira iniciada pelos bufões, realizando a “ridicularização” e crítica voltada aos membros do poder e aos problemas sociais e políticos.
Muitas representações do humor gráfico se dedicam a realizar a ridicularização do poder, dando continuidade às sátiras realizadas pelos bufões. Nesse sentido, o conceito de ridicularização se aproxima da iconoclastia, ao ficar claro, que ambos buscam diminuir o adversário, o ridularizando ou destruindo simbolicamente.
Para Micthell (2005), os atos de “iconoclastia” – (“destruir imagens”) são a contrapartida da população em relação a algo que as ofendem, e dessa forma, as pessoas chegam a ponto de destruir algumas imagens. No entanto, dentre as formas de iconoclastia: aniquilação, ocultação e desfiguração, a última nos interessa, pois diz respeito a iconoclastia parcial - (quando ocorre apenas a mutilação da imagem, causando um ferimento na mesma). Nesse caso, a intenção é que a imagem continue existindo, mas de uma forma degradada. A caricatura se encaixa nessa categoria, se constituindo como uma forma de desfiguração da imagem.
Quando ocorre uma iconoclastia parcial, o objetivo presente é destruir simbolicamente o inimigo, apagando do imaginário da população a imagem real de alguém, a substituindo por uma forma deteriorada. No processo de ridicularização de uma imagem, visto em Balandier, a intenção é a mesma, tornar o alvo do ataque simbolicamente destruído e ridularizado, buscando diminuir o inimigo até o ponto de torna-lo um verdadeiro bufão do povo.
Análise chárgica
No contexto da imprensa sindical, será analisada umas das charges que trazia críticas diretas ao Plano Real e as medidas adotadas para sustentá-lo diante das diversas crises, que colocaram em cheque a credibilidade que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso havia conquistado até o momento. Na seguinte charge lemos no título: “Afundando Fernando Cardoso - índice de aprovação”. A charge foi publicada no Jornal dos Petroleiros (figura 4) onde FHC se encontra, literalmente enterrado na lama - identificada pela placa onde se lê “pântano”. A imagem de fundo apresenta um gráfico que mostra o despencar do índice de aprovação de seu governo, que atinge poucos 12%.
FIGURA 1
[pic 1]
Fonte: Jornal dos Petroleiros - 1999
O ano de 1999 foi um momento de profunda crise econômica no país; o governo que havia se promovido com um discurso de estabilidade a partir do Plano Real, não conseguia mais solucionar os problemas econômicos, como os aumentos da inflação, dos juros, dos impostos, da dívida interna e externa e também os problemas no âmbito social, principalmente, como decorrência da desvalorização do real. Com isso, a popularidade de FHC começou a cair, atingindo um dos menores índices já registrados para um presidente no Brasil.
Pode-se notar por meio da charge que os três pilares existentes no personagem bufão de outrora, são encontrados em essência aqui. De acordo com Balandier (1980), os pilares eram: a ironia, paródia e transgressão, onde o ataque era mais forte do que o objeto que visava. Ainda que a crítica fosse direcionada a figura mais importante de um país (o presidente), o poder crítico da charge se torna ainda mais forte do que o ”poderoso” ao afrontá-lo.
A charge utiliza como recurso a ridicularização, quando coloca FHC representado em uma poça de lama/ pântano, tal como um animal, utilizando essa referência irônica para causar riso na população. É por meio dessa comparação exagerada que o chargista utilizou para parodiar a situação de desaprovação do governo de Fernando Henrique que ocorre a grande ridicularização. Nesse momento também fica claro a carga de ironia violenta e às vezes desabrida, de acordo com Balandier.
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