Quilombo, Identidade e Território
Por: Uelinton Silva • 8/3/2016 • Artigo • 3.012 Palavras (13 Páginas) • 372 Visualizações
Quilombo
Desde o período colonial o termo quilombo vem sendo sistematicamente utilizado para definir/redefinir grupos de negros escravizados pelo regime que aqui imperava, e que, não aceitando as condições a que eram submetidos fugiam para o interior do país, geralmente regiões isoladas, e ali passavam a formar os territórios de resistência, denominado de quilombo. Nesse sentido, examinando o histórico processo de escravidão em solo brasileiro, entende-se que este termo “acompanhou” o negro africano no processo de deslocamento da África para o Brasil na condição de escravo durante a ocupação deste território pelos portugueses. Assim sendo, Lopes (2006), aponta para uma origem africana deste termo, bem ates mesmo do período colonial brasileiro, sendo o quilombo um conceito próprio dos africanos bantos que vem sendo modificado através dos séculos, uma espécie de acampamento guerreiro formado nas florestas africanas, sendo entendido ainda em Angola como divisão administrativa. No Brasil o termo esteve de início associado à formação de núcleos de escravos fugidos, alternativa encontrada pelos negos para se opor as condições impostas pelo regime escravista. A formação desses grupos opositores tinha a premissa de ser constituído na sua maioria de homens que estivessem em condições de batalha, para garantir a sobrevivência do núcleo formado, já que as investidas da coroa, do governo colonial e de fazendeiros eram corriqueiras e bastante violenta visando a captura dos escravos e eliminar a formação dos quilombos, considerado uma ameaça a ordem vigente. Nesta perspectiva, Fiabani (2005) destaca o Regimento dos Capitães do Mato, datado de 1722, que definia quilombo como todo o agrupamento acima de quatro negros fugidos, morando em ranchos e pilões, que se fixassem em uma determinada região isolada, sobrevivendo à parte da dinâmica escravagista. Esta foi a definição clássica de quilombo que vigorou durante todo o regime escravocrata vendendo uma imagem negativa do negro, pondo-o como um risco à sociedade da época, que em parte e de fato se sentia ameaçada pelos constantes assaltos e saques realizados pelos grupos em busca de suprimentos, de armas e novos recrutas, não obstante, estes grupos também mantinham uma intensa relação aliada com outros grupos não escravizados, o que deixava os senhores, governantes coloniais e imperiais apavorados, razão pela qual justificava imagem negativa do quilombo passada a sociedade. O quilombo brasileiro se transformou em verdadeiros campos de iniciação à resistência, formados por aqueles que se achavam na condição de oprimidos pelo sistema vigente (negros, brancos e índios), havendo uma reprodução cultural hibrida nesses territórios. A propósito disso, Munanga (1995), ao um traçar um perfil entre os quilombos brasileiros e africanos afirma que o quilombo brasileiro é, sem dúvida, uma reprodução fidedigna do quilombo africano reconstituído pelos escravizados para se opor a uma estrutura escravocrata pela implantação de uma outra estrutura política na qual se encontravam todos os oprimidos. Herdando dos quilombos africanos costumes, tradições, modo de reprodução e de liderança como exposto pelo autor supracitado, ao afirmar ser impossível negar a presença de sujeitos escravizados oriundos da região bantu, em especial de Angola, na liderança desses movimentos de fuga organizados que deu origem aos quilombos brasileiros. Até recentemente o termo quilombo continuava no ideário nacional como aquele inicialmente propagado tanto pela coroa portuguesa como no Regimento dos Capitães do Mato em que na formação do quilombo era levando em consideração apenas o aspecto de fuga do escravo, quando na verdade os quilombos foram formados por uma multiplicidade de formas nas quais se incluem as fugas com ocupação de terras livres e geralmente em áreas isoladas, por heranças e doações de terras por seus senhores, recebimentos de terras como pagamento de serviços prestados ao Estado, a exemplo, o serviço militar, simples permanência nas terras que ocupavam e cultivavam no interior de grandes propriedades, bem como a compra de terras, tanto durante a vigência do sistema escravocrata, quanto após sua abolição (Santos, 2008, p. 42 - 43). Atualmente as definições encontram-se fundamentadas naquela incisa no Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) – da Constituição Federal brasileira de 1988, quando passou a ser tratado e garantido direitos a estes grupos que ate então tinham sido negados. A partir de 1988 e, mais especificamente da Assembléia Nacional Constituinte, estas comunidades ganham visibilidade e espaço nas discussões e estudos em todas as dimensões, sejam elas, dimensão social, econômica, política ou cultural. Embora este tenha sido um marco para a história do nosso país e mais especificamente para as comunidades quilombolas, alguns autores propõem uma revisão no termo a partir deste indicado pelo Artigo 68, considerando tal definição imprecisa, pois, ao tratá-los como remanescentes quilombolas, passa uma idéia de resquícios, de resíduos, sobras de um processo de luta e resistência contra a opressão cruel sofrida ao longo de séculos de escravidão. A própria diversidade de meios pelos quais os grupos foram formados e sob diferentes contextos, exige uma redefinição do termo que respeite a auto definição dos sujeitos quilombolas tal como são. Talvez a necessidade de se apontar caminhos que direcione esta busca está em trazer uma definição de dentro pra fora, e não a trazer para estas comunidades uma definição já pronta e simplesmente rotulá-los como ocorrido no artigo 68. A propósito, a formação dos quilombos brasileiros sob diferentes formas pode ajudar a entender as diferentes denominações atribuídas às comunidades remanescentes de quilombos: terra de preto, terras de santo, comunidades negras rurais, mocambo, quilombos, territórios negros e outras. Inclusive sendo assim designadas pelos próprios atores porque envolvem experiências particulares de lutas para se constituírem enquanto grupos que, por diferentes meios, confrontaram os poderosos para sobreviver física e culturalmente. Vivendo sob condição de coletividade, definido pelo compartilhamento de um único território, múltiplas territorialidades e de uma identidade que marca estas comunidades com traços culturais singulares.
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