A Proclamação da República, Emilia Viotti da Costa
Por: MarinaSo • 29/1/2017 • Resenha • 4.073 Palavras (17 Páginas) • 2.582 Visualizações
A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA
A historiografia da República
- Versões tradicionais
Fonte das análises: testemunhos subjetivos de quem viveu o acontecimento. História dos grandes personagens.
Tese de Oliveira Viana
Proclamação da República como resultado das crises do Segundo Reinado, a religiosa, a militar e a abolição.
- Religiosa: prisão dos bispos do Pará e de Pernambuco (questão do padroado?)
- Militar: descontentamento crescente dos militares em relação ao tratamento dado a eles pelo governo desde a Guerra do Paraguai.
- Abolição: indispôs fazendeiros contra o regime, levando-os a aderir em massa às ideias republicanas.
Para os monarquistas, a República foi um golpe militar, comprovada através da escassa receptividade à ideia republicana demonstrada no insignificante número de pessoas inscritas no Partido Republicano e na escassa penetração nos meios parlamentares. O golpe foi facilitado pelo desprestígio que a monarquia estava sofrendo graças às próprias críticas dos monarquistas.
Uma segunda tese
Nem todos aceitam a visão anterior, acreditam que a República é uma consequência natural dos vícios do antigo regime, isto porque desde a Independência fora uma aspiração nacional, dados pelos movimentos revolucionários antes e depois. Os excessos cometidos pela Coroa teriam contribuído para o desprestígio da Monarquia e advento da República.
Início da crítica
Após a Proclamação, surgem duas versões do fato, a dos monarquistas e a dos republicanos.
- Monarquistas: proclamação como acidente infeliz, não viam as deficiências profundas da monarquia, negando qualquer motivo para o movimento. Tudo fora um golpe militar oriundo de interesses particulares, e não do povo. Foram os militares indisciplinados aliados aos fazendeiros ressentidos com a abolição.
- Republicanos: a proclamação fora a correção necessária dos vícios do regime monárquico – abusos do Poder Pessoal, vitaliciedade do Senado, centralização excessiva, fraude eleitoral que sempre possibilitava vitória ao governo etc. –, assim, o movimento republicano atenderia a uma aspiração nacional de força irresistível. Proclamando a República, os militares seriam intérpretes do povo e ao Partido Republicano cabem-se as glórias do movimento.
- Ainda tem a visão positivista, que vê como natural a queda da monarquia, pois é um regime historicamente condenado, sendo a República o acontecimento natural.
Tais visões, com o passar dos anos, mostraram suas contradições, que culminarão no revisionismo da década de 1930, em conjunto com as transformações sofridas durante tais anos no país e no mundo.
- O revisionismo na historiografia da República
Fonte das análises: mais objetiva, baseada na inadequação das instituições vigentes ao progresso do país. História da inadequação do quando institucional existente à nova realidade econômico-social desde 1870.
O regime monárquico revelou-se incapaz de resolver os problemas nacionais, desde a emancipação dos escravos, cuja solução dependia do desenvolvimento da nação, e perdera prestígio sendo derrubado por uma passeata militar. Assim, a Proclamação da República é o resultado de profundas transformações que se vinha operando no país, como a decadência das oligarquias tradicionais ligadas à terra, a abolição, a imigração, o processo de industrialização e urbanização etc. Os setores progressistas se opuseram aos conservadores que apoiavam a Monarquia e, interessados em monopolizar o aparelho do Estado, acolheram ideias mais avançadas: abolição, reforma eleitoral, federação e República. Ao lado destes progressistas, estavam as classes médias, interessadas na participação política e também favoráveis a mudança de regime. Portanto, a origem da República está na aliança entre grupos da classe média e representantes do setor mais dinâmico da classe senhorial e o Exército, identificado com os interesses da classe média realizou a mudança do regime, pois este havia deixado de atender às necessidades de parcelas importantes da sociedade.
Reparos às versões tradicionais
Fonte das análises: estudos publicados sobre a situação econômica, social e política do Império; tensões econômicas e sociais existentes nos fins do Segundo Reinado.
