O branqueamento do território como dispositivo de poder da colonialidade: um instrumento analítico-conceitual para compreender a desterritorialização de terreiros
Por: FabioPitta11 • 23/9/2018 • Trabalho acadêmico • 1.746 Palavras (7 Páginas) • 550 Visualizações
Fabio Rodrigues Pitta
O branqueamento do território como dispositivo de poder da colonialidade: um instrumento analítico-conceitual para compreender a desterritorialização de terreiros
Introdução
Desde o período colonial brasileiro até os dias atuais, podemos constatar a presença do racismo em relação à população negra. Este racismo se expressa de diversas formas e em variadas esferas, seja na esfera pública ou privada, seja nas relações sociais, econômicas, jurídica, política, afetivas e etc.
O racismo é um mecanismo utilizado para diferenciar povos por suas características físicas e fenotípicas (em princípio), mas também pode fazê-lo por diferenças culturais (costumes e práticas religiosas, por exemplo). Esta diferenciação pretende hierarquizar racialmente esses povos, visando inferiorizar um deles para fins de dominação e colonização (política, cultural, territorial e etc.)
No Brasil, o racismo contra o negro é palpável, atual e cotidiano e ele não se limita até o ano de 1888 (ano da abolição da escravatura através da lei Áurea). Logo, a ocorrência deste fenômeno (que não é apenas brasileiro) construiu e constrói, ainda hoje, uma desigualdade abissal entre brancos e afrodescendentes . Esta desigualdade se expressa de “n” formas e uma delas é a discriminação em relação as práticas religiosas afrodescendentes e aos seus adeptos. Para nós, tal preconceito e discriminação é uma das dimensões do racismo.
A discriminação e violência direcionada contra as religiões de matriz africana não é de hoje. Ela remonta ao período colonial brasileiro, onde as manifestações culturais do negro, escravizado ou não, eram proibidas. Atualmente, devido a organização, resistência e mobilização de diversos movimentos sociais de negros e negras ao longo da história brasileira, as manifestações culturais afro-brasileiras (samba, capoeira, jongo e práticas religiosas, por exemplo) deixaram de ser proibidas.
Todavia, a legalidade das manifestações culturas afro-brasileiras não aboliu sua discriminação. Isto pode ser observado na cidade do Rio de Janeiro onde, atualmente, crescem os relatos e registros de ataques praticados contra essas religiões e seus iniciados.
Tais ataques, promovidos principalmente por integrantes de religiões cristãs neopentecostais (“evangélicos”), são feitos muitas vezes de maneira violenta (física e/ou verbal) contra praticantes das religiões afrodescendentes (candomblé, umbanda e outros) que são agredidos nas ruas e/ou em seus terreiros, local sagrado onde reverenciam e festejam suas divindades, dentre outras práticas litúrgicas.
Sabemos que esses ataques desencadeiam um processo de desterritorialização dos terreiros, uma vez que os praticantes desta religião (umbanda, candomblé e outros) são forçados a fechar suas casas, não podem circular com as “roupas de santo” e em último caso, são expulsos do local permanentemente .
As práticas religiosas afrodescendentes contribuem de forma decisiva para a construção de uma identidade negra positiva, pois proporcionam em seus cultos e liturgias um espaço de re-existência cultural, política, social e religiosa. Além disso, trata-se de um direito constitucional, garantido pelo Estado brasileiro, que por ser laico, deve assegurar direitos e liberdade para a prática religiosa de grupos variados. Assim, devemos denunciar esses ataques e cobrar das autoridades o combate à discriminação religiosa.
Branqueamento do território
Aqui, neste trabalho, o que almejamos é pensar como a concepção de "branqueamento do território" (R. SANTOS, 2007) pode nos auxiliar como instrumento analítico-conceitual para interpretar a discriminação e ataques constantes que as religiões afrodescendentes sofrem cotidianamente, assim como seus territórios sagrados (terreiros) e seus praticantes.
Para tal, buscando dialogar com a teoria do branqueamento e as ferramentas da geografia, utilizaremos o texto de Gabriel Siqueira Corrêa "O branqueamento do território como dispositivo de poder da colonialidade: notas sobre o contexto brasileiro".
Branqueamento do território: premissas e impactos
Assim como Gabriel, achamos importante destacar as duas premissas tomadas por ele como ponto de partida, que em suma são: a) a tentativa de branqueamento da população brasileira no ordenamento territorial, impactando na reprodução da vida de grupos populacionais que “nesse sentido, expulsão, marginalização, quando não o genocídio, marcaram um processo de exclusão da população negra do acesso ao território.”; e b) o branqueamento do território age como uma estratégia para a manutenção da colonialidade, pois
ele se configura enquanto um dispositivo, uma forma de exercício do poder, desta, na medida em que é consequência de ordenamentos jurídicos e simbólicos, visíveis ou não, passados ou presentes, fundamentadas em raciocínios baseados e/ou materializados no espaço, que tem como elemento ordenador a raça. (2017, p. 119)
Logo, de acordo com tais premissas podemos, por exemplo, compreender melhor o motivo pelo qual no pós abolição no Brasil, imigrantes (brancos) europeus foram privilegiados com políticas públicas de incentivo a trabalho e acesso à terras no Brasil. Tais políticas resultaram na diminuição no números de negros e o aumento da população branca, a partir de 1872 (2017, p.121). Em suma, uma política imigrantista racista.
Não obstante a ocupação dos postos de trabalhos por brancos no comércio e indústrias no Sudeste, a população negra, já preterida pelo imigrante europeu, passa a sofrer um processo de desterritorialização das áreas centrais, com a posterior marginalização desses grupos. No Rio de Janeiro, essas áreas eram então desvalorizadas e ocupadas pelas populações negras e o caso emblemático de branqueamento da população foi a reforma Pereira Passos, no final do século XIX. Gabriel cita que este evento foi repetido em várias localidades e momentos diferentes. Recentemente, temos a ocorrência desse evento que foi a grande reforma urbana promovida pelas obras do “Porto Maravilha”, no Rio de Janeiro.
O que isso nos mostra? O autor explica que
Estas são apenas algumas pistas que indicam olhar as práticas de branqueamento não apenas enquanto fenômeno antropológico, mas, também, como um dispositivo geográfico de poder, que conforma lugares (materiais e simbólicos) nos quais populações vivem [...] e, ainda, como a partir destas práticas foi produzida uma narrativa sobre a nação que omite e subalterniza a
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