Fichamento de Citações: A cidade inovadora, palco de igualdade e festa da troca
Por: Marlia Souza • 4/6/2018 • Resenha • 2.293 Palavras (10 Páginas) • 413 Visualizações
A cidade inovadora, palco de igualdade e festa da troca. ( p. 24-67)
LE GOFF, J. (1997) Por amor às cidades – São Paulo: Ed. UNESP, 1998.
“A importância de Paris decorre da justaposição de várias populações. De um lado, uma população às vezes ainda agrícola, artesã e comerciante, e, de outro, uma população aristocrática. Diferentemente das cidades francesas, em particular do Norte, onde a nobreza não reside, em Paris residem geralmente as grandes famílias ou os altos prelado. Essa população aristocrática dispõe de um forte poder de consumo: pode-se dizer que uma das principais indústrias parisienses é a indústria suntuária; os ofícios de arte não farão outra coisa senão se desenvolver até a Revolução, concentrados no subúrbio de Saint-Antoine, essa localização mostra, aliás, que, apesar de tudo, mesmo uma atividade económica tão honorável como a dos ofícios de arte não se situa no coração da cidade. As atividades económicas que se instalam no próprio coração da cidade são essencialmente os locais de abastecimento, como Lês Halles, em Paris. ” (p. 26)
“Três espaços principais dividem a Paris medieval: o económico, o político e o universitário. O primeiro é a margem direita, em torno dos mercados construídos por Philippe Auguste, com o porto, a Place de Greve, onde se situa também o mercado da mão-de-obra, esse lugar é estimulado pelo comércio por via fluvial, controlado pela guilda dos mercadores-barqueiros. Já na Antiguidade, eram poderosos os navegadores parisienses que manejavam os barcos transportando mercadorias. A íle de Ia Cite é o lugar do poder político e eclesiástico, o rei e o bispo, depois o parlamento, a partir do fim do século XIII. Por fim, na margem esquerda concentra-se a cidade escolar, universitária e intelectual” (p. 26- 29)
“Não estou completamente de acordo com a famosa divisão dos economistas em setores primário, secundário e terciário. Parece-me que atividades importantes estão assentadas em dois setores, e penso, em particular, no artesanato. O artesanato é de grande importância, ele é muito produtivo. Assim, o artesanato estende-se entre aquilo que se costuma chamar de primário e secundário, a este respeito, Paris, durante muito tempo, foi um grande centro "industrial". Ainda podem ser vistos, não longe do centro de Paris, os Grandes Moinhos, que estão desaparecendo nas amplas transformações atuais. Da mesma forma que desapareceram há muito tempo os barcos sobre os quais eram fixados os moinhos e que eram amarrados às pontes, às dezenas. ” (P.29- 32)
“Pensemos naquilo que é hoje, em Paris, primeira cidade europeia de congressos, o Salão da Agricultura. A feira e o mercado da Idade Média ofereciam as mesmas ocasiões de trocas e de oportunidades de modernização. Os Conselhos das ordens mendicantes que se tornaram as principais ordens religiosas a partir do século XIII ocorrem nas cidades e provocam uma grande aglomeração não apenas de religiosos, mas também de todo um círculo para alimentá-los. Na sociedade antiga, o grande domínio, a villa, era um centro de produção e de comercialização que reduzia a função económica das cidades. “ (p. 33)
“O fato fundamental é que se tem muito mais necessidade de dinheiro na cidade do que no campo, porque as somas, os valores em questão são muito menores do que na cidade, onde os gastos, muitas vezes ostentatórios, quer se trate de casas, aluguéis, alimentação, vestuário, exigem mais uso de dinheiro. Em suma, a cidade suscita aqueles que, a partir do século XIV, serão chamados de banqueiros, sua atividade essencial é o câmbio: estamos numa sociedade em que a grande multiplicidade de moedas dificulta a economia. É aí que vemos aparecer o papel dos judeus. Porque eles se tornaram os especialistas em empréstimo. Empréstimo a juros e empréstimo para consumo. Eles são quase que os únicos que podem dispor de somas sobre as quais cobram um juro, e pelas quais tomam garantias que beneficiam fortemente o credor. Aquele que toma emprestado dos judeus se despoja e alimenta um ódio terrível em relação a isso. Progressivamente, os judeus foram expulsos de todos os ofícios. No século XIII, eles são excluídos da posse da terra, mesmo como camponeses servos de um senhor; deixam então os campos. ” (P. 36-40)
“Da mesma forma, durante muito tempo, os cristãos não obtêm esse tipo de empréstimo a juros a não ser com os judeus. Pouco a pouco os cristãos, em particular os mercadores, também se tornarão credores. Num estudo de Georges Espinas, datado de 1933, e consagrado a um grande mercador de Douai, Jehan Boimbroke, vemos de que modo ele, ao mesmo tempo credor e empregador, domina e explora toda uma série de dependentes, de trabalhadores e trabalhadoras. Este exige que o operário ou a operária alugue uma moradia da qual ele é proprietário e, quando ele quer, aumenta o aluguel, sem regulamentação: esta existe para os clérigos, para os mestres e para os estudantes, mas não existe em favor dos trabalhadores. Os empregadores aumentam o aluguel ainda que os operários não possam mais pagá-lo. Fortalecidos por esse sistema infernal, os primeiros não põem os segundos na rua, mas diminuem a remuneração de seu trabalho e acabam por fazê-los trabalhar sem pagamento, simplesmente oferecendo-lhes um teto. Isto explica por que os operários são, então, obrigados a trabalhar no paralelo, isto vale ainda mais para as mulheres. Na Idade Média, há duas grandes "indústrias", a construção e a tecelagem. A construção é um mundo à parte que recruta mais frequentemente por canteiros de obras e que se organiza de tal modo que daí têm origem as lojas maçónicas. O ramo têxtil é a anarquia. Aí, os empregadores podem obrigar as mulheres a trabalhar apenas para manter sua miserável casa. Para o restante, que se prostituam. ” (P. 40-44)
“. A Place de Greve é o lugar em que se reúnem, todas as manhãs, os trabalhadores que não fazem parte de uma corporação, que não têm emprego fixo. Temos a imagem de uma Idade Média e de uma época moderna, pode-se divisar uma evolução, uma trajetória da noção de trabalho, do valor ligado ao trabalho e, simplificando as coisas, dizer que na alta Idade Média o trabalho é uma atividade e um valor menosprezados. Por quê? Trata-se sobretudo de trabalho; rural e, segundo uma tradição que o cristianismo apenas reforça com relação à Antiguidade, o camponês é menosprezado. Na Antiguidade, ele é o grosseiro, o rústico, em oposição ao homem da cidade. A grande valorização do trabalho se dá na cidade. Esta é uma das funções históricas fundamentais da cidade: nela são vistos os resultados criadores e produtivos do trabalho. Vivemos ainda nessa hesitação, entre a valorização e a condenação do trabalho. Todo o debate do fim do século XX em torno da diminuição do tempo de trabalho é muito equivocada do ponto de vista ideológico, aí se encontram, indestrinçáveis, tanto a valorização dos trabalhadores quanto a depreciação do trabalho. ” (P. 44-50)
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