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Stuart Hall: Cultural Studies and its theoretical legacies

Por:   •  6/5/2019  •  Resenha  •  9.849 Palavras (40 Páginas)  •  304 Visualizações

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Stuart Hall: Cultural Studies and its theoretical legacies

  • Considerado a figura mais influenciou nos estudos culturais contemporâneos pois o seu texto foi escrito num momento em que os estudos culturais arrancavam como uma disciplina académica nos Estados Unidos.
  • Para Stuart Hall, o campo dos estudos culturais emergiram em 1950 com a desintegração do Marxismo clássico.

  • Hall reconhece que os os estudos culturais têm sido formados por interrupções na sua trajetória e a na sua missão. O que é estável nos estudos culturais, segundo Hall, é a compreensão de “conhecimento conjuntural” de Gramsci a que consiste no conhecimento situado no e aplicado a circunstâncias históricas ou politicas imediatas; consciência de que uma estrutura de representações que formam o alfabeto e a gramatica de uma cultura são instrumentos de poder social requerendo assim, uma examinação critica e ativista.
  • Stuart Hall pretende, neste texto, absolver-se das representações que carrega consigo afirmando que carrega consigo pelo menos três: de falar:
  1. Pela comunidade negra inteira
  2. Pelas politicas britânicas
  3. Pelos estudos culturais
  • Stuart afirma que pretende falar de forma autobiográfica abrindo espaço para reflexões do estudo cultural como uma prática na sua posição institucional e no seu projeto e, de forma a atingir o que pretende, irá referir-se a certos legados e momentos teóricos.

