"As meninas" na pele - Uma análise da obra de Lygia Fagundes Telles
Por: Gabriel Henrique Miletta • 3/12/2020 • Artigo • 860 Palavras (4 Páginas) • 759 Visualizações
NOME: GABRIEL HENRIQUE MILETTA RA 610046
AS MENINAS NA PELE
(RESENHA CRÍTICA SOBRE A OBRA “AS MENINAS” DE LYGIA FAGUNDES TELLES)
Se fossemos escolher uma só palavra que pudesse representar essa grandiosa obra de Lygia Fagundes Telles (o que dá um grande trabalho, pois sabemos que é muito raro encontrar uma só definição para esse terreno vasto que é a ficção) seria “sincronia”. Podemos pensar que toda a obra dessa autora está ligada por um fio. Melhor dizendo, conhece aquela lenda “Akai Ito” de origem chinesa sobre um fio vermelho invisível que une duas partes? Só que nesse caso trata-se de três: Ana Clara, Lia e Lorena. Podemos criar essa noção em cenas como o banho de Lorena, ao início da obra, quando a personagem nos remete, através de suas lembranças, à cena em que preparou um banho para a amiga Lia. E os dois universos, o presente e a memória, desembocam num só, como um rio desemboca em sua foz, e daí passamos a fazer parte de uma só realidade. Em episódios como esse ou outros, criamos essa idéia do fio imaginário que jamais se rompe, esse fio que passa do presente ao passado, do momento às memórias, esticado sem formar sequer um nó. O destino dessas três meninas está sempre interligado, bem como suas vidas, sendo cada vivência de sua maneira particular (é um fato afirmarmos que cada menina tem a sua peculiaridade, porém as três têm uma ligação tão importante e inexplicável que chega a nos causar espanto). Ana Clara, Lia e Lorena rompem um grande paradigma na literatura: o paradigma temporal. Nessa obra, vemos o passado, o presente e o futuro se desenvolvendo de forma tão perfeita e peculiar através dos relatos vividos por elas. Relatos esses tão minuciosos que podemos até, durante a leitura, criar vozes para cada personagem e ouvir essas histórias em nossas cabeças. Talvez sempre tivemos essa idéia tradicional de que o leitor é o grande protagonista desse processo da leitura. Na obra “As Meninas” tudo se inverte: Elas nos pegam pelas mãos, nos fazem sentar e a partir de então tudo é sobre elas. E conseguimos nos envolver tão fácil que podemos até mesmo responder suas indagações ou aconselhá-las nos momentos difíceis.
Cada menina é uma totalidade de representações, por isso essa obra flui de forma tão poderosa: Ana Clara nos traz um Brasil daquela época, ditatorial, uma Christiane F. que usa a máscara da contra cultura; Lia é a revolução e a resistência, a desconstrução do conceito “menina ou mulher” na sociedade patriarcal; Lorena nos aproxima da sociedade oligárquica, da alienação e dos ideais cristãos que eram fortes na família tradicional brasileira. É com isso que respiramos fundos e soltamos um balbucio qualquer de espanto: Quem conseguiria criar três meninas tão diferentes uma da outra e que podem se tornar uma só forma de expressividade crítica? A resposta é simples: Lygia Fagundes Telles.
A princípio, podemos pensar que se trata de uma leitura extremamente complexa e de difícil compreensão, por conta do fluxo de consciência que se dá de maneira feroz e indomável por toda a narrativa (aliás, encontramos aí mais dois adjetivos que poderiam representar “As Meninas”). Porém nos deparamos com uma peripécia narrativa que envolve toda a obra: Em grande parte da história temos a narração autodiegética, onde as três meninas nos contam (através de um aflorado fluxo de consciência) suas dores e seus amores, sejam eles já vividos, os que vivem ou os que anseiam/temem em viver: Podemos dizer que conseguimos entrar na cabeça de Ana Clara, Lia e Lorena e nos aconchegarmos num emaranhado de sentimentos e pensamentos. A narração heterodiegética aparece somente em momentos de transição, ou seja, é como se nesse processo de transição houvesse uma quebra e saímos de suas interioridades como alguém que desperta de um sono profundo e passamos a ver a história de cima, sem muito tempo de nos adaptar à exterioridade, pois logo em seguida já nos encontramos novamente naquele já citado emaranhado de sentimentos e pensamentos (seja da mesma personagem que estávamos anteriormente ou de outra).
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