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HANS JONAS E A ÉTICA DA RESPONSABILIDADE

Por:   •  17/5/2015  •  Trabalho acadêmico  •  4.787 Palavras (20 Páginas)  •  352 Visualizações

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HANS JONAS E A ÉTICA DA RESPONSABILIDADE

José Eduardo de Siqueira

Médico, Doutor em Bioética pela Universidade do Chile,
Professor de Clínica Médica e Bioética da Universidade Estadual de Londrina

O presente trabalho é uma reflexão sobre a principal obra do filósofo alemão contemporâneo Hans Jonas. Mostra a trajetória intelectual de Jonas até o resgate da ética da responsabilidade sugerida em obra de Max Weber do início do século. O Princípio da Responsabilidade de Jonas é uma avaliação extremamente crítica da ciência moderna e de seu braço armado, a tecnologia. Mostra o filósofo a necessidade do ser humano de agir com parcimônia e humildade diante do extremo poder transformador da tecnociência.

Palavras-chave: bioética; ética; responsabilidade; tecnologia; tecnociência.

"O desafio da futura bioética é que possuimos mais do que nunca conhecimento científico e capacidade tecnológica e não temos, entretanto, o menor sentido de como utilizar esse conhecimento e a tecnologia, sendo que a crise de nossa era é que adquirimos um poder inesperado e devemos usá-lo no caos de um mundo pós-tradicional, pós-cristão e pós-moderno."

H.T. Engelhardt

Introdução

Hans Jonas nasceu em 1903 em Mönchengladback, na Alemanha. De origem judia teve o período inicial de sua formação huma-nística na leitura atenta dos profetas hebreus. Sua intensa vida intelectual foi por ele descrita numa conferência pronunciada em outubro de 1986 na Universidade de Heidelberg, por ocasião dos seiscentos anos de fundação daquela Instituição. Aponta três momentos marcantes de sua formação filosófica. O primeiro tem início em 1921 quando, ainda recém-formado, frequenta na Universidade de Freiburg as aulas de um mestre então pouco conhecido e de nome Martin Heidegger. Segundo Jonas esse foi, por muito tempo, seu mentor intelectual. Em 1924, Heidegger transfere-se para a Universidade de Marburg e Jonas o acompanha. Lá conhece Rudolf Bultmann, e sob sua orientação elabora uma tese sobre a gnose no cristianismo primitivo que é apresentada em 1931. Como decorrência desse trabalho inicial publica, em 1934,  o célebre "Gnosis und spätantiker Geist", considerado por ele mesmo como o primeiro grande momento de sua trajetória como filósofo. Nesse mesmo ano, Jonas se vê obrigado a abandonar a Alemanha em função da ascensão do nazismo ao poder. O segundo grande momento na vida intelectual de Jonas ocorre em 1966 com a publicação de "The Phenomenon of Life, Toward a Philosophical Biology". Nessa obra estabelece os parâmetros de uma filosofia da biologia. Abre um novo caminho de reflexão sobre a precariedade da vida e mostra o grande alcance filosófico dessa abordagem da biologia, pois reconduz a vida a uma posição privilegiada e distante dos extremos do idealismo irreal e do limitado materialismo. Apresenta o equívoco de se isolar o homem do resto da natureza, imaginando-o desvinculado das outras formas de vida. No epílogo dessa obra estabelece uma idéia geral de seu projeto quando escreve que com "a continuidade da mente com o organismo, do organismo com a natureza, a ética torna-se parte da filosofia da natureza (...) Somente uma ética fundada na amplitude do ser pode ter significado." Não é difícil perceber o vínculo dessa etapa com o terceiro e culminante momento de sua vida intelectual. A busca pelas bases de uma nova ética, uma ética da responsabilidade torna-se a meta de Jonas. Em 1979 publica "Das Prinzip Verantwortung - Versuch einer Ethic für die Technologische Zivilisation" traduzido para o inglês somente em 1984. Partidário do sionismo desde a juventude, Jonas, ao deixar a Alemanha, integra-se em Israel a uma brigada judaica de autodefesa e aí, como oficial da artilharia permanece até 1949. Durante a Segunda Grande Guerra alista-se no exército britânico na luta contra o nazismo. Dessa época, tem-se o seguinte depoimento:

"Cinco anos como soldado no exército britânico na guerra contra Hitler (...) Afastado dos livros e de toda parafernália da pesquisa (...) Mas algo mais substantivo e essencial estava envolvido. O estado apocalíptico das coisas, a queda ameaçadora do mundo (...) a proximidade da morte (...) tudo isto foi terreno suficiente para se dar uma nova reflexão sobre as fundações do nosso ser e para reer os princípios pelos quais guiamos nosso pensamento sobre elas. Assim, de volta às minhas próprias origens, fui arremessado de volta à missão básica de filósofo e de seu empreendimento nato, que é pensar."

Assim, foi a proximidade com a realidade da morte que fez crescer em Jonas a preocupação com a vida e essa foi a meta que perseguiu com extrema determinação. Fez até mesmo com que ele desafiasse a linha dominante da filosofia do idealismo da consciência, onde havia sido formado. Percebeu-a como herança do dualismo cartesiano e que muito da filosofia moderna estacionara na dicotomia entre mente e corpo. Era preciso repensar a ética.

Hans Jonas nasceu em 1903 em Monchengladback, na Alemanha. De origem judia, teve o período inicial de sua formação humanística na leitura atenta dos profetas hebreus.

A nova ética proposta por Jonas

Hans Jonas aponta para o choque causado pelas bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki como o marco inicial do abuso do domínio do homem sobre a natureza causando sua destruição. Diz textualmente numa entrevista publicada no no 171 da revista Esprit do mês de  maio de 1991: "Ela pôs em marcha o pensamento em direção a um novo tipo de questionamento, amadurecido pelo perigo que representa para nós próprios o nosso poder, o poder do homem sobre a natureza". Porém, mais do que a consciência de um apocali-pse brusco, ele percebeu o sentimento de um possível apocalipse gradual decorrente do perigo crescente dos riscos do progresso técnico global e seu uso inadequado. Até então, o alcance das prescrições éticas reduzia-se ao âmbito da relação com o próximo no momento presente. Era uma ética antropocêntrica e voltada para a contemporaneidade. A moderna intervenção tecnológica mudou drasticamente essa plácida realidade, colocando a natureza para uso humano e passível de ser alterada radicalmente. Assim, para Jonas, o homem passou a manter com a natureza uma relação de responsabilidade, pois ela se encontra sob seu poder. Grave, também, além da intervenção na natureza extra-humana, é a manipulação do patrimônio genético do ser humano que poderá introduzir alterações duradouras de imprevisíveis conseqüências futuras. Conclui dizendo que é necessária uma nova proposição ética que contemple a natureza e não somente a pessoa humana. Esse novo poder da ação humana impõe alterações na própria natureza da ética.

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