O Legado Bandeirante, a Mítica Nacional
Por: Lucca Silva Lima • 10/6/2023 • Trabalho acadêmico • 2.462 Palavras (10 Páginas) • 63 Visualizações
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E
CIÊNCIAS HUMANAS
O legado bandeirante, a mítica nacional
Lucca Silva Lima – 113.171 – Noturno
2º semestre letivo de 2019
UC: História Colonial da Capitania de São Vicente e São Paulo
GUARULHOS
2019
A manifestação das memórias no mundo contemporâneo são reconstruções do passado determinadas através da alta patente da sociedade. Histórias heróicas sobre um passado triunfante perpassam séculos contando histórias de um personagem destemido, cuja contribuição para a sociedade é totalmente indispensável. Esse viés heroicizado reverbera na memória social em suas mais diversas camadas. Para Alberto Romero, a memória é parte fundamental na construção da consciência de um indivíduo/grupo e sociedade. Essa consciência, de modo direto, se conecta com as identidades e suas subjetividades (ROMERO, 2007, p.10). Nesse processo, à luz do entendimento de Romero, essa memória é livre, composta por lembranças, esquecimentos e distorções. O que vai compor a presente dissertação tem como eixo central, a utilidade desta reminiscência: para quê e para quem esta memória é legado?. A formação do solo brasileiro carrega muita história, mas a de quem?
A especificidade da história do território paulista é parte determinante no processo geral da colonização brasileira. São Vicente, criada em 1535 foi palco das primeiras ações coloniais; contudo suas terras não eram produtivas, o solo era de má qualidade e o zoneamento dificultava o acesso comercial. Sua atividade material era restrita e os obstáculos naturais da região retardavam o desenvolvimento econômico. Simultaneamente, o surgimento de novos núcleos de povoamento, colaboraram em grande escala para o declínio da área vicentina. (DAVIDOFF, 1982, p. 15)
São Paulo, ou planalto de Piratininga como era originalmente chamada pelos indígenas, serviria então de palco para o desenvolvimento colonial e a atuação bandeirante devido às circunstâncias de sua formação, a cidade conformava um complexo de sistema regional que abarcava em seu espectro, várzeas e colinas. (AB’SABER, 2004, p. 27). As vantagens de São Paulo em relação à são vicente consistia no fato de que o novo núcleo urbano “unia, portanto, a complexidade de um aprazível sítio de colinas com as vantagens um sítio de excelente localização.” (AB’SABER, 2004, p. 27)
Antes desenhar a face colonizadora que engendrou o ciclo de adaptação paulista aos moldes agrícolas, vê-se a necessidade de estabelecer as condições que levou esta capitania meridional a principiar o movimento bandeirante. As raízes podem ser encontradas nas próprias condições físicas do solo. Além do mais o mercado local não podia contar com a produção de açúcar e a localização geográfica propiciava um isolamento das regiões da Europa. Diferentemente dos rumos que tomou a monocultura canavieira do Nordeste, se formou em solo paulista a agricultura de subsistência, constituída principalmente por trigo, algodão, mandioca, limoeiros e etc., além da criação de gado. Mas ao que nos elucida tanto Alcântara Machado em sua obra “Vida e morte do Bandeirante” e em releitura histórica da obra, Carlos Henrique Davidoff no escrito “Bandeirantismo: verso e reverso”, as condições materiais de vida do bandeirante era sumariamente escassa e precária. Não somente a falta de mantimentos atingiam o solo de piratininga, a desvalorização das terras e da propriedade imobiliária concebia no âmago dos ideais colonizadores novas necessidades econômicas de exploração
A desvalorização desse bem abundante que era a terra em São Paulo naquela época encontra sua explicação na carência do conjunto das condições necessárias para que aí se efetivasse uma exploração mercantil. Faltavam capitais, escravos, implementos de todos os tipos e melhores condições de transporte e comunicação com a Europa. (DAVIDOFF, 1982, p. 21)
Diante desse cenário de pobreza, em busca de novas formas de contornar a situação que impedia o crescimento econômico dos moradores de São Paulo faz surgir o intento bandeirante, Davidoff trata com mais afinco: “O bandeirante foi fruto social de uma região marginalizada, de escassos recursos materiais e de vida econômica restrita” (DAVIDOFF, 1982, p. 25), a reação rumou para a alternativas visando o mercado externo consumado no apresamento e nas atividades mercenárias em busca de metais e de pedras preciosas. A prática era realizada através da mão de obra escrava efetiva. Como o tráfico de escravos africanos não era, nesse momento inicial, fonte de recursos manuais, a força colonizadora foi angariada nas investidas violentas contra a população indígena. O resultado disso levaria o índio a buscar abrigo no Sertão. Esse processo desencadearia uma caçada incursiva que designaria à bandeira sua função: a busca pelos nativos.
São paulo foi o principal difusor do bandeirantismo, isso porque ao contrário do que ocorrera na área vicentina, o planalto exibia “condições naturais mais propícias à ação do colonizador” (Davidoff, 1982, p. 15). Mas a face heróica do bandeirante vai se consolidar séculos mais tarde, mais precisamente entre os anos de 1890 e 1930 (SOUZA, 2007).
A mitologia bandeirante, por muito, foi estruturada no imaginário brasileiro como modelo da memória social: lido como fundador da civilização brasileira, um conquistador, destemido desbravador do território sertanista. Dessa forma o espírito paulista foi construído simbolicamente em torno da bandeira como sinônimo de progresso e riqueza, dando sentido à questão nacional referente ao processo de integração territorial. (SOUZA, 2007, p. 155). À luz de Kátia Maria Abud, Ricardo Luiz de Souza sintetiza motivos cruciais que robusteceram a construção dessa figura mítica nacional:
Na análise da autora surgem dois fatores determinantes na construção da mitologia bandeirante: a associação entre esse e o paulista, o que o transforma no símbolo da paulistanidade e a ênfase de que o bandeirante seria o construtor da nacionalidade a partir da expansão territorial por ele promovida. A mitologia bandeirante define o paulista, portanto, como o agente de construção da nacionalidade, e o bandeirante como o seu protótipo histórico, cuja herança atávica deve a qualquer custo sobreviver aos riscos da contemporaneidade. (SOUZA, 2007, p. 155)
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