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REVISÃO DO LIVRO A SER

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Por:   •  19/8/2014  •  Resenha  •  2.639 Palavras (11 Páginas)  •  157 Visualizações

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RESENHAS DO LIVRO OS BESTIALIZADOS

Ao contrário do que muitas pessoas imaginam, um texto historiográfico não precisa seguir por um caminho monótono e enfadonho para atingir sua meta, e o historiador José Murilo de Carvalho consegue provar isso de maneira competente no seu livro "Os bestializados: o Rio de janeiro e a República que não foi”. O autor consegue envolver o leitor enquanto expõe de maneira clara a sua tese, aliando a boa escrita com uma pesquisa admirável sobre o objeto de estudo, transformando essa obra numa referência não só sobre as primeiras décadas da República como também um marco na historiografia brasileira, conseguindo atingir tanto os estudiosos sobre o tema como qualquer pessoa que apenas se interesse pelo assunto.

O Rio de Janeiro, na aurora do século XX, desempenhava um papel privilegiado como centro político e administrativo do país, abrigando importantes órgãos como a sede do Banco do Brasil e a maior Bolsa de Valores, apesar de carregar vários problemas de cunho político-social ocasionados pela conturbada transição do Império para a República. Utilizando vários dados para sustentar seu estudo, o autor mostra as transformações ocorridas na cidade do Rio, que alteraram não só a política, mas trouxeram profundas mudanças no modo de vida da população, proporcionado pelo desenvolvimento tecnológico e industrial aliado à efervescência de ideologias trazidas da Europa que remodelaram os hábitos sociais principalmente nas duas primeiras décadas do século XX. Esse crescimento garantiu à sociedade do Rio de Janeiro uma enorme diversidade, um ambiente com visões e opiniões bastante díspares e muito restrito no que se refere à participação política, porém, apesar dessas limitações, surgem diversos círculos de atuação política, canais alternativos que exemplificam a participação do povo e mostram uma clara separação entre a política real e a política formal. Dessa forma, o historiador desfaz a ideia de que a população fluminense seria alheia às transformações políticas, simplesmente ela possuía outras formas de se manifestar, já que seu campo de atuação na "formalidade" fora minado pela própria República, que negou direitos de participação política a uma parcela esmagadora da população.

Este cenário era fruto da mal estruturada República implantada no país, que garantiu – ainda que de forma precária – os direitos sociais, porém, relegaram importantes direitos políticos, como o direito ao voto, negado à maior parte da população. Implantada a República, não havia um projeto de sociedade, o Estado não tinha a obrigação de fornecer educação ao povo, excluindo, por exemplo, estrangeiros e ex-escravos da comunidade política e impedindo uma parte considerável da sociedade de opinar e participar dos processos públicos, ou seja, o povo assistia a tudo "bestializado". Neste ponto J. M. de Carvalho destaca a organização das classes populares fora dessa política formal; uma vez excluídos pelo Estado, essas camadas periféricas formaram suas próprias "repúblicas", se conscientizaram politicamente segundo os seus próprios costumes. Logo, já que uma participação formal na política era praticamente impossível, não existia necessariamente um povo completamente bestializado aos acontecimentos, e podemos atestar isso no ponto mais importante do livro, que trata sobre a Revolta da Vacina.

A Revolta da Vacina, segundo o autor, é um claro exemplo de como era possível exercer a cidadania mesmo com todas as barreiras levantadas pelo governo, confirmando a tese que mesmo tentando impedir o povo de agir na via política, este acaba encontrando meios alternativos de manifestar suas opiniões e se fazer ouvir, expondo suas ideias nas maneiras possíveis.

As tentativas de alinhar o Rio de Janeiro aos padrões europeus culminaram numa série de reformas urbanas e obras de saneamento, inspirados pelos ares da Belle Époque, essa modernização, implantada pelo então presidente Rodrigues Alves com apoio do prefeito fluminense Pereira Passos, só foi recebida positivamente pela ala conservadora -- sendo chamada por parte da imprensa de "a Regeneração" -- e uma parte da população alienada ao modo de vida parisiense. Essa política visivelmente excludente é colocada pelo José Murilo de Carvalho como catalisadora para as manifestações da população durante esse período, apesar da cidade enfrentar problemas de saneamento, abastecimento de água e higiene, que resultaram num surto de epidemias de varíola e febre amarela, junto às de malária e tuberculose, o que eclodiu a Revolta da Vacina foi a implantação da obrigatoriedade da vacinação, e acima de tudo a forma como isso era feito. O governo tentava à vista de todos realizar uma verdadeira limpeza pública, e para isto investiu intensamente em brigadas sanitárias que não hesitavam em utilizar a força para invadir casas, interditar prédios, remover os enfermos, desinfetar os lugares que, logicamente, ficavam situados nas regiões mais pobres e consequentemente de maior densidade demográfica; estas visitas geralmente ocorriam com a presença da polícia, garantindo o caráter oficial do programa e evitando possíveis resistências. Estes gestos autoritários por parte do governo não foram aceitos de forma passiva, as medidas adotadas pelo governo do Rodrigues Alves causaram um enorme impacto no dia-a-dia das pessoas, como lembra o próprio José Murilo de Carvalho: “[...] o atestado de vacina era exigido para praticamente tudo: matrícula em escolas, emprego público, emprego doméstico, emprego nas fábricas, hospedagem em hotéis e casas de cômodos, viagem, casamento, voto etc.”[1] Ainda que alguns realmente ficassem bestializados, enxergando apenas as formalidades mascaradas do Estado, o autor mostra que essa Revolta contraria um pensamento muito comum, defendido inclusive por alguns historiadores, de que a população nos primeiros anos da república seria politicamente apática e alheia aos acontecimentos, porém verificamos justamente o inverso, um povo que apesar de marginalizado e propositalmente excluído ainda consegue ver a realidade por trás das aparências e reage a isso da maneira que pode.

A principal consequência advinda de todo esse processo de higienização da sociedade foi um deslocamento maciço de trabalhadores populares, desempregados e vários indivíduos das camadas mais pobres da sociedade para as periferias e alto dos morros, e de certa forma esse era o resultado esperado, implantar uma nova sociedade no Rio de Janeiro separando definitivamente a burguesia desses subúrbios que nasciam margeando estradas, trilhos ferroviários e as localidades mais adversas, invisíveis aos olhos daqueles que se sentiam os verdadeiros citadinos, cidadãos legítimos

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