Comentário sobre a ditadura militar e o perigo de uma memória hegemõnica como prática epistemicida
Por: Stanley Amarante • 19/9/2018 • Ensaio • 870 Palavras (4 Páginas) • 352 Visualizações
UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ
Curso de Especialização em História do Brasil Contemporâneo
Plano de Curso – A propaganda e estratégia de espionagem e repressão
Professor Ms. Francisco Phelipe Cunha Paz
E-mail: phelipecunhapaz@gmail.com 2017.2, quintas-feiras de 19 às 22h15minh.
O PERIGO DE UMA MEMÓRIA/HISTÓRIA HEGEMÔNICA SOBRE A DITADURA MILITAR: UM EPISTEMICÍDIO DO FATO HISTÓRICO?[1]
Stanley Amarante Rodrigues[2]
Neste texto farei um breve comentário sobre a constituição de uma memória/história hegemônica excludente em relação à ditadura militar brasileira instaurada em 1964 buscando enquadra-la como uma forma de epistemicídio do fato histórico. Para isso farei referência à tese de doutorado de Aparecida Sueli Carneiro e da fala da escritora nigeriana Chimamanda Adichie, além de alguns textos de Carlos Fico referentes à ditadura militar.
Em acordo com Carlos Fico[3] pode-se dizer que o golpe de 1964 foi civil-militar em função da participação de seguimentos significativos da sociedade civil, mas o governo que se seguiu foi essencialmente militar. Tal apoio civil permaneceu, em alguma medida, até o final do regime e mesmo após seu término, pois existe ainda uma memória que vê no período da ditadura uma época de crescimento econômico e segurança para “as pessoas de bem”. Em vista disso, acho importante ressaltar a tradição de autoritarismo no Brasil que acaba reforçando a cristalização dessa memória e de discursos justificadores dos excessos cometidos e críticos aos opositores do regime. A própria postura do Estado brasileiro endossa tal memória na medida em que protege os militares e seus agentes de julgamento e permite a estes manter-se isentos de qualquer investigação e “constrangimento”. Outro ponto que favorece a dificuldade de sustentar uma busca efetiva e sólida verdade (ou o mais próximo dela que se possa chegar) no campo historiográfico e a pouca visibilidade dada às fontes comprometedoras do regime militar e mesmo as restrições impostas quanto ao acesso a estas documentações.
Na fala de Adichie é destacada a impressão que tinha de si própria, de seus compatriotas e dos estadunidenses e europeus. A escritora afirma que a grande maioria do material que consumia (enquanto leitora, espectadora, etc.) era produzido por estrangeiros e possuía elementos estrangeiros e em vista disso a visão que ela construía do mundo era baseada nisto. Isso a levou a ter vários preconceitos, inclusive em relação a si própria enquanto africana. No entanto, após ter contato com produções de africanos pode perceber esses preconceitos e inclusive identifica-los em outros em relação si mesma, constatou que frente a essa história hegemônica não havia nenhuma possibilidade de uma conexão como humanos iguais. Sua conclusão é o que mais nos interessa: uma história única pode tornar-se instrumento de desumanização do outro (entendido como aquele que não pertence à matriz originadora do produtor desse material hegemônico).
Quanto ao epistemicídio, como diz o próprio nome, uma forma de matar o pensamento/conhecimento, constituiu-se num dos instrumentos mais eficazes e duradouros da dominação cultural, seja pela negação que empreende da legitimidade das formas de conhecimento, seja do conhecimento produzido pelos grupos dominados. O epistemicídio vai além da anulação e desqualificação do conhecimento dos povos subjugados é também um processo persistente de produção da indigência cultural, ou seja, da criação de uma cultura, história, memória que exclui aquelas que não estão em concordância com suas matrizes. Daí meu questionamento: “Seria o Estado brasileiro conivente com uma prática epistemicida ao permitir a impunidade daqueles que promoveram uma grave agressão aos direitos humanos, tanto do ponto de vista jurídico como do histórico ao não “macular” a memória dos agentes da repressão e de seus superiores?”. Creio que a resposta seria positiva, pois o Estado – aqui concebido como modelo democrático de governo que deve, portanto, buscar o melhor para seus cidadãos – deveria adotar uma postura defensora dos direitos humanos e não fomentar posturas que permitam a impunidade daqueles que tornem a repressão de significativos seguimentos da sociedade uma política de Estado.
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