Cultura Simplória
Por: Jacinto de Thormes • 2/6/2016 • Ensaio • 1.162 Palavras (5 Páginas) • 250 Visualizações
CULTURA SIMPLÓRIA
Salvador Rodrigues de Lima
Acredito que sou um apreciador comum, talvez normal, de manifestações artísticas e considero-me bastante aberto e tolerante com relação a todos os gêneros que conheço, particularmente no que se refere à música, que desde pequeno acompanhei muito pelo rádio, no início apenas pelas AM, mesmo porque as rádios FM, até começo dos anos 1980, não se preocupavam muito com o grande público e suas programações eram claramente dirigidas às pessoas de gosto diferenciado, como as próprias emissoras gostavam de se designar. Não significa que seus conteúdos não tivessem valor estético, mas apenas que pareciam ser reservados a "conhecedores". E um motivo mais prosaico também limitava o acesso das pessoas às FM: a maioria dos aparelhos captava apenas as rádios AM e foi apenas pela sua substituição gradativa que os ouvintes tomaram conhecimento desse novo canal. Mas, a partir daí, mesmo esses canais exclusivos foram invadidos pela qualidade inferior da programação que imperava nas rádios AM.
Os discos também foram importantes, mas a sua apreciação era prejudicada pela baixa qualidade dos equipamentos de som existentes. Só viemos a conhecer os verdadeiros sons das músicas quando o mercado passou a apresentar aparelhos melhores, e foi aí que apareceu a expressão "comprar um som". Diante das facilidades que existem hoje para curtir um som com qualidade, pode parecer estranho toda essa odisséia rumo ao som ideal, mas tudo isso aconteceu há pouco tempo e creio que foi bastante marcante na formação cultural de uma geração. Talvez seja por isso que eu ainda guardo, escuto e conservo todos esses discos como se fossem a moeda nº 1 do Tio Patinhas e rejeito qualquer sugestão para desfazer-me desses velhos companheiros de luta, pois acho que isso seria uma traição e desconsideração pelos bons momentos que me proporcionaram.
Naqueles tempos (anos 80) parecia que todos faziam as mesmas coisas. Mesmo estando em São Paulo, era muito fácil encontrar conhecidos em todo o roteiro cultural existente, isto é, desde que não saíssemos do nosso perímetro de atuação, também conhecido como gueto. Então, mesmo sem termos marcado nada, depois de assistir a um filme de Win Wenders no falecido Belas Artes, íamos comer uma pizza na então baratérrima pizzaria Zi Tereza ou uma carne no Bar das Putas. Já que estávamos por ali mesmo, uma passadinha no Riviera era sagrada para saber qual a próxima parada da noite, que podia ser aquela festa na casa de alguém na Vila Madalena ou escutar aquele amigo tocar no Boca da Noite, ali no Bixiga. E como ninguém é de ferro, nada como passar no Boi na Brasa da rua Rego Freitas para uma boquinha lá pelas sete da manhã.
Devido à oferta limitada, era possível acompanhar quase todos os lançamentos de livros e discos e também o aparecimento dos diversos conjuntos musicais, hoje conhecidos como bandas. Enfim, o tempo parecia passar mais naturalmente, podia-se perceber o surgimento de um estilo, em qualquer área cultural, acompanhar a sua transformação e até mesmo a sua extinção, pois a ânsia pelo novo a qualquer custo ainda não havia chegado aos níveis assustadores atuais. Como sempre, é mais fácil fazer essas constatações depois de tanto tempo decorrido, pois não acredito que exista alguém capaz de discorrer com acerto, em tempo real, sobre alguma transformação pela qual esteja passando a humanidade. Aliás, é até mesmo impossível do sujeito prever se ainda estará empregado até o final do dia! Nem mesmo as situações grandiosas tem a sua importância reconhecida, haja vista a situação, ainda que ficcional, narrada no romance "A Cartuxa de Parma", de Stendhal, onde o personagem não percebe que está simplesmente participando da batalha de Waterloo!
O fato é que ninguém resiste à tentação de falar sobre os tempos de outrora como sendo épocas áureas e gloriosas, ainda que tenha sido na semana passada. No imaginário ocidental, as referencias campeãs são sempre a Berlim e a Paris dos anos 1920, cidades onde tudo acontecia e para onde todo mundo ia. A fantasia de achar que em épocas passadas a vida era mais fascinante e que seria interessante transportar-se para lá, foi retratada num filme recente de Woody Allen, Meia-Noite Em Paris. Depois de envolver-se com Ernest Hemingway, Gertrude Stein, Salvador Dalí, Pablo Picasso e Luis Buñuel e maravilhar-se com o ambiente, o personagem constata que, para as pessoas dessa época, a já ancestral belle époque é que tinha sido a verdadeira e desejada época de ouro. Ou seja, ninguém reconhece a própria situação e só ambiciona aquilo que está fora do seu alcance.
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