Cesário Verde e o Seu tempo
Por: Nuno Correia • 8/10/2017 • Ensaio • 3.383 Palavras (14 Páginas) • 631 Visualizações
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CESÁRIO VERDE E O SEU TEMPO
Disciplina: Literatura Portuguesa do século XIX
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“Ao entardecer, debruçado pela janela,
E sabendo de soslaio que há campos em frente.
Leio até me arderem os olhos
O livro de Cesário Verde.
Que pena que tenho dele! Ele era um camponês
Que andava preso em liberdade pela cidade.
Mas o modo como olhava para as casas,
E o modo como reparava nas ruas,
E a maneira como dava pelas coisas,
É o de quem olha para árvores,
E de quem desce os olhos pela estrada por onde vai andando
E anda a reparar nas flores que há pelos campos...
Por isso ele tinha aquela grande tristeza
Que ele nunca disse bem que tinha,
Mas andava na cidade como quem anda no campo
E triste como esmagar flores em livros
E pôr plantas em jarros...”
Alberto Caeiro, “Ao entardecer, debruçado pela janela”
Com o presente trabalho, pretende analisar-se a obra de Cesário Verde, à luz do contexto histórico em que o poeta se inseriu e de alguns momentos da sua vida, que possam ter tido influência na sua poesia. Procurarei explorar a forma como as mudanças sociopolíticas sentidas durante o século XIX e o surgimento de uma nova escola literária, foram decisivos para as temáticas abordadas pelo poeta e para o estilo poético inovador que veio a desenvolver. A apresentação de uma perspetiva sobre a sua obra implica, evidentemente, a análise de alguns poemas escolhidos tendo em conta as diferentes fases da produção poética de Cesário Verde.
Os homens revolucionários do início do século XIX buscavam, acima de tudo, a liberdade, a laicização e a democratização do estado - ainda que, por agora, esta democratização se restringisse apenas a uma parte da população. Foi uma época marcada pela libertação da classe burguesa. Numa tentativa de facilitar esta libertação, os escritores românticos procuraram educar e incutir, nesta classe, os valores da revolução liberal, através das suas obras. Isso refletiu-se numa alteração dos temas abordados pelos autores, que procuraram laicizar a própria literatura, tornando-a mais apelativa ao leitor burguês. Exemplo disso foi a perda de popularidade da epopeia, que é substituída pelo romance, o que representou uma separação entre a literatura e a religião - uma vez que as personagens passaram a deixar de depender de intervenções metafisicas para alcançar os seus objetivos - e, ao mesmo tempo, veio alargar o campo do cânone literário, que, antes disso, era ditado pela Igreja.
Depois de uma primeira metade de século bastante agitada, pelas sucessivas revoluções e contrarrevoluções que vieram a implantar o liberalismo em Portugal, o país entra num período em que o discurso da maior parte dos autores se torna mais moderado. Quando os valores defendidos pelos homens românticos e liberais foram, finalmente, introduzidos na sociedade portuguesa, os escritores e artistas, em Portugal, deixaram de sentir a necessidade de assumir uma postura tão revolucionária e os textos, de uma forma geral, perderam a componente mais subversiva e agitadora. É, deste modo, que surge a segunda geração romântica, que ficou conhecida como a geração do ultrarromantismo. Com esta geração, a faceta da literatura ligada à crítica social ficou, inquestionavelmente, mais adormecida. Este alienamento político ocorreu a par de uma hiperdramatização da literatura. Por este motivo, para Eça de Queirós, o ultrarromantismo representou uma “apoteose do sentimento”.
Com a chegada de Fontes Pereira de Melo ao poder, em 1851, como nos dizem Rui Ramos et al. (33), Portugal entrou num período que ficou conhecido como o “Fontismo” – nome inspirado no seu nome. De facto, destacou-se o seu empenho na consolidação do liberalismo em Portugal, e, no mesmo sentido, na concretização de uma política de modernização, que passava pelo investimento nas infraestruturas necessárias ao desenvolvimento do país. Na altura, segundo Fontes Pereira de Melo, o investimento mais crítico e urgente implicava a construção de estradas e caminhos-de-ferro, já que caracterizava Portugal como: “um país de povoações que se não comunicam, de habitantes que não convivem, de produtos que não circulam, de manufaturas que se não transportam, e até de riquezas e de maravilhas que se não conhecem”.
O país seguia o seu rumo de desenvolvimento, tentando acompanhar o crescimento dos restantes países europeus, embora com muitas dificuldades. No entanto, começavam a chegar a Portugal ventos da Europa que traziam novas ideias e que vieram agitar o seu mundo político. Estes foram fundamentais, pois permitiram o florescimento de uma nova geração literária, que voltava a mostrar uma maior sensibilização política. Se a primeira metade do século XIX tinha sido marcada pela ascensão da burguesia, então a segunda metade ficou, indiscutivelmente, marcada pela ascensão de uma classe que tinha sido, até àquela altura, ignorada e desprezada – a classe proletária. A luta de classes foi motivada pela revolução industrial e tecnológica, que colocou a classe proletária numa situação miserável. Os movimentos socialistas procuraram consciencializar a classe proletária de que o mundo estava bipolarizado entre opressores e oprimidos; capitalistas e proletários; proprietários dos meios de produção e trabalhadores. Só quando os oprimidos se revoltassem e se soltassem das amarras dos opressores, o mundo alcançaria um equilíbrio social. Os escritores desta geração procuraram denunciar estas injustiças.
Charles Dickens foi dos primeiros escritores a revelar esta faceta de crítica social. Isto porque, em Inglaterra, principalmente em Londres - centro do capitalismo no século XIX - foi onde se sentiram, de uma forma mais violenta, as consequências da industrialização. Segundo Alain de Botton, Dickens sofreu na pele estas consequências por ter começado a trabalhar numa fábrica, precocemente, aos dez anos de idade, e, mais tarde, quando o seu pai foi preso por acumulação de dívidas. Charles Dickens tornou-se um dos primeiros autores a trazer para a literatura as preocupações socialistas, que se começavam a desenvolver e a propagar, um pouco por toda a Europa, como resultado da excessiva industrialização.
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