Artigo A construção da identidade nacional sob a ótica da literatura romancista brasileira
Por: Mariana Albuquerque • 28/11/2020 • Trabalho acadêmico • 2.147 Palavras (9 Páginas) • 215 Visualizações
| Artigo A construção da identidade nacional
sob a ótica da literatura romancista brasileira |
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Disciplina: Brasil II – Professora Karoline Carula
Alunos: Mariana Albuquerque Campos
Victor Farias Da Veiga
Introdução:
Este presente estudo tem como objetivo compreender a construção da identidade histórico-cultural brasileira, no período pós-independência, através da perspectiva romancista, protagonista na literatura brasileira do século XIX. Dentre as principais produções literárias de tal período, utilizaremos como referencial primário a obra “O Guarani”, de José de Alencar, escritor, jornalista e político conservador brasileiro, para dialogar diretamente com o projeto político-cultural aqui abordado.
1. Contextualização do pós-independência
Na medida em que o Estado brasileiro se desvencilhou do status da colônia, surgia-se a necessidade de uma autonomia nacional, embora faz-se necessário ressaltar que tal emancipação política, como bem pontuado por Guimarães (2011), tenha sido produto da elite intelectual brasileira e não tenha sido acompanhada por um processo de revolução de massas, participação da sociedade geral ou ao menos respaldada pela esfera pública, como na França, por exemplo. Neste sentido, levando em consideração o contexto no qual essa nação recém-independente estava inserida, onde haviam projetos políticos em disputa, elite própria em efervescência, população multifacetada e latentes diferenças provinciais, não existia uma unidade nacional formada. O próprio poder era divido entre as províncias durante o período colonial, portanto não existia uma identificação como nação entre as regiões e, então, agora era dever do Estado brasileiro estabelecer medidas que viabilizassem a construção da identidade nacional, uma vez que o desejo de se desvincular de Portugal se fazia presente (diferentemente das décadas anteriores em que a ruptura com os lusitanos não era necessariamente o objetivo, em virtude do projeto civilizatório e o desejo de continuidade cultural com a Metrópole por parte dos setores da elite luso-brasileira). Uma dessas medidas foi a criação de instituições próprias – à revelia de entidades anteriores forjadas exclusivamente na tradição portuguesa – como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 1838, que, como o próprio nome já diz, tinha o intuito de dar corpo às discussões referentes a escrita da história brasileira e, posteriormente, com o decorrer dos debates, ao projeto político-cultural da criação da identidade nacional. O objetivo de tecer uma história brasileira atrelada ao braço estatal é muito bem ilustrado por um trecho de Manuel Guimarães (2011), ao sublinhar as atividades dos letrados do IHGB, em especial do grupo de Francisco Adolfo Varnhagen:
“O Estado e a Nação constituem uma só unidade e a mesma coisa, e é assim que se nos apresenta a historiografia de Varnhagen: uma história do Estado, primeiramente do Estado português, depois do estado brasileiro, como motor da vida social. Como passo rumo à construção da nação, caberia ao Estado inclusive a tarefa de promover o povo como produto social.”.[1]
Sendo assim, dada a progressividade dos debates do IHGB, um nome se destacou, o pesquisador Von Martius. Além de sugestões para a escrita da história brasileira com base nas particularidades provinciais, com foco nas paisagens e geografia únicas de cada região que juntas formavam um todo – a Nação –, ele atribuía sua atenção à questão das raças como objeto de estudo e alicerce para a história do Brasil. Para Martius, a união das raças formava a população da nação e cada uma delas contribuía, perfeitamente, para a formação de tal identidade nacional. No entanto, o interesse especial pelo indígena era claro, tendo em vista que os debates acerca das questões indígenas já ocorriam desde a instalação do IHGB, como salientado por Kaori Kodama (2009). Alguns pontos da análise do pesquisador são a atribuição da etnografia indígena a uma possível “história antiga” brasileira, como diz em seu discurso numa sessão do Instituto:
Ahi residem os descendentes dos antigos Tupys (os Apiacás, Gés, Mandarucús, etc), que ainda falam a língua Tupy: elles devem ser considerados como depositários da Mythologia, tradição histórica e resto de alguma civilização dos tempos passados. Nesses logares talvez se possam encontrar ainda alguns vestígios, que derramem alguma luz sobre as causas da presente ruína desses povos. Mas infelizmente ainda ninguém lá foi estuda-los.[2]
E também o caráter de decadência utilizado por ele para definir que, através de um processo “natural”, no qual haveria a assimilação entre índios e brancos e a preponderância “consequente” dos brancos, tais indígenas iriam paulatinamente entrar em uma “queda” rumo a extinção. Portanto, ressalta-se a contradição de Martius ao acreditar na contribuição positiva de indígenas para a formação da nação ao passo que também os considera em um estágio de difícil submissão ao processo civilizatório, uma vez que estão degradantes em comparação com seus antecedentes americanos. O que explica, todavia, a ambiguidade, é o próprio contexto pelo qual os debates etnológicos estavam passando naquele momento na Europa.
Na medida em que os debates no IHGB avançaram e, conduzido pelas premissas levantadas por Martius, Gonçalves Dias, outra figura pertinente nos debates sobre a formação da identidade brasileira, com enfoque nas questões sistematicamente indígenas, se torna um dos principais intelectuais responsáveis por encabeçar o projeto cultural. Já estabelecido o princípio de que o índio deveria ter relação direta com a construção da identidade nacional brasileira, Gonçalves utiliza sobretudo a língua como forma de legitimar essa relação. Partia do pressuposto que o próprio português brasileiro era derivado das três raças – embora apagasse os africanos – e que os índios precisavam ser fortemente incorporados à literatura – a poesia – brasileira (como José de Alencar faz em O Guarani), uma vez que os termos indígenas estavam inscritos no linguajar nacional. Um fator a ser destacado é o fato dos intelectuais como Gonçalves focarem no tupi-guarani, uma evidência do euro centrismo, vide o desconhecimento sobre a pluralidade dos caracteres indígenas e as diversos aspectos culturais das diferentes tribos. O propósito defendido pelo sócio do imperador D. Pedro II era justamente positivar as características indígenas, a fim de torna-los íntimos com o povo, mediante identificação poética, ou seja, internalizando-os como um sentimento, e não como exóticos.
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