A CONTEMPLAÇÃO E INTUIÇÃO ESTÉTICA DE ARTHUR SCHOPENHAUER
Por: Gian de Carvalho • 16/4/2019 • Ensaio • 2.288 Palavras (10 Páginas) • 267 Visualizações
A CONTEMPLAÇÃO E A INTUIÇÃO ESTÉTICA DE ARTHUR SCHOPENHAUER:
Ensaios sobre o livro III de “O mundo como vontade e representação”
Gian M. de Carvalho[1]*
Resumo: O foco aqui dado é em fazer uma análise do que, especificamente, o pensador alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860) nos atesta no livro III de “O mundo como vontade e representação” sobre sua concepção acerca da estética, mais especificamente sobre o papel da intuição no processo até o instante contemplativo, e como isso pode ser uma suspensão do sofrimento humano.
Palavras-chave: Intuição, Estética, Vontade, Contemplação, Schopenhauer.
1 INTRODUÇÃO
O presente texto pretende elucidar como o conceito de intuição apresenta no filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860) um meio puro de poder contemplar a arte. Para poder ser claro e sistemático ao que me proponho expor, primeiramente elucidarei brevemente os princípios da filosofia schopenhaueriana; em segundo momento tratarei sobre o que o pensador entende por contemplação; e, por fim, como a intuição (segundo o que ele mesmo pressupõe que seja) pode ser um caminho pleno para a experiência estética.
2 TRAÇOS E INFLUÊNCIAS DA FILOSOFIA SCHOPENHAUERIANA
Schopenhauer propõe um dado pensamento filosófico muito peculiar e fortemente influenciado por dois grandes nomes: Immanuel Kant (1724-1804) e Platão (428/427 a.C. - 348/347 a.C.). Por isso, creio ser plausível fazer uma explicação superficial da importância do pensamento de ambos na filosofia schopenhaueriana.
Podemos dizer que Schopenhauer vai além de Kant – ou ao menos tenta. Da mesma forma que ambos concordam sobre o princípio de que somos meros espectadores do mundo fenomênico, Schopenhauer procura responder o que Kant não conseguiu: o que é a coisa em si? Aquilo que Kant chama de coisa em si e que não pode ser descoberta e explicada por não fazer parte de uma esfera cognoscível, Schopenhauer irá chamar de vontade, que por sua vez é representada em todo o mundo como seu constituinte abstrato. Ou seja, o mundo não é fundamentalmente real, mas metafisicamente real.
O mundo fenomênico (a representação), por sua vez, pode ser conhecido e constituído por dois princípios: o princípio da individuação (principium individuationis) e o princípio da razão. Esses dois princípios regem o mundo da representação, mas não são capazes de alcançar, digamos assim, a coisa em si. Por individuação Schopenhauer quer dizer a pluralidade de individualidades delimitadas no tempo-espaço e suas causalidades. Já o princípio da razão é o motivo pelo qual conseguimos compreender a individuação tal por causa de sua definição espaço-temporal.
Schopenhauer acrescenta, ainda, que a vontade posta em objetivação é o que forma a existência em si do mundo, e isso nada mais é do o que Platão chamava de Ideias, ou forças imutáveis (ειδη). Sim, o pensador alemão irá fazer uma junção desses dois filósofos que, segundo ele, são os “[...] maiores filósofos do Ocidente” (SCHOPENHAUER, 2001, p. 179, §31) na tentativa de explicar a realidade. Em suas próprias palavras:
Eis, portanto, a vontade identificada para nós como a coisa em si; a ideia, aliás, não é mais do que a objetidade imediata desta vontade, objetidade realizada num grau determinado [...] Esses dois grandes paradoxos são mesmo o melhor dos comentários um para o outro; isso deve-se precisamente ao fato de que, apesar de todo o acordo profundo e do parentesco que os une, por causa da extrema diferença que separa as individualidades respectivas dos seus autores, eles diferiram ao máximo na sua expressão: são como dois caminhos completamente separados que conduziram à mesma meta. (SCHOPENHAUER, 2001, p. 179, §31)
A síntese que Schopenhauer faz de Platão e Kant trata-se de interpretar a idéia como sendo o que faz o mundo fenomênico possível, através da objetivação da vontade. Abranger esses pontos se faz intrinsecamente necessário para a compreensão do que me proponho desenvolver adiante.
Notavelmente a filosofia de Arthur Schopenhauer traz um teor pessimista, e isso se explica por ele ver as nossas vontades como inundadas por paixões e desejos a coisas obsoletas. A vida, nesse sentido, é caracterizada pelo sofrimento, visto que a mera vontade humana nos faz olhar os objetos e desejá-los, mas não de maneira a nos satisfazer plenamente, pois são, justamente, desejos finitos. Assim sendo, o que nos cabe é aceitar o enfado da vida e controlar nossas vontades para evitar o sofrimento. Uma das saídas que o filósofo encontra para a libertação do sofrimento seria adentrar no universo místico, buscando uma espécie de nirvana, que seria o nada. Ou seja, escapar para o nada seria perceber o todo e possuir simpatia para com o sofrimento, atravessando, então, o véu de Maya.
No entanto, a explicação mística de Schopenhauer para fugir do sofrimento não parece razoável e atrativa tanto filosófica, quanto existencialmente. Aqui entra a arte como um escape majestoso! Sendo ela outro meio que o pensador viu para libertação do mundo de sofrimento, a arte, em Schopenhauer, tem o poder de suspender a vontade (ou, como prefiro falar, vai até a “vontade pura”), suspendendo o sofrimento por um momento. Isso tudo se baseia na concepção de que a arte é uma contemplação desinteressada da vida.
3 A ARTE COMO CONTEMPLAÇÃO
O filósofo alemão vê a obra de arte como uma libertação do mundo de paixões as quais desejamos e somos fortemente abalados por sua superficialidade. Devemos entender, antes, que a questão é ver como podemos conhecer o objeto e este não nos causar sofrimento. O conhecimento está a serviço da vontade e uma vez que, por sermos indivíduos, não possuímos nenhum conhecimento que não esteja submetido ao princípio da razão e que somos guiados por nossas vontades, como a arte pode assumir um papel de conhecimento além do princípio da razão (e, por isso, não causar sofrimento)?
Aqui entendemos o porquê de Kant: Schopenhauer quer justamente retificar o erro de kantiano sobre o princípio da razão suficiente fazendo da arte uma esfera de conhecimento superior à razão (supra-racional), que não é regida por seus princípios e, assim, transcende o mundo ordinário onde reside a dor. Nesse sentido, a arte tem duplo caráter: é uma gnose terapêutica, e, por outro lado, uma sageza além da razão. A arte é onde o sofrimento adormece, adormece na contemplação estética.
Quando digo que o papel da arte é superar o mundo da representação (portanto guiado pelo princípio da razão; científico), concordo com Raymond Bayer em seu livro “História da Estética”, quando diz acerca da estética schopenhaueriana:
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