- Abolição e república
- Explicação tradicional: fazendeiros descontentes com a abolição apoiam, por despeito ou vingança, a República. Assim, “a abolição provocaria a Queda do Trono”.
- Explicação da autora: abolição finalizou o golpe na classe senhorial ligada ao modo tradicional, incapaz de modernizar-se economicamente frente às novas condições surgidas a partir de 1850 no país (imigração europeia para trabalho assalariado). Abolição e República são sintomas de mudanças ocorridas na estrutura econômica do país que provocava destruição dos esquemas tradicionais. A abolição afetou apenas os setores que utilizavam trabalho escravo, a parcela menos dinâmica do país (cafeicultores do Vale do Paraíba, Rio de Janeiro), pois os mais progressistas já utilizavam trabalho livre (cafeicultores do Oeste Paulista, São Paulo).
- Questão religiosa
- Explicação tradicional: questão do padroado, o Papa exigiu que todos os maçons fossem expulsos da Igreja (o próprio Imperador era maçom).
- Explicação da autora: crise desencadeada pela própria divisão da Igreja, já que havia vários padres e irmãos maçons; uns republicanos apoiavam os maçons, outros os bispos; a interferência do Estado na Igreja não era questão nova, mas quase uma tradição. Grande parte dos republicanos era o que se podia chamar de livre-pensador, denotando certa hostilidade a tudo que lembrasse Igreja e clero. No programa do Partido Republicano, constava a plena liberdade de cultos, igualdade de todos perante a lei, abolição do caráter oficial da Igreja, laicidade do Estado, emancipação do poder e casamento civis (casamento religioso voluntário), ensino secular separado do ensino religioso, instituição civil para registro de nascimento e óbitos, secularização e administração municipal dos cemitérios. A sociedade brasileira tinha certos maus olhos às veleidades da Igreja e apoiavam o governo, bem como os republicanos mal viam a princesa Isabel por sua religiosidade. Assim, é um exagero muito grande supor que a indisposição momentânea entre o Trono e a Igreja fosse primordial para a proclamação da República, pois era preciso, para isto, que a nação fosse profundamente religiosa, a Monarquia inimiga da Igreja e a República representasse maior força e prestígio para o clero. No máximo, entre um conflito de Poder Civil e Poder Religioso, só mais revelaria os que advogam a necessidade de separação de Igreja e Estado, e a República tinha esse objetivo. A igreja pouco teve a ver com a instalação da República, geralmente estava dividida nas grandes questões, como na abolição, que ficou ao lado das classes dominantes e não do povo, não parece nem um pouco exato dizer que se identificaria com os anseios do povo e se colocaria contra a Monarquia.
- O partido republicano e a Proclamação da República
- Explicação tradicional: partido republicano como grande mobilizador da proclamação.
- Explicação da autora: embora difundido em todo o país, não contava com grande número de adeptos, exceto nos núcleos em SP, MG, RJ e RS. Sua escassa penetração é comprovada não só por isto, mas em sua dificuldade de vencer as eleições, apesar, claro, de ser compreensível esta última, graças ao sistema eleitoral vigente, de critério censitário, bem como a fraude eleitoral contribuía para desnaturar os resultados das eleições. Entretanto, não é porque constituíam minoria que não tivessem papel significativo no movimento, pois minorias ativas e organizadas constituem fator primordial em movimentos revolucionários nas estruturas adequadas. Apesar de poucos inscritos, o partido contava com simpatizantes que viam a forma republicana de governo com bons olhos. O ocorrido em 1889 só pode ser explicado pelas mudanças ocorridas na estrutura econômica e social do país, já que as ideias republicanas não eram novas, que levaram uma parcela da nação a se converter às ideias republicanas e outra a aceitar com indiferença a queda da Monarquia, graças a crise das instituições monárquicas e falta de vases do regime. Sem as mudanças ocorridas na estrutura, o Partido Republicano provavelmente não teria atingido seus objetivos.
- O papel do exército
- Explicação tradicional: Militares como instrumentos dos civis ou a parada foi um ato de indisciplina; superestimação dos seus papéis na Proclamação.
