A SAGA DA ANHANGUERA NOS LIVROS DIDÁTICOS.
Por: Junio Pereira • 22/9/2020 • Projeto de pesquisa • 2.206 Palavras (9 Páginas) • 194 Visualizações
Introdução e Justificativa
A construção de um herói é, ao mesmo tempo, um processo político e histórico. Ou seja, um protagonista da História delineia, simultaneamente de acordo com a sua atuação, a formação de uma memória de si e de seus atos. Desde épocas remotas, os mitos rondam os círculos humanos, oscilando num mistério do que é ou não realidade. E, a oralidade foi o mais eficaz veículo de propagação dessas histórias existentes, senão inventadas, mas cujo objetivo era o mesmo: justificar a tradição. O homem é uma criatura que busca o sentido, anseia por explicações e respostas. Estas respostas forjaram a criação de relatos que somente a memória poderia construir.
Os mitos fundadores romancearam a História. Criaram-se deuses e heróis, símbolos e rituais que unificaram um determinado grupo em torno de uma memória coletiva, na maioria das vezes forjada e politicamente institucionalizada. Claro que com suas peculiaridades, mas a prática de se utilizar de mitos fundadores para justificar o poder arrasta-se do Antigo Egito à República brasileira.
No Brasil, o culto aos heróis nacionais esta sempre associada à recuperação de um passado glorioso, pois a História do Brasil permanece “abarrotada” de (super) heróis e figuras míticas. Personagens que arriscaram suas vidas em prol do coletivo; que livraram o Brasil das amarras do governo português ou, aqueles, que são o objeto de estudo do presente trabalho, que desbravaram os sertões e fundaram um arraial e vila nos Guayazes. Poderíamos dizer: poético e romântico. E, este é o problema, desapropriar a História do caráter científico, produzindo romances históricos, assemelhados a gibis ou contos de fadas. Essa história dos heróis, que esteve em voga no século XIX, não satisfaz mais às pesquisas e trabalhos atuais. Os estudos históricos, desde os anos 1920, têm procurado desmistificar os heróis para evidenciar como foram projetados. Como se percebe, há heróis para todos os lados. E, eles refletem de certa forma, as transformações das sociedades. Atualmente, a historiografia vem desmitificando muitos nomes e a idéia de que grandes homens seriam símbolos de toda luta e conquista tornou-se obsoleta. Essas narrativas exageradas de glorificação dos personagens não sustentam mais os questionamentos contemporâneos.
O interessante a notar é que esses relatos heróicos ainda povoam os livros didáticos e, malgrado ainda, seguidos de iconografias ou construções do presente que tentam manipular o passado. De acordo com RIBEIRO (2004)
Em seu famoso livro História do Brasil , Rocha Pombo (1857-1933), professor do Colégio Pedro II e da Escola Normal, destacou nos anos de 1920 a figura dos bandeirantes paulistas, representados por Raposo Tavares, Domingos Jorge Velho e Anhanguera. As aventuras pelo interior da Colônia são exaltadas por uma narrativa épica e romanceada, na qual os bandeirantes são os grandes responsáveis pelo desenho das fronteiras do Brasil
É importante ressaltar que o questionamento não se refere ao personagem em si, mas sim à maneira como ele é trabalhado, como ele foi construído e com qual objetivo. A descoberta de novos heróis e a revisão dos antigos pode estar também associada ao aumento de estudos biográficos. Os “heróis de carne e osso” possuem suas peculiaridades, suas particularidades; foram sujeitos que pensaram e agiram e acordo com o contexto ao qual estavam inseridos. Fizeram o que a mentalidade da época proporcionou que fizessem, e, obviamente, cometeram erros e/ou acertos que contribuíram para o desencadeamento de eventos posteriores.
A República vestiu o Bandeirante com colete de veludo, botas longas, chapéu e armas vistosas, destemido a desbravar o sertão com bichos e feras indômitas, rios povoados de piranhas e a “desinfestar” os caminhos de índios ferozes. Nada mais que adequado a um herói, se esse tivesse sido. Mas, a realidade era um pouco diferente: as tropas caminhavam por meses em plena selva fechada, em plena floresta copada, percorriam extensos territórios, sujeitas a todos os tipos de imprevistos, desconfortos e variações da natureza. Eram viagens cansativas e perigosas.
A criação da imagem do bandeirante remonta ao final do século XIX, período em que intelectuais e políticos, reunidos no Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, dedicaram-se a escrever a história do estado. O esforço fazia parte de um plano para consertar o desequilíbrio entre o crescente poder econômico paulista e seu reduzido poder político. O grupo dedicou-se a enfatizar a importância dos paulistas na formação histórica do Brasil, cujo feito mais relevante era, a seus olhos, foi a expansão do território.
Visto que o poder de colocar cada um no lugar que convinha aos interesses dos grupos no poder também foi usado para decidir quem seria herói ou bandido, a figura do herói “bandeirante” nasceu com os traços de seus criadores, membros da oligarquia paulista. Isto não impediu que grandes esforços fossem mobilizados para difundi-la: todo paulista deveria se identificar com o espírito do bandeirante. Por mais de meio século, instituições públicas e privadas recorreram à comunicação de massa visando à popularização dessa figura: museus, romances, a imprensa, músicas, o sistema educacional, quadros e esculturas públicas exaltaram as proezas daqueles desbravadores.
A imagem do Bandeirante paulista como desbravador do sertão, como o novo descobridor do Brasil, encontra-se repetidamente exposta dos manuais e livros didáticos brasileiros, sem citar a propagação oral do mito, utilizada pelo paulista para elaborar sua própria imagem e justificar sua força, superioridade e avanço.
O território do atual Estado de Goiás, definido no mesmo espaço geográfico da antiga Capitania e Província de Goiás, foi anexado ao Brasil quase dois séculos após os primeiros assentamentos de portugueses na costa litorânea. Povoado, inicialmente, por mineradores que expulsaram os primitivos indígenas e buscavam as riquezas das minas dos Goiazes. A região experimentou breve período de fastígio da produção aurífera entre 1730-1790. Com a diminuição da arrecadação aurífera devido, entre outras razões, ao contrabando, a população remanescente distribuiu-se pelo cerrado goiano. Goiás tornou-se a partir daí, um entreposto tanto do comércio de gado e produtos agrícolas, como de mercadorias essenciais não produzidas na região.
A partir da república o mito do bandeirante destemido e valente é retomado por ocasião da Revolução de 30. Coincidentemente, na mesma época em que o herói bandeirante ilustrava os jornais da revolução paulista, de 1932, em Goiás, um outro herói estava a ser “construído”, o interventor Dr. Pedro Ludovico Teixeira. Na verdade,
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