  • Num sentido Foucauniano, os estudos culturais são uma formação discursiva. Os estudos culturais têm múltiplos discursos; inúmeras histórias. Os estudos culturais e a sua criação teve várias trajetórias tendo sindo construído por um número vasto de diferentes metodologias e posições teóricas. É assim, um conjunto inteiro de formações, que são sempre instáveis, e que têm as suas diferentes conjunturas e momentos no passado. Inclui vários tipos de trabalho. Apesar de os estudos culturais como projeto ser aberto, não pode simplesmente ser pluralista. É um projeto que está sempre em aberto para aquilo que presentemente não sabe e para o que não pode já denominar/fornecer um nome.
  • O primeiro traço que Stuart pretende desconstruir tem a ver com o facto de que os estudos culturais britânicos tornaram-se uma prática critica marxista. Stuart entrou no ramos dos estudos culturais através da New Left e afirma que esta sempre considerou o Marxismo como um problema, um perigo e não uma solução. Os estudos culturais não foram desde o inicio orgulhosamente influenciados pelas questões que o marxismo, como projeto teórico, colocava em cima da mesa, por assim dizer. Estas questões seriam questões de poder; questões de classe, exploração; de alcance global e história. Estas questões centrais de grande importância são o que se entende por trabalhar a uma distância gritante do marxismo, trabalhando no marxismo, trabalhando contra o marxismo, trabalhando com ele, trabalhando para tentar desenvolver o marxismo. Nunca houve um momento anterior em que os estudos culturais e o marxismo representassem uma teoria perfeita. As coisas de que o marxismo não falava ou parecia não entender eram, precisamente, o objeto privilegiado dos estudos culturais: a cultura, ideologia, língua, o simbolismo. Isto para afirmar que o encontro entre os estudos culturais britânicos e o marxismos deve ser entendido, primeiramente, como o combate para um problema. Como tal, a noção de que o marxismo e os estudos culturais reconheceram uma afinidade imediata, uniram-se num momento de síntese e que posteriormente se deu o momento fundador dos estudos culturais é completamente errada.
  • Stuart menciona Gramsci como alguém que muito fez pelos estudos culturais e afirma que há algo que ele quer transmitir dos seus ensinamos que consiste, de acordo com Stuart, na necessidade de refletir sobre a nossa posição institucional e a nossa prática intelectual. Inúmeras pessoas nos estudos culturais tentaram descrever o que pensavam que estavam a fazer, tendo em conta o seu trabalho intelectual. A expressão de Gramsci “ intelectual orgânico” foi a que lhe pareceu mais próxima para definir o que estavam a fazer. No entanto, há um problema com esta expressão que aparenta alinhar os intelectuais com o surgimento de um movimento histórico e, na altura e até mesmo nos dias de hoje, onde o começo do movimento histórico pode ser encontrado. Assim sendo, eles seriam intelectuais orgânicos sem nenhum ponto orgânico de referência.
  • Um segundo aspeto na definição de intelectual de Gramsci é que estes “intelectuais orgânicos” devem trabalhar em duas frentes de uma só vez e ao mesmo tempo. Por um lado, têm que estar à frente/em primeiro plano no trabalho intelectual teórico porque, como Gramsci afirma, é seu dever saber mais do que os intelectuais tradicionais sabem, é necessário genuinamente conhecer e saber. E, por outro lado que é igualmente crucial, os “intelectuais orgânicos” não poderiam guardar esse conhecimento só para si tendo a obrigação de passar, transmitir essas ideias, conhecimentos para aqueles que não pertenciam, profissionalmente, no campo da classe intelectual.  
  • Stuart quis também olhar para dois outros momentos teóricos nos estudos culturais que interromperam a já interrompida história da sua formação. Diversas vezes, o denominado desenrolar dos estudos culturais foi interrompido por uma pausa, por reais ruturas, por forças exteriores. Estas interrupções, por assim dizer, de novas ideias que surgiram do que parecia ser a acumulação da pratica do trabalho. Stuart aponta que houveram pelo menos duas interrupções no trabalho do Centro de Estudos Culturais Contemporâneos: o primeiro foi o feminismo e o segundo envolvia questões de raça. Para os estudos culturais, a intervenção do feminismo foi especifico e decisivo. Reorganizou o campo de formas extremamente concretas. Primeiro, com a abertura da questão da pessoa como politica e as suas consequências por mudar o objeto de estudo nos estudos culturais foi completamente revolucionaria numa forma teórica e pratica. Segundo, a radical expansão da noção de poder que tinha, até aos dias, sido muito desenvolvida ao olhar da noção do publico, do domínio publico, com o efeito de que não se poderia usar o termo poder. Em terceiro lugar, a centralização de questões de género e sexualidade para a compreensão de poder em si. Em quarto, a abertura de inúmeras questões que se considerava terem sido abolidas em torno do subjetivo e do sujeito, que apresenta essas questões no centro dos estudos culturais como prática teórica. Já em quinto trata-se da reabertura da barreira fechada entre a teoria social e a teoria do inconsciente. Quanto à questão de raça, Stuart não se desenvolve.
  • Stuart quer se agarrar à noção, que considera estar implícita em ambos os exemplos dados, que os movimentos provocam momentos teóricos. E as conjunturas históricas insistem em teorias: são momentos reais na evolução de teoria.
  • Segundo Stuart, o que descentrou e deslocou o caminho estabelecido no Centro Contemporâneo de Estudos Culturais e dos estudos culturais ingleses até certo ponto foi aquilo que se domina “a viragem linguística”, ou seja, a descoberta da discursividade e textualidade. Para Stuart, apesar de este considerar que nenhum “ganho” teórico pode ser um momento possa ser auto suficiente, os ganhos que se obtiveram pelo compromisso com estes termos são de extrema importância para a compreensão de como a teoria avançou em trabalho.
  • Mais uma vez, Hall afirma que não há espaço para fazer mais do listar os avanços teóricos que foram feitos pelos encontros com o trabalho estruturalista, semiótico e pós-estrutural que são, precisamente: a importância crucial da linguagem e da metafonia linguística para qualquer estudo da cultura; expansão da noção de texto e textualidade, tanto como fonte de significado quanto como aquela que escapa e adia o significado; o reconhecimento da heterogeneidade, da multiplicidade de significados, da luta para fechar arbitrariamente a infinita semiosis além do significado; o reconhecimento da textualidade e do poder cultural, da representação em si como uma forma poder de poder e regulação; do simbólico como fonte de identidade. Através destas descobertas abriram-se portas para a reflexão de questões de cultura pelas metáforas da linguagem e textualidade representando assim um ponto além do qual os estudos culturais devem, atualmente e de forma necessária, situar-se
  • De acordo com Hall, há sempre algo descentrado sobre o meio da cultura, sobre linguagem, textualidade e significado, que almeja e evade a tentativa de vinculá-lo diretamente e de forma imediata com outras estruturas. No entanto, ao mesmo tempo, a sombra, a marca, o traço dessas outras formações, a intertextualidade dos textos em suas posições institucionais, dos textos como fontes de poder, da textualidade como uma representação e resistência, todas essas questões nunca poderão ser apagada dos estudos culturais
  • Após esta reflexão Hall coloca a questão do que aconteceria se neste campo – que tem tentado descrever de uma forma pontuada, dispersa e interrompida – devido às suas constantes mudanças de direção e no qual é definido como um projeto politico, tenta-se desenvolver como uma espécie de intervenção teórica coerente. Esta questão não é fácil de responder sendo que é dotada de uma dualidade que nos obriga a responder tanto sim como não. Pede-nos, de forma indireta, para assumirmos que a cultura irá sempre funcionar pelas suas textualidades e que, ao mesmo tempo, estas textualidades não são suficientes. Hall afirma que foi sempre impossível, no campo teórico dos estudos culturais, de conseguir algo como um conjunto adequado de teorias de relações culturais e os seus efeitos. Sublinha também o facto de que, enquanto/a não ser que os estudos culturais aprendam a viver com a tensão que todas as práticas textuais assumem eles se terão renunciado à sua vocação mundana/mundial. Ou seja, a não ser e até que se respeite o deslocamento necessário da cultura e, no entanto, está-se sempre irritado por não reconciliar questões de caracter relevante com outras questões que não podem, nem conseguem ser totalmente cobertas pela textualidade crítica em suas elaborações, os estudos culturais como projeto e intervenção, permanecem incompletos.
  • A análise de certas coisas sobre a natureza constitutiva e política da própria representação, sobre a sua própria complexidade, sobre os efeitos da língua, sobre a textualidade como um uma forma de vida ou morte são as coias que os estudos culturais conseguem (e devem) abordar.

Aleida Assmann: Cultural Studies and Historical Memories

  • Aleida começa por afirmar que os estudos culturais, ao longo dos anos, se desenvolveram numa disciplina acadêmica bastante unificada com um conjunto de autoridades canonizadas, terminologias e textos lidos, discutidos e utilizados em todo o mundo. Posteriormente, diz que o seu objetivo neste trabalho é o de iluminar um pouco no que diz respeito aos desenvolvimentos históricos dos estudos culturais. Na sua primeira parte do trabalho ela pretende enfatizar as diferenças locais e históricas no surgimento de estudos culturais e analisar as circunstâncias históricas que produziram e moldaram as suas diferentes orientações.
  • A sua primeira tese consiste, portanto, na ideia de que os estudos culturais não são só uma mistura global de teorias e terminologias mas, visto de um perspetiva histórica, revela ligações com problemas e histórias locais especificas.
  • Mencionando o surgimento dos estudos culturais britânicos, Aleida deixa claro que o surgimento deste novo movimento teve tanto um impulso negativo como positivo. Focando-se no negativo afirma que os estudos culturais britânicos estavam direcionados contra o conceito de cultura tal como fora consagrado, até então, nas humanidades. Cultura, de acordo com os seus standards, era uma empresa para um dado grupo de pessoas capazes de manter o vigor da cultura e da vida cultural. Esse conceito de cultura estreito, conservador e elitista foi desafiado por uma nova geração de estudiosos literários que estudavam textos de Marx, Foucault e Gramsci. Para eles, a cultura não foi consagrada por herança nacional, ao invés, era uma luta contínua pelo poder que o mundo contemporâneo testemunhava, uma vez que sofreu uma rápida transformação na cultura de massa. O surgimento dos estudos culturais foi a resposta para pressões sociais e politicas imediatas. O seu impulso positivo foi a visão de cultura e uma vocação histórica que Hall define como “A vocação cultural dos estudos culturais tem oferecido a chance às pessoas para compreender o que se está a passar e, especialmente, fornecer formas de pensamento, estratégias de sobrevivência e recursos para resistência[…]”.

