A Modernidade e Charles Baudelaire: Uma breve abordagem Benjaminiana
Por: fernandonogueira • 27/12/2017 • Trabalho acadêmico • 3.897 Palavras (16 Páginas) • 511 Visualizações
Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.
A Flor e a Náusea, Carlos Drummond de Andrade, A Rosa do Povo, 1945
Introdução:
As Flores do Mal, livro publicado em 1857, opus magnum de Charles Baudelaire, é referência na produção literária europeia do século XIX. À época, Paris vivia sob o fascínio da modernidade, o que ocasionou fortes alterações nas relações sociais, ou seja, transformações políticas, culturais, econômicas, espaciais, temporais dentre outras, percebidas e sentidas profundamente por Baudelaire e magistralmente transformadas em arte.
Dessa forma, a poética baudelairiana é fortemente marcada pelos grandes dilemas de seu tempo, ou seja, a solidão das grandes cidades, a degradação, o tédio, a melancolia, a perda do glamour do poeta nessa nova sociedade maquinaria e destrutiva capitalista, em suma, o poeta engendra sua poesia calcada em grandes temas não só de seu tempo, sendo, portanto, completamente atual.
Isto posto, o presente estudo debruçar-se-á sobre um dos mais emblemáticos poemas publicados na obra As Flores do Mal, O Cisne, analisado sob duas perspectivas que, contudo, se complementam, uma delas presente no livro “Terrenos Vulcânicos”, mais especialmente o capítulo “Um Socialista Hermético”, do crítico e escritor alemão Dolf Oehler, bem como o notável ensaio “Figuras Inclinadas”, do teórico da literatura suíço Jean Starobinski, tendo como fundo as análises de Walter Benjamin em sua obra “Charles Baudelaire um lírico no auge do capitalismo”, mais especificamente o capítulo “A Modernidade”, sobre a produção do poeta francês levando em conta aspectos sociais e políticos da época.
Modernidade e Charles Baudelaire: Uma breve abordagem Benjaminiana[1]
Como é sabido, o Segundo Império Francês foi o regime monárquico bonapartista implantado por Napoleão III de 1852 a 1870, entre os períodos históricos da Segunda República e da Terceira República na França. Modernização, ditadura e grande desenvolvimento econômico são algumas das características desse tempo, bem como a intensa vida cultural que pulsava na capital Paris, cidade que era o centro das maiores exposições culturais mundiais, para onde confluíam a difusão do progresso cultural e industrial do mundo[2].
Dessa forma, o espaço parisiense sofreu profundas mudanças no governo do Barão de Haussmann, também conhecido como o “artista demolidor”, que tinha como propósito o que podemos chamar de embelezamento estratégico e político de Paris, que junto das mudanças econômicas ocasionou transformações no subjetivo de seus moradores, que se sentem cada vez mais deslocados de seu próprio espaço, assim, o indivíduo percebe a necessidade de criar seus próprios recintos interiores, separando o mundo em conhecido e desconhecido. Paris, a grande metrópole, traz dúvidas no que se refere ao espaço urbano e seu controle pelos moradores; a cidade cresce vertiginosamente, as multidões de desconhecidos e desencontrados pela cidade, sem mais os antigos pontos de referência, a velocidade dinâmica e caótica urbana, enfim, o espaço íntimo da casa se transforma num último recanto de identidade própria conforme as palavras de Walter Benjamin,
Para o estilo Makart do final do Segundo Império, a moradia se torna uma espécie de cápsula. Concebe-a como um estojo do ser humano e nela o acomoda com todos os seus pertences, preservando, assim, os seus vestígios, como a natureza preserva no granito uma fauna extinta. (BENJAMIN, p. 43-44, 1989)
Destarte, Charles Baudelaire também se afasta desse mundo exterior, porém, não da maneira do burguês, mas sim, como o flanêur. Ao contrário do burguês que se acovarda e se “protege” das vicissitudes da experiência na cidade, o poeta francês decide em defrontar o desvairamento, tendo em vista que a ordem burguesa converteu-se em algo enganoso; assim como a cidade tem múltiplas facetas, Baudelaire encarna em si a própria fragmentação urbana, ou seja, o flanêur, o dândi, o sentimento do spleen, dentre outros, sendo, portanto, um indivíduo mascarado, que, assim, choca de frente com o contrato social.
O flanêur representa magistralmente a figura do indivíduo que se deixa embriagar pelas multidões, dissolve-se no anonimato das grandes avenidas, que observa e percebe o novo nas mesmas coisas, bem como a figura do conspirador revolucionário, que pela ótica Benjaminiana, nada mais é do que a representação da falta da consciência dos acontecimentos, um “desengajado político”, portanto, ao invés de traçar um objetivo político de destruição do cenário social vigente, o poeta é associado à imagem dos conspiradores[3].
O poeta, sendo, portanto, o flanêur, evita a todo custo a monotonia da própria casa, local que poderia levá-lo à falsa sensação de tranquilidade, acarretando, por assim dizer, a não conscientização de que tanto necessitava, disponibilizando-se aos choques com a multidão tal qual um esgrimista:
Reconhecer sob a imagem da esgrima o trabalho que Baudelaire dedicava aos seus poemas significa aprender a vê-los como uma série ininterrupta das mais pequenas improvisações (BENJAMIN, p. 70, 1989)
Ou seja, o poeta não tem como finalidade entender o funcionamento dessa sociedade fragmentada e veloz, mas sim, a enfrentá-la em todo o seu bestialismo, pois, nela, tudo está fadado ao perecimento, no entanto, ao encará-la, o poeta busca extrair algo de eterno no efêmero, porém, segundo Benjamin com sua perspectiva marxista, essa atitude de Baudelaire o transformava em um falso herói, pois o poeta não estaria lutando por nenhuma causa elevada[4], dessa forma, a atitude revolucionária do poeta seria a recusa a uma vida falsamente cômoda, bem ao gosto burguês, e também, a desconstrução dos valores dessa classe econômica que alcançou seu auge na Paris da época de Baudelaire.
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