Conhecimento Científico na Filosofia da Ciência de Aristóteles
Por: albertothe • 29/10/2024 • Projeto de pesquisa • 6.388 Palavras (26 Páginas) • 10 Visualizações
PROJETO DE PESQUISA (2019-2023) Proponente: Wellington Damasceno de Almeida (FAFIL/UFG) Email: wellington.damasceno@gmail.com Título do projeto de pesquisa: Conhecimento Científico e Causalidade na Filosofia da Ciência de Aristóteles Resumo: Trata-se de investigar o papel da causalidade na demarcação do contraste entre conhecimento científico (epistêmê) e conhecimento não-científico (ou pré-científico) na epistemologia e filosofia da ciência de Aristóteles. Mais precisamente, trata-se de investigar quais efeitos a descoberta da causa tem sobre definienda, explananda e demonstranda na epistemologia e filosofia da ciência de Aristóteles. Palavras-chave: causalidade, explicação, entendimento, assimetria explanatória. Abstract: My aim is to investigate the role of causality in the demarcation of the contrast between scientific knowledge (episteme) and non-scientific (or prescientific) knowledge in the Aristotelian epistemology and philosophy of science. More precisely, my aim is to investigate what effect the discovery of the cause has on definienda, explananda and demonstranda in the Aristotelian epistemology and philosophy of science. Keywords: causality, explanation, understanding, explanatory asymmetry. ÍNDICE 1. Introdução e Justificativa (1) 2. Objetivos, definição e delimitação do objeto de estudo (5) 3. Metodologia (11) 4. Referências bibliográficas (11) 1. Introdução e Justificativa É bem conhecida (e, à primeira vista, não problemática) a distinção em que insiste Aristóteles (especialmente nos Segundos Analíticos, mas também em outras obras) entre saber que (to hoti) e saber por que (to dioti)1: de fato, aos olhos de Aristóteles, uma coisa é saber, por exemplo, que a água congela; outra coisa (e, para o autor dos Segundos Analíticos, bem diferente) é saber por que a água congela. Embora essa distinção seja amplamente reconhecida entre intérpretes da filosofia aristotélica e nenhuma dúvida paire de que Aristóteles de fato tenha se comprometido com ela, é um equívoco supor que tal distinção já tenha sido explorada exaustivamente e que não mais envolva material de 1Cf. Segundos Analíticos I 13 ou II 1–2. 1 interesse filosófico a ser aproveitado em discussões (inclusive contemporâneas) sobre causalidade, explicação (científica), filosofia da ciência e epistemologia2. A fim de tornar mais nítida a pertinência desse cenário, basta considerar que há um problema filosófico em relação ao qual a reconstituição precisa e detalhada da distinção aristotélica entre saber que e saber por que pode ser concebida já como uma (tentativa de) solução: o chamado ‘problema do valor do conhecimento’. Muito embora a primeira formulação desse problema filosófico remonte, ao que tudo indica, ao Mênon de Platão, se julga que uma solução definitiva ainda não lhe tenha sido oferecida até os dias atuais3. Em tal diálogo, Sócrates propõe uma (tentativa de) solução para o problema do valor do conhecimento que consiste basicamente em evocar certo procedimento de natureza causal e/ou explanatória (aitia logismos) que, ao incidir sobre determinado conjunto de crenças verdadeiras, o eleva do status de (mera) lista de sentenças verdadeiras para o valioso patamar de conhecimento científico (epistêmê), caso em que tais crenças se tornam estáveis4. Aristóteles não adota inteiramente os contornos que dão rumo à resposta de Sócrates, mas certamente se compromete com os pressupostos da pergunta de Mênon (a saber: por que a ciência (epistêmê) é mais valiosa que a crença verdadeira?5) que inaugura o problema do valor do conhecimento (científico), quais sejam: (i) há diferença entre conjuntos de crenças ou proposições verdadeiras que ainda não exibem articulações causais e explanatórias e conjuntos de crenças ou proposições verdadeiras que exibem articulações causais e explanatórias; (ii) os conjuntos de crenças ou proposições verdadeiras que exibem articulações causais e explanatórias são preferíveis em detrimento dos conjuntos de crenças ou proposições verdadeiras que ainda não exibem articulações causais e explanatórias. De fato, Aristóteles não apenas insiste na diferença entre saber que (a água congela) e saber por que (a água congela), mas o faz com vistas a instituir um desnível de valor cognitivo entre essas duas modalidades de saber, desnível que o leva a reservar o status de conhecimento científico (epistêmê) apenas à segunda modalidade, o saber por que. Na opinião de Aristóteles, tal modalidade de saber se conecta de maneira incontornável com a descoberta da causa, opinião com a qual o Sócrates do Mênon também parece concordar, 2 Ver, por exemplo, Van Fraassenn (1980). 3É o que se supõe, por exemplo, no emblemático livro de Jonathan L. Kvanvig (2003). 4Mênon 96d–98c. 5Nas palavras de Mênon e sob a tradução de Maura Iglésias (2012): ‘[...] por que afinal a ciência (epistêmê) é mais valorizada do que a opinião correta e em que uma é diferente da outra?’ (97c-d). 2 quando evoca certo ‘enunciado causal’ (aitia logismos) como marca distintiva de cientificidade, como se a condição fundamental, capaz elevar determinado conjunto de sentenças verdadeiras, por exemplo, ‘P’ e ‘R’, ao patamar de ciência ou conhecimento científico se manifestasse, por exemplo, na formulação de enunciados de tipo ‘P porque R’, ‘A é causa de B’, ‘S é P devido a Q’ etc., na exata medida em que enunciados dessa natureza pressupõem a descoberta da causa6, a partir da qual o efeito, do qual se tem, antes da descoberta da causa, conhecimento não-científico, com a descoberta da causa, passa a ser conhecido novamente, desta vez, porém, a partir da causa, ou seja, passa a ser cientificamente conhecido. Assim, desde já é importante deixar claro que, apesar de verdadeira, não é uma descrição precisa da distinção aristotélica entre saber que (a água congela) e saber por que (a água congela) aquela que supõe que se trata de distinguir (a) conhecimento do fato e (b) conhecimento da causa, embora esse último contraste, entre a e b, também opere como pressuposto da distinção aristotélica. A meu ver, uma descrição mais precisa do contraste que Aristóteles endossa consiste em dizer que se trata de destacar dois modos diferentes de conhecer o mesmo tornador de verdade: um modo de conhecê-lo que se dá por meio da causa (to dioti), que ganha expressão nas demonstrações científicas e ao qual unicamente Aristóteles reserva o título de epistêmê; e um modo de conhecê-lo que não envolve recurso à causa (to hoti) e que apesar de poder ganhar expressão silogística, não pode ganhar expressão científico-demonstrativa, modo que, mesmo quando se revela alicerçado em crenças ou proposições verdadeiras, não constitui, para Aristóteles, conhecimento científico (epistêmê)7. Aristóteles está
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