  • Generalizando o titulo do trabalho/texto de Hall, Aleida forma a sua segunda tese: os estudos culturais emergiram de uma crise nas humanidades. Esta crise, no entanto, tinha uma qualidade e genologia diferente em países diferentes. O seu primeiro exemplo é o dos Estados Unidos onde a ascensão dos estudos culturais também tinha um alvo claramente político, esta crise estava relacionada à rutura do consenso democrático nacional sobre os valores da comunidade e da cultura. A ideia de uma unidade na diversidade da população americana era cada vez mais difícil de manter. Os estudos culturais e feministas têm desempenhado um papel importante na evolução recente da política de identidade. Reconhecendo a exclusão de numerosos grupos de acesso à cultura da comunidade nacional, desafiaram o cânon que fortificou essa cultura nacional nas instituições de ensino inferior e superior. Os estudos culturais tornaram-se uma ferramenta não só para atacar, mas também para remodelar o conceito de cultura. Os estudos culturais tornaram-se um domínio de contestação em que o cânone ocidental foi contestado e o conceito de uma herança nacional comum foi questionado. Também se tornou o domínio no qual outras identidades culturais foram afirmadas e perdidas tradições (re) construídas.
  • Na Alemanha, a crise das humanidades tomou a forma de uma crise de uma instituição académica, os denominados Geisteswissenschaften que eram o produto da separação de uma cultura em duas culturas peça oposição binária de Geist e Natur. Esta separação data o século 19, quando filósofos alemães como Schleiermacher e Dilthey inventaram a hermenêutica como uma metodologia unificada para as humanidades. Aleida vai recorrer às afirmações de Mittelstaβ que descreve-os[Geisteswissenscheften] como sendo autoindulgentes absorvidos em discussões fúteis; acusa-os de ter padrões relaxados de verdade e argumenta que eles sofrem com uma fragmentação crescente e uma organização institucional dispersa. Estes são, para ele, sintomas de uma crise mais profunda que acompanha a perda de uma função sociopedagógica normativa. Mittelstraβ reprova-os por ter perdido a chance de se modernizar, deixando assim o futuro para as outras ciências, enquanto se concentram em valores suaves, retrógrados e conservadores da cultura, da narração e da memória. No entanto, ele termina sua pesquisa negativa deles com uma exortação positiva e convoca-os a desprenderem-se da hermenêutica porque se concentra em textos e não em questões reais e que, ao invés de alcançar a luz clara da ciência positiva e seus padrões objetivos de verdade, aprecia o crepúsculo do subjetivismo e do historicismo. Ele insiste que não basta saber o que o mundo moderno pode fazer, mas também é importante saber o que o mundo moderno é e deveria ser.
  • Cultura é definida como um complexo mecanismo de reprodução e continuidade, em constantemente transformando o passado e o potencial no presente e atual. No processo da cultura, no entanto, a memoria não opera como um mecanismo autónomo mas é regulado pela sua reflexão. A cultura é tanto memoria como reflexão o que quer dizer que as culturas não só contêm programas para garantir a sua continuidade mas, também, que são autorreferenciais e que estabelecem posições de auto-observação. Esta função reflexiva é alertada e moldada por comparações. As culturas modernas não operam com um programa de estabilidade ou duração mas apresentam uma forma reconhecível dentro de um fluxo de contingência e mudança. Se as culturas pré-modernas tendem a usar técnicas simbólicas para estabelecer perpetuidade monumental, as culturas modernas produzem o seu trabalho e formas em contextos de historicização acelerados e evanescência. Nestas condições modernas a cultura torna-se, como Steiner afirma, “um símbolo de mudança para mudança.”, um estado de historicidade e relatividade intensificadas que também produziram a sua ordem dialética: o impulso para identidade e orientação normativa.
  • Steiner considera a moral como um fator que contribui para a polarização e o endurecimento dos conflitos. Tendo assim identificado o moralismo como parte do problema, ele dificilmente pode recomendá-lo como uma ferramenta. Segundo Steiner, a forte moralização da diferença cultural é o discurso feminista e ético que dividiu o conceito de cultura em polo universalista e particularista. O consenso global é fraco devido a ser abstrato enquanto o enfâse no particular é normalmente forte porque tem mais probabilidades de ser moldado pelo entusiasmo moral. Dentro desta situação precariamente instável, Steiner define uma função limitada para os Kulturwissenschaften. Eles não são mais obrigados a injetar sentido e orientação no vácuo normativo da sociedade, nem são responsáveis por fundamentar as posições morais, mas sim a competência específica e limitada dos estudos culturais para refletir sobre a força geradora da realidade dos símbolos, para fornecer uma posição reflexiva em relação às práticas simbólicas em diferentes domínios da cultura. Os Kulturwissenschaften analisam como essas realidades são construídas e como funcionam como quadros de ação e valores que moldam e limitam as possibilidades humanas. Uma competência desse tipo só pode ser exploratória e nunca fundamental. Em vez de impor convicções, esta competência só pode ajudar a desenvolver a faculdade de reflexão e aumentar a consciência
