A Força Normativa Da Constituição
Trabalho Escolar: A Força Normativa Da Constituição. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: rmsi • 14/5/2013 • 6.744 Palavras (27 Páginas) • 532 Visualizações
A Força Normativa da Constituição
KONRAD HESSE
Em 16 de abril de 1862, Ferdinand Lassalle proferiu, numa associação
liberal-progressista de Berlim, sua conferência sobre a essência da
Constituição (Uber das Verfassungswesen)1. Segundo sua tese
fundamental, questões constitucionais não são questões jurídicas,
mas sim questões políticas. É que a Constituição de um país expressa
as relações de poder nele dominantes: o poder militar, representado
pelas Forças Armadas, o poder social, representado pelos
latifundiários, o poder econômico, representado pela grande indústria
e pelo grande capital, e, finalmente, ainda que não se equipare ao
significado dos demais, o poder intelectual, representado pela
consciência e pela cultura gerais. As relações fáticas resultantes da
conjugação desses fatores constituem a força ativa determinante das
leis e das instituições da sociedade, fazendo com que estas
expressem, tão-somente, a correlação de forças que resulta dos
fatores reais de poder; Esses fatores reais do poder formam a
Constituição real do país. Esse documento chamado Constituição - a
Constituição jurídica - não passa, nas palavras de Lassaile, de um
pedaço de papel (em Stück Papier). Sua capacidade de regular e de
motivar está limitada à sua compatibilidade com a Constituição real.
Do contrário, torna-se inevitável o conflito, cujo desfecho há de se
verificar contra a Constituição escrita, esse pedaço de papel que terá
de sucumbir diante dos fatores reais de poder dominantes no país.
1 .Gesammelte Reden und Schriften, org. e introdução de Eduard Bernstein
11(1919), p. 25 s.
Questões constitucionais não são, originariamente, questões jurídicas,
mas sim questões políticas. Assim, ensinam-nos não apenas os
políticos, mas também os juristas. “Tal como ressaltado pela grande
doutrina, ainda não apreciada devidamente em todos os seus
aspectos — afirma Georg Jellinek quarenta anos mais tarde —, o
desenvolvimento das Constituições demonstra que regras jurídicas
não se mostram aptas a controlar, efetivamente, a divisão de poderes
políticos. As forças políticas movem-se consoante suas próprias leis,
que atuam independentemente das formas jurídicas2 Evidentemente,
esse pensamento não pertence ao passado. Ele se manifesta, de
forma expressa ou implícita, também no presente. É verdade que hoje
ele surge apenas de forma mais simplificada e imprecisa, não se
atribuindo relevância maior à consciência e à cultura gerais, também
contempladas por Lassalle como fatores reais de poder. A concepção
sustentada inicialmente por Lassalle parece ainda mais fascinante se
se considera a sua aparente simplicidade e evidência, a sua base
calcada na realidade — o que torna imperioso o abandono de
qualquer ilusão — bem como a sua aparente confirmação pela
experiência histórica. E que a história constitucional parece,
efetivamente, ensinar que, tanto na práxis política cotidiana quanto
nas questões fundamentais do Estado, o poder da força afigura-se
sempre superior à força das normas jurídicas, que a normatividade
submete-se à realidade fática. Pode-se recordar, a propósito, tanto o
conflito relativo ao orçamento da Prússia (Budgetkonflikt), referido por
Lassalle, como a mudança do papel político do Parlamento,
2 Verfassungsànderung und Verfassungswandlung (1906), p. 72.
subjacente à resignada afirmação de Georg Jellinek, ou ainda o
exemplo da debacle da Constituição de Weimar, que, em virtude de
sua evidência, revela-se insuscetível de qualquer contestação.
Considerada em suas conseqüências, a concepção da força
determinante das relações fáticas significa o seguinte: a condição de
eficácia da Constituição jurídica, isto é, a coincidência de realidade e
norma, constitui apenas um limite hipotético extremo. E que, entre a
norma fundamentalmente estática e racional e a realidade fluida e
irracional, existe uma tensão necessária e imanente que não se deixa
eliminar. Para essa concepção do Direito Constitucional, está
configurada permanentemente uma situação de conflito: a
Constituição jurídica, no que tem de fundamental, isto é, nas
disposições não propriamentte de índole técnica, sucumbe
cotidianamente em face da Constituição real. A idéia de um efeito
determinante exclusivo da Constituição real não significa outra coisa
senão a própria negação da Constituição jurídica.
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