- Explicação da autora: a República não é o fruto inesperado de uma parada militar. Alguns militares (a “mocidade militar”) já tinham sólidas convicções republicanas e já vinha conspirando, sob liderança de Benjamin Constant, por exemplo. Estavam imbuídos das ideias republicanas e convencidos de que somente com o fim da Monarquia e a instalação da República se resolveria os problemas brasileiros. A ideia de que aos militares cabia a salvação da Pátria havia se generalizado no Exército a partir da Guerra do Paraguai, mas claro foi que estavam divididos em várias opções, não constituindo um todo homogêneo. A ideia republicana contava com adesão dos oficiais de patente inferior e alunos da Escola Militar, enquanto a Monarquia era apoiada pelos escalões superiores. A infiltração do positivismo nos meios militares explica em parte a sua adesão à República, mas não o ortodoxo, pois deve-se lembrar que este prega o militarismo como atraso para o governo. Superestimar o papel do Exército na proclamação, como fez a tradição monarquista desde então, é esquecer das contradições profundas que abalavam o regime e possibilitaram o sucesso do golpe.
- O mito do Poder Pessoal
- Explicação tradicional: consequência necessária dos excessos do Poder Pessoal [do Imperador, por conta do Poder Moderador], demonstrando sua tese através das críticas feitas nos últimos anos do Império.
- Explicação da autora: as críticas à Coroa e ao Império já eram antigas e nem por isso o Trono foi derrubado antes. Juridicamente, graças a Carta de 1824, o Imperador gozava de um poder quase absoluto, entretanto, esta própria limitava seu poder e ao longo do Império suas prerrogativas foram restringidas. Uma análise do funcionamento do mecanismo político do Império nos mostra que raramente o Imperador fez valer seu poder de “rei absoluto” e quem de fato controlou o poder foram as oligarquias que se faziam representar no Conselho de Estado, nas Assembleias Legislativas Provinciais, nas Câmaras dos Deputados, no Senado, nos Ministérios, nos quadros do funcionalismo, e das Forças Armadas. Essa imagem “absolutista” teve muito mais a ver com as críticas feitas por ocasião política do que de fato com ações do Imperador. O Poder Moderador fez a Coroa estar no cerne das disputas políticas, provocando atritos e animosidades quando exercia suas prerrogativas; conservadores e liberais sempre acusavam o Imperador de quaisquer conflitos; os erros dos ministros recaíam sobre a Coroa, ao contrário do que teoricamente deveria acontecer no regime monárquico parlamentar. Tais atritos são a origem da lenda do Poder Pessoal. Não se pode atribuir a permanência das estruturas patriarcais e escravistas, os problemas eleitorais, enfim, quaisquer problemas do Império à pessoa do Imperador, pois eram as oligarquias que detinham imenso poder, sempre auscultadas pela Coroa quando dos problemas nacionais. As vicissitudes do Poder Moderador não são suficientes para explicar o advento da República.
DADOS PARA UMA REVISÃO
Transformações econômicas e sociais
O Brasil passou por profundas transformações econômico-sociais durante o Império, como crescimento das ferrovias (suficientes para transformar relações entre regiões e sistemas de transporte e produção); a substituição dos barcos a vela pelos a vapor; a fabricação do açúcar se modernizou em suas instalações; o pioneiro e dinâmico Oeste Paulista, produtor de café, introduziu aperfeiçoamentos que aumentaram a produtividade; o capitalismo industrial esboçou seus primeiros passos com empresas pequenas e modestas, mas já significando profunda transformação na economia e na sociedade; os organismos de crédito multiplicaram-se; o sistema escravista entrou em crise, graças as novas condições econômicas nacionais e pela revolução industrial no campo internacional – o trabalhador livre começou a substituir o escravo, utilizando-se o imigrante para os problemas de mão-de-obra nas áreas cafeeiras; a economia brasileira ficou mais diversificada e complexa; houve grande crescimento demográfico; certas regiões começaram a urbanizar-se; esboçava-se a formação de um novo mercado interno; novos empreendimentos surgiam, a agricultura não era mais o único possível, agora havia vias férreas, estabelecimentos de campos de fiação e tecelagem, por exemplo.
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