  • Se compararmos as formas e projetos dos estudos culturais nos Estados Unidos da América, na Grã-Bretanha e na Alemanha, as diferenças são bastante impressionantes, como Aleida afirma. Enquanto os estudos culturais americanos e ingleses redefinem a cultura numa forma que promove formas de pensar, estratégias de sobrevivência e recursos a resistência para os marginalizados, os Kulturwissenschanften na Alemanha fazem o oposto: eles esfriam em vez de inflamar e defendem em vez de encorajar a ação política. A sua insistência em sinais e símbolos, nos sistemas, nos meios de comunicação e na memória constitui uma abordagem de uma teoria da cultura que não pode servir imediatamente de matriz de ação política.
  • Segundo Aleida, há ainda uma outro diferença. A sua terceira tese defende que os Kulturwissenschanften resolvem-se em torno de um conceito central de memória que, tanto quanto ela pode ver, está a faltar nos estudos culturais do Reino Unido e apenas marginalmente presente nos Estados Unidos. E, mais uma vez, essa diferença só pode ser contabilizada se analisarmos os desenvolvimentos históricos. Ao contrário dos outros dois países, a Alemanha não teve uma tradição continua de conhecimento/cultura mas sim uma que tinha sido, durante 12 anos, violentamente imposta pelo regime Nazi que só tiveram fim em 1945 afetando as tradições intelectuais e culturais mas, de qualquer forma, estas tradições não foram imediatamente restauradas após a guerra.
  • Os Kulturwissenschaften na Alemanha, então, estão imediatamente ligados a esta rutura da memória social e histórica. Enquanto no Reino Unido os estudos culturais começaram do zero depois da guerra, na Alemanha os primórdios do Kulturwissenschaften ocorreram muito mais tarde e assumiram a forma de uma reconstrução de uma antiga tradição reprimida. Assim, na Alemanha, a memória é parceira dos Kulturwissenchaften, eles não se desenvolveram como uma nova disciplina mas sim em interação com o que havia sido esquecido e estava a ser reconstruído na memória. Mas a memória não está apenas envolvida no processo de (re-)construção, é, também, o conceito central no trabalho de Aby Warburg e seu círculo. Na distinção polêmica do conceito de olhar puro sobre o qual a nova disciplina da história da arte foi fundada, Warburg desenvolveu um olhar arqueológico através do qual reconstruiu contextos perdidos e faixas esquecidas na memória visual europeia. O Warbug-Kreis estudou como as imagens armazenam experiências e ativam as memórias num processo diacrônico de longo prazo. As mudanças culturais, históricas e tecnológicas não dissolvem a qualidade mnemónica das imagens, mas recarregam-nas de maneira inesperada. Warburg identificou tipos visuais que codificam memórias culturais. O conceito de memoria cultural é importante na Kulturwissenschaft de Warburg porque é através da memória que as etapas antigas e modernas podem ser vinculadas. Enquanto a história fornece apenas uma construção externa e artificial de continuidade, uma análise da memória cultural promete produzir mecanismos não contingentes e padrões energéticos. O conceito de memória cultural tornou-se influente na Kulturwissenschaften alemã. O conceito de memória também se tornou a categoria decisiva para um ramo de Kulturwissenchschaften.
  • Embora os estudos culturais sejam geralmente ligados à modernidade e projetados para analisar a cultura contemporânea, o objetivo do grupo de Aleida, que se auto nominou "Arqueologia da Literatura", era estudar a cultura contemporânea dentro de uma perspetiva histórica e comparativa maior. Enquanto nos estudos culturais de língua inglesa desenvolveu-se principalmente estudos literários, concentrando-se em questões atuais da cultura contemporânea, o grupo de pesquisa de Aleida precisava de um conceito de cultura de um conceito de cultura muito mais amplo. O seu grupo visava uma nova perspetiva, na qual as questões históricas poderiam ser percebidas à luz dos desenvolvimentos modernos e pós-modernos, enquanto as questões contemporâneas deveriam ser discutidas dentro de um contexto histórico e comparativo. O desafio era criar um quadro teórico que se mantenha firme e guie esses interesses multidisciplinares. Novamente, foi o conceito de memória que forneceu uma matriz bem-vinda para nossos estudos. A sua definição de cultura de trabalho foi emprestada do semiótico russo Juri Lotman, que definiu a cultura como uma "memória não genética e não hereditária de um grupo". Elaborando a definição de Lotman um pouco mais, pode-se dizer que as culturas são definidas pelas capacidades da media, dos seus sistemas de notação, dos seus canais de comunicação e das suas técnicas de armazenamento, recuperação e transmissão de informações. Estamos, então, a testemunhar uma mudança semelhante nos dias de hoje que passa da alfabetização literária à alfabetização digital.
  • Na ultima secção do seu texto, Aleida pretende apresentar um exemplo concreto que demonstre como os estudos literários podem ser prolongados/interligados com os estudos culturais. Para tal, escolhe uma cena do livro de Aphra Behn’s Oroonko or The Royal Slave que publicou em Londres, em 1688, como A True History. Nas linhas que se advém Aleida faz um resume da cena colocando alguns exemplos da mesma.
  • O seu objetivo consiste, portanto, na clara demonstração das barreiras comunicacionais interculturais e a designação e diferenciação dos termos shame-culture e guilt-culture . Honra seria a palavra-chave de shame-culture e a alma estaria relacionada com guilt-culture. Aleida escolheu este texto também para demonstrar como os textos literários não só estão estão relacionados com outros textos literários mas, também, que podem ser estudos no âmbito dos estudos culturais. É de interesse dos estudos culturais desenvolver esta competência especial para práticas simbólicas, uma competência que pode nos ajudar a tornar-se mais autorreflexivos em relação à nossa própria cultura e a desenvolver uma maior consciência sobre os links que existem entre a construção de símbolos e o estabelecimento de relações de poder.

