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Resenha Os Desafios da Democracia na América Latina Contemporânea

Por:   •  18/6/2022  •  Resenha  •  1.381 Palavras (6 Páginas)  •  136 Visualizações

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Os desafios da democracia na América Latina contemporânea

Núcleo Interdisciplinar de Estudos Ibero-americanos (PUC-Rio)

Resenha de: LARA, Silvia Hunold. Palmares e Cucaú: o aprendizado da dominação. Capítulo II (Diálogos).

Arthur Rosalvos

Quando o objetivo é tratar da história dos afrodescendentes, dos povos indígenas ou das mulheres, o esforço que com frequência se realiza é o de salientar as contribuições que esses grupos humanos ofereceram ao desenvolvimento das sociedades, assim como recuperar o seu protagonismo, tornando-os sujeitos e não meros objetos da história. Sem ingressar na discussão sobre se realmente é possível transformar a prática histórica pela mera inclusão de estudos específicos sobre os grupos que a história tradicional menosprezou – e não pela completa transformação de uma epistemologia eurocentrada e masculina –, gostaria de salientar a importância de trabalhos que, nas últimas décadas, avançaram de forma significativa na compreensão da trajetória desses grupos. No Brasil, a historiografia sobre a escravidão é dotada de enorme relevância, seja desde a perspectiva histórica, pela importância da instituição para o desenvolvimento histórico do país; seja por questões relacionadas às necessidades sociais do presente, devido às demandas da população negra do país – que conforma a maioria de sua população – e ao racismo que se faz presente em todas as esferas sociais.

No interior dos estudos sobre a escravidão, uma temática em específico foi objeto de diversos estudos ao longo dos anos: as comunidades de fugitivos ou quilombos, em especial o maior de todos, Palmares. O apelo que esse tipo de comunidade tem no âmbito da História é compreensível: se tratou de uma das formas mais diretas de resistência à escravidão. As investigações sobre os quilombos poderiam não só salientar a agência dos negros – por meio da criação de comunidades complexas onde poderiam esquivar-se da dominação europeia –, como também deixariam em evidência o heroísmo desses grupos, demonstrando sua determinação em conquistar a liberdade. Por muito tempo, o heroísmo dos quilombos chamou a atenção dos historiadores, sendo este o principal aspecto enfatizado nos estudos históricos, sobretudo aqueles realizados a partir de meados do século XX. Os estudos sobre as comunidades de fugitivos procuravam, assim, satisfazer uma demanda do presente: demonstrar a contribuição do negro brasileiro à história nacional, inspirar a partir de histórias de resistência heroica à opressão, demonstrar que a escravidão não foi aceita docilmente pelos africanos, dentre outros objetivos. Ainda que os estudos com essa ênfase tenham contribuído enormemente para o conhecimento sobre os quilombos, não se avançou de forma significativa em compreender a experiência dos grupos de fugitivos em seus próprios termos, a partir da experiência daqueles que viveram naquelas comunidades. Por conta da necessidade de enfatizar o elemento heroico, não foi dada aos eventos de negociação entre quilombolas e autoridades coloniais sua devida importância – as tratativas com as autoridades de Pernambuco por muito tempo foram vistas como fatos menores ou como exceções. Da mesma forma, não foram realizados estudos mais aprofundados sobre a origem africana da instituição, com uma análise detalhada sobre seus aspectos culturais. O quilombo era visto como uma mera aglutinação de indivíduos com um laço em comum: a tragédia da escravidão e a necessidade de resistência.

O livro “Palmares e Cucaú: o aprendizado da dominação”, lançado recentemente no ano de 2021, lança um novo olhar sobre a conformação do maior quilombo da América. A partir de novas fontes, mas, sobretudo, de uma interpretação renovada sobre os fatos, Lara realiza uma análise que enfatiza o elemento africano na constituição de Palmares, levando em conta os recentes estudos e descobertas sobre a história da África que evidenciam a origem africana das comunidades de fugitivos na América. Além disso, a ênfase na negociação e nas trocas realizadas com outras comunidades também contribuem para uma nova visão sobre os quilombos, contribuindo para uma renovação que já vinha acontecendo nas últimas décadas. Em especial, Lara analisa o acordo de paz que Gamba Zumba estabelece com as autoridades de Pernambuco em 1678, levando à transferência do Quilombo para o vale do Cucaú, fato que, com frequência, foi interpretado como uma atitude pouco heroica ou até mesmo traidora – sobretudo pelas consequências trágicas do acordo, que levaram à reescravização de parte do grupo. A interpretação de Lara sobre a negociação, baseada em contribuições recentes da historiografia nacional e estrangeira, revelam uma faceta distinta da resistência e a forma como os próprios negros pensavam e agiam para adquirir maior autonomia – e não aquilo que o nosso tempo e nossa sociedade entendem como formas legitimas de resistência.  

No segundo capítulo “Diálogos”, Lara realiza um histórico dos estudos sobre o Quilombo no Brasil e no mundo desde a virada do século XIX para o XX até os dias atuais. Se trata de um texto excelente para compreender o desenvolvimento da historiografia sobre a escravidão, assim como as formas como a pesquisa e a escrita da História se transformam ao longo dos anos, a partir das diferentes questões que são levantadas pelo presente em relação ao passado, em distintas épocas. Lara identifica o acordo de Palmares de 1678 como um ponto chave para entender a mudança no tratamento que as autoridades impunham às comunidades de fugitivos. A partir da análise de casos anteriores em todo o continente americano, observa-se que houve o estabelecimento dessas comunidades, seguida de um posterior período de negociação com as autoridades em regiões tão distintas como a costa equatoriana e regiões caribenhas das Guianas, Jamaica, Veracruz, dentre outras regiões. Sem esquecer as enormes variações nas tratativas e nos resultados, de um modo geral se observa uma tendência a estabelecer comunidades que, após um determinado período de guerra, frequentemente levavam a um período de negociação – movida pelo desejo de paz de ambos os lados.

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