A HISTORICIDADE DO PECADO NEFANDO
Por: Gui Ukcrachs • 21/10/2018 • Artigo • 6.075 Palavras (25 Páginas) • 136 Visualizações
A HISTORICIDADE DO PECADO NEFANDO
Resumo
A História, podendo ser vista e revista de diversas formas e vieses, abarca em seu conteúdo uma infinidade de temas passíveis de trabalho pelos mais diversos pesquisadores. Dessa forma existem temas mais buscados para pesquisas e outros que estão começando a ser mais visitados atualmente. A historiografia da homossexualidade é uma desses temas que vem tomando mais forma no tempo presente, sendo objeto de maiores estudos devido a maior popularização do assunto nas ferramentas midiáticas e em muitos discursos políticos. Em consonância com esse aumento da visibilidade à este conceito, o presente artigo visa tratar sobre uma breve História da homossexualidade em diversos tempos históricos, tentando explicitar como, porque e onde surgiram algumas relações homoafetivas até o tempo presente, focando-se boa parte no território brasileiro, nos períodos de Brasil Colônia, Imperial e Republicano, assim como a imprensa falada e ou escrita se comportaram em meio às relações homoafetivas, seguindo de um breve histórico dos principais movimentos LGBT no Brasil.
Palavras-chave: homossexualidade; historiografia; movimentos; imprensa
Abstract
The History, which can be seen and reviewed in various forms and biases, encompasses in its content an infinite number of subjects that can be worked by the most diverse researchers. That way there are more searched themes for searches and others that are starting to be more visited today. The historiography of homosexuality is one of those topics that is taking shape in the present time, being object of greater studies due to the greater popularization of the subject in the media tools and in many political speeches. In line with this increased visibility to this concept, the present article aims to deal with a brief History of homosexuality in several historical times, trying to explain how, why and where some homoaffective relations appeared until the present time, focusing much of the territory Brazilian, in the periods of colonial Brazil, Imperial and Republican, as well as the spoken and written press behaved in the middle of the homoaffective relations, following a brief history of the main LGBT movements in Brazil.
Keywords: homosexuality; historiography; movements; the press
Homossexualidade: Dos ritos religiosos ao nefando, do crime ao “modo de viver”
Redigir uma historiografia da homossexualidade assim como falar sobre a trajetória da inclusão do homossexual na História ainda é tarefa complicada para os pesquisadores. Hoje sabe-se que há relatos de práticas homoafetivas em quase todos os grupos sociais, numa escala quase atemporal. Em uma célebre frase que é constantemente atribuída a Goethe, escritor alemão, que nasceu no ano de 1749 e tendo falecido em 1832, declara-se que “a homossexualidade é tão antiga quanto a própria humanidade”[1].
Entretanto, as diversas concepções culturais para a denominação da prática dificultam a interpretação coerente dos documentos históricos, além de que o preconceito ao longo do tempo, fez com que muitos registros fossem eliminados, dificultando o trabalho do historiador.
O termo ‘homossexualidade” surge como proposta de categoria apenas no século XIX, onde um dos seus primeiros registros aparecem nos textos de Karoly Benkett, escritor austro-húngaro, que denunciava as legislações que traziam trechos preconceituosos a quem praticasse relações com pessoas do mesmo sexo.
Sobre o conceito que surgiu a partir do século XIX, Vainfas analisa o cenário em questão afirmando que
Em seu clássico ensaio A vontade de saber, Michel Foucault viu no homossexualismo um conceito típico do século XIX, inscrito na incorporação das “sexualidades periféricas” e na nova especificação dos indivíduos pela sciencia sexualis ocidental. O homossexual seria, a partir de então, um personagem dotado de uma trajetória particular, uma infância, um caráter e uma anatomia específica e, quem sabe, de uma fisiologia misteriosa.[2]
Vários termos foram utilizados para classificar as pessoas que sentiam atração pelo mesmo sexo, adjetivos estes que ainda são usados com frequência, como abominação, marica, desviado, fanchona, frescura, pederasta, sapatão e sodomita.
As relações homoafetivas, em grande parte do mundo, foram constantemente consideradas crime. O jornal “O Expresso”, de Portugal, aborda essa questão ao narrar que a homossexualidade ainda é assim considerada em cerca de 72 países, e em pelo menos 8 a punição é a sentença de morte, prática esta que vem acontecendo desde muito tempo.
Ao falar sobre as diversas penas de morte que os homossexuais já foram acometidos, Raspanti traz a questão ao abordar que:
E os homossexuais foram condenados a diferentes penas de morte: apedrejados, segundo a Lei Judaica; decapitados, por ordem do Imperador Constantino a partir de 342 d.C.; enforcados, afogados ou queimados nas fogueiras da Inquisição, durante a Idade Média e até os tempos modernos”.[3]
Tendo em vista que o termo homossexualidade surgiu apenas no século XIX, retratar o que seria essas relações em épocas anteriores a este período, tentando compreendê-la com as noções que hoje temos é, para alguns historiadores, cair no anacronismo[4]. Dessa forma ao redigir uma historiografia da homossexualidade em épocas anteriores ao século XIX, deve-se tentar narrar como e porque ocorreram algumas dessas experiências, sem colocar noções e credos que se adquiriram posteriormente como com a forma que se vive hoje.
Fazendo a análise deste modo, observa-se que as relações com pessoas do mesmo sexo são tão antigas quanto a própria História, e ela se serviu para os mais diversos propósitos. Como um dos exemplos mais antigos que se têm, observa-se através de registros deixados em ilhas no oceano pacífico, onde hoje se localizam Nova Guiné, Fiji e Salomão, que há cerca de 10 mil anos atrás praticava-se o ato sexual com pessoas do mesmo sexo, numa espécie de ritual na busca de conhecimentos sagrados, advindos apenas desse modo. Neste rito, um dos homens aparecia sempre travestido, simbolizando um espírito alegre.
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