Walter Benjamin: The Work of Art in the age of its technological reproduction

Notas retiradas da Internet:

  • Discute uma Mudança na perceção e afetos na sequência do advento do filme e da fotografia no séc. XX. Escreve sobre as mudanças de sentido dentro do modo inteiro da existência da humanidade, na maneira como olhamos e vemos o trabalho visual, a arte, é diferente nos dias de hoje. Historicamente, as obras de arte eram para a visão privada e gosto estético do dono dos artefactos e, atualmente, são exibidas em galerias e museus para proporcionar um prazer estético a uma quantidade mais alargada de pessoas. O valor social de uma obra de arte muda à medida que a sociedade muda os seus sistemas de valores o que explica as mudanças no estilo artístico e no gosto cultural do publico.
  • Benjamim analisa o desenvolvimento dos meios de produção mecânica da arte para estabelecer que a reprodução artística não é uma atividade humana moderna e eu os meios modernos de reprodução artística permitem uma maior precisão ao longo do processo de produção em massa.
  • Discute também o conceito de autenticidade. A ação de produção mecânica diminuiu o trabalho de arte original alterando o contexto cultural ( original vs. cópia ). Assim, a aura – que para Benjamim representa a originalidade e autenticidade de uma obra de arte que não reproduzida - perde-se, morre e esta ausente da cópia produzida mecanicamente. ( pintura ≠ fotografia = uma pintura permanece igual enquanto a fotografia é a imagem de uma imagem e é fácil de reproduzir.) Escreve então, sobre a perda da aura através da produção mecânica da própria arte.
  • A localização de qualquer coisa que se possa denominar de aura deve ser posta num lugar mitológico, no culto do génio. O culto do génio relaciona-se com o culto característico da própria aura. Para Benjamin a aura está morta e só existe num espaço improvável. O facto de que o objeto consome o homem ao mesmo tempo que este o consume a ele, ou seja, o consumo em massa, é uma consequência da perda da aura.
  • Uma nova apreciação de arte surge e é introduzida enquanto, ao mesmo tempo, se entra num novo modo de deceção e distinção com a possibilidade de cada um ir a uma galeria, museu, teatro ou cinema. Benjamim deixa claro que com a reprodução mecânica a contemplação da tela e a natureza do próprio filme mudaram ao ponto de que o individuo já nem os comtempla. A sensação da aura está perdida no filme e na própria imagem reprodutível o que demonstra uma mudança histórica que devemos ter me conta mesmo que não nos apercebamos dela. A perda da aura é como a perda de um autoridade singular no trabalho próprio da arte.
  • No entanto, afirma que esta distância da aura pode ser uma coisa boa porque tem o potencial para abrir a politização da arte.

Theodor W. Adorno: Sobre a Indústria da Cultura 

Notas Retiradas da Internet:

  • A industria cultural distingue-se da cultura de massa. Esta é oriunda do povo, da sua regionalização, costumes e sem pretensão de ser comercializada enquanto a primeira possui padrões que continuamente se repetem com a finalidade de formar uma estética ou perceção comum voltada ao consumismo.
  • A industria cultural oferece produtos que promovem uma satisfação compensatória e efêmera que agrada os indivíduos submetendo-os ao seus monopólio e tornando-os acríticos. Apresenta-se como único poder e dominação e difusão de uma cultura de sobrevivência. A pseudo felicidade ou satisfação promovida pela industria cultural acaba por impedir qualquer mobilização critica pois transforma os indivíduos num objeto seu. Ou seja, o consumidor não tem raciocínio, perdendo assim a sua autonomia desumanizando assim a sociedade. O homem não passa de um mero instrumento de trabalho e de consumo sendo assim, objeto da Industria cultual movendo-se em conformidade com a ideologia dominante.
  • Em todos os ramos da industria cultural existem produtos adaptados ao consumo de massas, sendo por elas que as industrias se orientam. Tal define as produções artísticas e culturais organizadas no contexto das relações capitalistas de produção. As empresas e instituições que possuem como atividade económica a produção da cultura visam, somente, o lucro. Utilizam os meios de comunicação comum como a televisão, o rádio, jornais, etc e os produtos são apresentados de forma apelativa levando o espectador a acreditar que necessita dos mesmos e que este lhe é crucial na vida. Em suma, tudo se torna negócio. Um grande exemplo é o cinema, as revistas, a televisão que, antigamente, era somente um meio de arte e agora é uma maquina de manipulação. Todos os produtos culturais como filmes, revistas, programas de televisão demonstram a mesma racionalidade técnica, o mesmo esquema de organização e produção como se de uma fabricação de automóveis de trata-se.

Theodor W. Adorno: Sobre a Industria da Cultura, Prólogo sobre a Televisão

Notas Retiradas da Internet:

  • A televisão é caracterizada como uma combinação de cinema e rádio, uma espécie de “cinema doméstico” que potencializa a estratégia da industria cultural de capturar a consciência do publico por todos os lados
  • O advento da televisão vem aprofundar aspetos da industria cultural como o reforço da ideologia “status quo”, diminuição da reflexão e da consciência critica, degeneração da linguagem, regresso das conceções de estética dos espectadores.
  • A televisão reúne os membros da família que, sem ela, nada teriam para falar entre si.

Notas Retiradas do Texto:

  • Os aspetos sociais, técnicos e artísticos da televisão não podem ser tratados isoladamente pois estão dependentes uns dos outros. O médium propriamente dito insere-se no esquema abrangente da industria da cultura e, como associação que é entre o cinema e o rádio, têm a tendência de capturar a consciência do público de uma forma mais abrangente. Com a televisão, torna-se possível, ou quase possível, atingir o antigo objetivo de conseguir uma imagem de conjunto do mundo sensível que atinja todos os órgãos permitindo, ao mesmo tempo, infiltrar sub-repticiamente no duplicado do mundo aquilo que sempre se propiciou como real. Qualquer margem de manobra que a vida privada dispusesse face à industria da cultura, na medida em que esta não dominava todas as visões do visível são eliminadas. Os media adaptaram-se extremamente bem uns aos outros que não deixam espaço para uma consciência de que o mundo deles não é o mundo.
  • Os seres humanos preferem ficar fixados no inevitável a modificarem-se. Supõem-se que a televisão os torna naquilo que supostamente já são mas ainda mais do que seriam sem ela. Tal corresponderia a uma tendência geral de raiz económica que já se faz sentir na sociedade atual: nas suas formas de consciência, indo para além do status quo, o contante confirmar e quando algo o ameaça, reconstitui-lo. A pressão em que os seres humanos vivem tornou-se imensamente forte que estes não aguentariam sem constantemente enfrentarem e repetirem os esforços de adaptação de que já dependem. A televisão, tal como é hoje, é um facto que contribui para tal.
  • A televisão traz a nova técnica e diferencia-se por entregar o seu produtor na casa do consumidor. Segundo Theodor as televisão assemelha-se a bandas desenhadas comparando-as com as series meio caricaturais de aventuras ou comedia com aventuras que se arrastam anos a fio com as mesmas personagens, episódio atrás de episódio. (Simpsons, American Dad). Estes homenzinhos e mulherzinhas como Thedodor diz transformam-se em brinquedos para a perceção do inconsciente.
  • Aquilo que a industria da cultura fornece, recomenda-se já só pela função publicitária como mercadoria, como arte para o consumidor. O consumidor iria fazer-se àquilo para que, por si, se sente inclinado, isto é, experienciar a imagem, não como imagem em si, mas como comodidade, que lhe é concebida e que ele poderá depois apreciar pois é-lhe suficientemente agradável.
  • A televisão comercial evita tudo o que recorde a origem cultural da imagem de arte, tudo o que possa soar como sua celebração em certas circunstâncias. A imagem é tomada como um pedaço da realidade, uma espécie de peça de mobiliário, comparação que Theodoro faz, como se tivesse comprado em conjunto com o aparelho. Os setores da industria cultural usam a televisão como bode expiatória, em especial aqueles que se sentem ameaçados.
  •  Em poucas palavras, a televisão comercial faz regredir a consciência. Através da televisão, os seres humanos desacostumam-se ainda mais da fala do que já estão em todo o mundo. É verídico de que as personagens falam mas o espectador não se depara com algo de mais espiritual para além da clarificação de gestos, legendas das imagens. A industria da cultura, através da televisão, reduz os seres humanos cada vez mais aos seus comportamentos inconscientes, sendo a rigidez endurecida.  Os estereótipos da televisão, até na própria entoação e dialeto, propagam slogans como o de todos os estrangeiros serem suspeitos, que o êxito é a melhor coisa que se pode esperar da vida, entre outros. No entanto, a televisão une os amigos e familiares que, se não fosse ela, de nada teriam para falar tendo então este pretenso efeito de comunidade.

Pierre Bourdieu: Field of Power, Literary Field and Habitus

  • Bourdieu está, neste texto, a descrever o mundo literário, ou como ele chama, o campo literário da literatura francesa em meados do século XIX. Uma maneira de pensar sobre o projeto de Boudieu é dizer que ele quer entender a lógica e estrutura institucional em que emergiu a autonomia literária. Ao fazê-lo, Bourdieu apresenta uma nova teoria da produção cultural. Seu principal passo é insistir que existe um campo literário independente dos outros campos sociais, que funciona de acordo com suas próprias lógicas, ou seja, não está totalmente determinado pela lógica do mercado. Os escritores assumem assim uma posição dentro deste campo que eles não controlam. No período em que Bourdieu estava preocupado com o campo literário francês este foi dividido em três posições principais: arte social, arte burguesa e arte por causa da arte. Ele argumenta que a posição em que os escritores se encontraram dependia em grande parte da posição de classe e finança que trouxeram para eles para a vocação. Argumenta, também, que aqueles com capital mais cultural e financial tendem a assumir a posição de arte por arte, o que lhes permitiu realizar as suas fantasias de viver livremente, renunciando aos ganhos mais simples e mais materialistas que controlam o resto do campo literário.

  • Bourdieu tem sido importante para os estudos culturais porque, para ele, a produção cultural não é nem a expressão de um povo ou de uma nação, nem a loja do melhor que foi pensado e falado, nem existe em relação à ideologia, nem o faz possuir a possibilidade de emancipação da forma da mercadoria. Em vez disso, tem funções particulares e leis particulares que podem ser explicadas de forma racionalizada e, se bem entendidas, desmistificam a velha oposição entre "alto" e "baixo", o que significa que a arte elevada não possui mais valor inerente do que outras formas da produção cultural. Depois de Bourdieu, a cultura da arte elevada parece radicalmente reduzida, um resultado que pode tanto ser celebrado ou rejeitado.
  • Bourdieu começa seu texto definindo o que é o campo. Para ele, o campo é um universo social separado que tem suas próprias leis de funcionamento independentes das políticas e da economia. A existência do escritor, como fato e como valor, é inseparável da existência do campo literário como um universo autônomo dotado de princípios específicos de avaliação de práticas e obras. Ele diz que, para entender Flaubert ou Baudelair ou qualquer escritor, é necessário entender o que o status do escritor consiste no momento considerado; isto é, mais precisamente, as condições sociais da possibilidade dessa função social, desta personagem social. De fato, a invenção do escritor, no sentido moderno do termo, é inseparável da invenção progressiva de um jogo social particular, que ele designa o campo literário e que se constitui como estabelece sua autonomia, que é dizer, suas leis específicas de funcionamento dentro do campo de poder.
  • Para dar uma ideia preliminar sobre o que ele quer dizer com isso, Bourdieu usa a antiga noção de "República das Letras" porque tem várias propriedades fundamentais do campo, como: a guerra de todos é a todos, isto é, a competição universal, a fechando o campo sobre si mesmo, o que faz com que ele seja seu próprio mercado e faz com que cada um dos produtores busque seus clientes entre seus concorrentes e a ambiguidade. Mas ainda é necessário, como afirma Bourdieu, tornar a definição mais precisa. O campo literário é um universo social independente com suas próprias leis de funcionamento, suas relações específicas de força, seus dominantes e seus dominados, e assim por diante. De outro modo, falar de campo é lembrar que as obras literárias são produzidas em um universo social particular dotado de instituições particulares e obedecendo a leis específicas que relacionam os trabalhos diretamente às condições econômicas e sociais do momento. Este campo é um universo social variável onde, de acordo com suas leis particulares, acumula uma forma particular de capital e onde as relações de forca de um tipo particular são exercidas. Este universo é o lugar de lutas inteiramente específicas, nomeadamente no que se refere à questão de saber quem é parte do universo, que é um verdadeiro escritor e quem não é. esse universo social autônomo funciona como um prisma que refuta toda determinação externa: eventos demográficos, econômicos ou políticos são sempre retransmitidos de acordo com a lógica específica do campo, e é por esse intermediário que atuam na lógica do desenvolvimento de obras.
  • De acordo com Bourdieu, conhecer Flaubert, para entender o seu trabalho, é para entender, antes de tudo, o que é este universo social inteiramente específico. é entender, em primeiro lugar, como é definido em relação ao campo do poder e, em particular, em relação à lei fundamental deste universo, que é a economia e o poder. O campo literário é o mundo econômico invertido; isto é, a lei fundamental deste universo específico, que estabelece uma correlação negativa entre sucesso temporal e valor artístico apropriado, é o inverso da lei da troca econômica. O campo artístico é um universo de crenças segundo Bourdieu. a produção cultural distingue-se da produção dos objetos mais comuns na medida em que deve produzir não só o objeto em sua materialidade, mas também o valor desse objeto, isto é, o reconhecimento da legitimidade artística. Em segundo lugar, esse campo autônomo ocupa uma posição dominada no campo. Aqueles que entram neste jogo social completamente particular participam da dominação, mas como agentes dominados: não são dominantes, simples e simples, nem são dominados (como eles querem acreditar em certos momentos de sua história). Em vez disso, ocupam uma posição dominada na classe dominante, são proprietários de uma forma dominada de poder no interior da esfera de poder. Esta posição estruturalmente contraditória é absolutamente crucial para diminuir as posições tomadas.
  • Escritores e artistas são colocados em uma posição precária que os destina a uma espécie de objetivo, portanto subjetivo, indeterminado. o escritor - ou o intelectual - é encarregado de um duplo status, que é um pouco suspeito: como possuidor de um poder fraco dominado, ele é obrigado a situar-se em algum lugar entre os dois papéis representados. Significativamente, todos os inquéritos estatísticos mostram que as propriedades sociais dos agentes, assim suas disposições, correspondem às propriedades sociais das posições que ocupam. Os campos literário e artístico atraem uma forte proporção de indivíduos que possuem todas as propriedades da classe dominante "minues one": dinheiro. O escritor é o "parente pobre", o "idiota da família burguesa". A ambiguidade estrutural de sua posição no campo do poder leva escritores e pintores, há "burgueses sem dinheiro" nas palavras de Pissarro, para manter uma relação ambivalente com a classe dominante com o poder do poder, aqueles a quem eles chamam de "burgueses" também como com os dominados, as "pessoas". De forma semelhante, eles formam uma imagem ambígua de sua própria posição no espaço social e de sua função social: isso explica o fato de que eles estão sujeitos a grandes flutuações, notadamente na área da política. As características das posições ocupadas por intelectuais e artistas no campo do poder podem ser especificadas em função das posições que ocupam no campo literário ou artístico. Em outras palavras, a posição do campo literário dentro do campo de poder afeta tudo o que ocorre dentro do último. Para entender o que os artistas podem dizer ou fazer, é preciso sempre ter em conta a sua pertença a um universo dominado e a maior ou menor distância deste universo da classe dominante, uma distância deficiente que varia de diferentes períodos e sociedades e também, em qualquer momento, com várias posições dentro do campo literário. Um dos grandes princípios da diferenciação dentro do campo literário, de fato, reside na relação com a posição estrutural do campo e, portanto, com o escritor, favorecem posições de posições diferentes no campo literário; ou se preferir, nas diferentes formas de realizar essa relação fundamental, isto é, nas relações diferenciais com o poder econômico ou político, e com a fração dominante, que estão associadas a essas diferentes posições.
  • "Arte social", "arte pelo amor da arte" e "arte burguesa", deve ser entendida primeiro como tantas formas particulares da relação genérica que une os escritores, dominados-dominantes, dominantes-dominantes. Os partidários do arte burguês, que escrevem o principal para o teatro, estão intimamente ligados à classe dominante pelo estilo de vida e pelo sistema de valores, e eles recebem, para além dos significativos benefícios materiais, todos os símbolos da honra burguesa. Em pintura, o público burguês é apresentado com uma versão atenuada, suavizada e diluída do romantismo - celebrando o casamento, boa gestão da propriedade, a colocação honorável de crianças na vida. assim, os defensores da arte por causa da arte ocupam uma posição central mas estruturalmente ambígua no campo que os destina a sentir com intensidade duplicada as contradições inerentes à posição ambígua do campo da produção cultural no campo do poder. Sua posição no campo obriga-os a pensar em si mesmos, tanto no plano estético como político, em oposição aos artistas burgueses. Esses conflitos são sentidos sucessivamente ou simultaneamente, de acordo com o clima político. como resultado, os membros deste grupo são levados a formar imagens contraditórias dos grupos em que se opõem e de si mesmos. dividindo o mundo social de acordo com critérios que são, antes de tudo, estéticos, um processo que os leva a lançar os burgueses, que estão fechados à arte e o povo preso pelos problemas materiais da saída cotidiana, na mesma classe desprezada, eles podem se identificar simultaneamente ou sucessivamente com uma classe trabalhadora glorificada ou com a nova aristocracia do espírito. quando o burguês ameaça os boêmios, eles podem ser incitados pelo seu desgosto pelo artista burguês ou burguês para proclamar sua solidariedade com todos aqueles que a brutalidade dos interesses e preconceitos burgueses rejeitam ou excluem: o boêmio, o jovem artista, o prostituta, etc. O seu disfarce para os burgueses, a quem eles rejeitam tanto como ele o rejeita, é alimentado no campo intelectual, o primeiro horizonte de conflitos estéticos e políticos, pelo desgosto pelo artista burguês, aquele concorrente desleal que se assegura sucesso imediato e honra burguesa negando-se como escritor. Da mesma forma, os partidários da arte por causa da arte, para o proletariado literário que estão com ciúmes de seu sucesso, inspiram a imagem que eles têm da "população".
  • Essa dupla rejeição dos dois polos opostos do espaço social e do campo literário, a rejeição do burguês e do povo, ao mesmo tempo que rejeitam a arte burguesa e a arte social, manifestam-se continuamente no domínio puramente literário do estilo. A tarefa de escrever é experimentada como uma luta permanente contra dois perigos opostos. Flaubert, em seus esforços para distanciar-se dos dois polos do campo literário, e, por extensão do campo social, ele vem recusar qualquer marca, qualquer sinal distintivo que possa significar apoio, ou mesmo adesão. a necessidade de distanciar-se de todos os tipos sociais vai de mãos dadas com a vontade de recusar todo tipo de referência às expectativas do público. a revolução simbólica através da qual os artistas se livram dos demãos burgueses e se definem como os únicos mestres de sua arte, ao se recusar a reconhecer qualquer mestre que não a sua arte - este é o próprio significado da expressão arte por causa da arte - tem o efeito de eliminar o mercado. o artista triunfa sobre os burgueses na luta pela imposição de critérios estéticos, mas, ao mesmo tempo, o rejeita como um inventor potencial. à medida que a autonomia da produção cultural aumenta, o mesmo tempo é o tempo necessário para que as obras imponham as normas de perceção que trazem. O intervalo de tempo entre oferta e demanda tende a tornar-se uma característica estrutural do campo de produção restrito, um mundo econômico muito especial em que os únicos clientes dos produtores tendem a ser seus próprios concorrentes. em contraste com os artistas burgueses assegurados aos clientes imediatos, os partidários da arte por causa da arte, obrigados a produzir seu próprio mercado, estão destinados a uma gratificação econômica diferida. No limite, a arte pura, como o amor puro, não é feita para ser consumida. O sucesso imediato é muitas vezes visto como a marca da inferioridade intelectual. estamos realmente confrontados com um mundo econômico reverso, um jogo onde o perdedor ganha: o artista pode triunfar no terreno simbólico apenas na medida em que ele perde no econômico e vice-versa. o artista inventa-se no sofrimento, como diz Bourdieu, em revolta, contra os burgueses, contra o dinheiro, inventando um mundo separado onde as leis da necessidade econômica são suspensas e onde o valor não é medido pelo sucesso comercial.
  • Bourdieu tentou mostrar que os partidários da arte pela arte estavam predispostos à sua posição no campo intelectual de experimentar e expressar de uma maneira particularmente aguda as contradições inerentes à posição de escritores e artistas no campo do poder. Da mesma forma, ele acreditava que Flaubert estava predisposto por todo um conjunto de propriedades a expressar de forma exemplar as potencialidades inscritas no campo da arte pela arte. Algumas dessas características são compartilhadas por todo o grupo, por exemplo, o contexto social e educacional como cada um deles estudou direito porque seu pai os queria em uma posição alta da sociedade.
  • Nesta posição dentro do espaço social do que era o tempo chamado les capacités - profissões liberais - pode-se ver o princípio de afinidades particulares entre escritores que emanam dessa posição e arte pela arte que ocupa, como vimos, uma posição central em o campo literário: les capacités ocupam uma posição intermediária entre o poder econômico e o prestígio intelectual. a relação objetiva estabelecida entre as capacidades e as outras frações da classe dominante sem dúvida orientou as disposições subconscientes e as representações cuscuz da família de Flaubert e do próprio Flaubert.
  • Bourdieu foi diretamente ao espaço em que estava inserido, tentou abrir a caixa maior, o campo do poder, para descobrir do que se tratava o escritor, o que Flaubert era como um escritor definido por uma posição predeterminada nesse espaço. Então, ao abrir a segunda caixa, ele tentou reconstituir essa dominada-dominante no campo literário, onde Bourdieu encontrou uma estrutura homóloga à do campo do poder: de um lado os artistas burgueses, dominados-dominantes com ênfase na dominantes, e do outro lado a arte social, dominada-dominantes com ênfase na dominada, entre os dois, a arte pela arte e Flaubert, dominada-dominantes sem ênfase em nenhum dos lados, instável entre os dois polos.
  • Assim, o status do escritor dedicado à arte pura, situado a igual distância das duas posições polares, também aparece como um meio de manter a recusa de pertencer, manter e ser mantido.

Michel de Certeau: Walking in the City

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