Ensaio Sobre a Obra As Bruxas de Salém de Arthur Miller
Por: Danielle Siqueira • 27/8/2019 • Ensaio • 2.623 Palavras (11 Páginas) • 209 Visualizações
Abigail Williams: a construção do ódio que emblema um dos episódios mais marcantes da história dos EUA, por Arthur Miller em The Crucible
Danielle Siqueira de Souza
“[...]. Eu não sabia a mentira que era Salém, não sabia as mentiras que me ensinavam essas mulheres cristãs e os seus homens domados! E agora você me pede para arrancar a luz dos meus olhos! Não arranco, não posso! ”
(As Bruxas de Salém, p.288)
The Crucible ou As Bruxas de Salém é uma peça teatral escrita por Arthur Miller em 1953, baseada nos eventos históricos que levaram à perseguição de centenas de pessoas por bruxaria no ano de 1692, em Salém, Massachusetts. A obra também está relacionada com a repressão política dos anos 40 e 50 que ocorreu na América através da ação macarthista, na qual o próprio Miller foi questionado sobre suas crenças.
Durante este ensaio, serão apresentados os principais aspectos da personalidade de Abigail Williams, numa tentativa de retratar as razões que a levaram a ser amparada pelo fanatismo local e instaurar uma caça às bruxas na sua cidade. A narrativa traz como situação inicial Betty, filha do reverendo Parris, desacordada e supostamente enfeitiçada, depois que foi pega dançando na floresta junto com várias outras garotas.
Abigail é apresentada como sobrinha desse mesmo reverendo, uma figura que só se importa com ele mesmo, pois, enquanto a própria filha está desacordada, ele só pensa no que pode lhe acontecer caso a população — principalmente aqueles que considera seus inimigos — descubra que seu nome está envolvido com bruxaria. Neste contexto, a entrada da jovem já revela aspectos físicos e de personalidade: “[…] Abigail Williams, dezessete anos, entra — é uma moça excepcionalmente bonita, órfã, com uma infinita capacidade de dissimulação. Agora, ela é toda preocupação, apreensão, decoro”. (MILLER, 1953, p. 276).
Enquanto seu tio tenta persuadi-la para contar o que houve na floresta, a moça afirma piamente que não aconteceu nada que lhe envergonhasse, até que ele toca no assunto de sua demissão da casa dos Proctors, afirmando que Elizabeth Proctor não tem ido à igreja para evitá-la e que ele desejava entender o motivo. Abigail apenas diz que sua ex patroa é uma mulher amarga, que queria fazê-la de escrava e não conseguiu, mas ao perceber que o tio estava desconfiado, a garota mostra ressentimento e fúria dizendo que não aceita que sujem seu nome.
Neste momento, o autor nos mostra uma moça cujo único parente que pode lhe assistir é o tio, que não demonstra qualquer preocupação a não ser com a reputação de sua sobrinha, pois, seu nome está ligado ao dela, nutrindo o desprezo da garota para com ele. Quando Parris diz “[…]. Eu dei um lar para você, filha, e roupas para vestir... agora me dê uma resposta direita. Seu nome na cidade... está absolutamente limpo, não está? ” (MILLER, 1953, p. 278), só reforça essa afirmação, assim como nos faz presumir que o ódio de Abigail venha dessa opressão por um fundamentalismo moral e religioso, além da falta de amor que a tranquilizaria após a morte de seus pais.
O modo de vida de Parris ensinou a adolescente a tratar bem e com respeito apenas as pessoas que poderiam fornecer-lhe alguma vantagem, o que é irônico, já que sendo um reverendo, o comportamento ensinado pelo exemplo é imoral e, portanto, vai contra os ensinamentos que prega. Dessa forma, acreditamos que isso possa ter acelerado a transição de uma jovem ligeiramente vulnerável, para uma mulher poderosa que mente e manipula à medida que a peça avança.
Algumas páginas depois, na companhia de Mercy e Mary Warren, presentes no episódio da floresta, Betty acorda e revela que Abigail bebeu sangue para fazer um feitiço que tinha como intuito matar a senhora Proctor. Ela doutrina as meninas como elas devem proceder para se abster de punição, intimidando-as sem arrependimento e com uma ferocidade assustadora, enquanto é incrivelmente dominante, instalando um sentimento de ansiedade em cada uma, o que fica evidente no trecho abaixo:
Agora escute aqui vocês duas. Nós dançamos. E Tituba conjurou as irmãs mortas de Ruth Putnam. E só isso. Escutem bem uma coisa. Se qualquer uma de vocês falar uma palavra [...], eu vou atrás de vocês no escuro de uma noite horrível e a gente acerta as contas direitinho até vocês tremerem. E vocês sabem do que eu sou capaz. Eu vi os índios esmagarem a cabeça dos meus pais nos travesseiros ao lado do meu, e já vi muita coisa feia durante a noite, e sou capaz de fazer vocês desejarem nunca ter visto o sol se pôr. (MILLER, Arthur, 1953, p. 285)
Esta afirmação também revela um sentimento contraditório para os leitores, uma vez que Abigail expõe a terrível violência que lhe tirou seus pais, ao passo que está disposta a exercer as mesmas práticas para atingir seus anseios. Depois disso, nos é revelado o motivo do ódio entre Abigail e Elizabeth: John Proctor.
Com a entrada de John, toda atitude violenta e volátil é imediatamente abandonada, fazendo com que o público se lembre da juventude e da imaturidade da jovem que “ficou como se estivesse nas pontas dos pés, observando a presença dele, de olhos arregalados” (MILLER, 1953, p. 286), dando a impressão de que há uma atração entre os dois.
A maneira que se comportam durante essa passagem acentua a afeição recíproca entre ambos, mas enquanto Proctor parece se importar realmente com Abigail, as emoções dela em relação a ele são muito mais fortes, pois, a adolescente acredita, erroneamente, que, se Elizabeth sair de seu caminho, ele simplesmente se casaria com ela. No entanto, Abigail não consegue distinguir o que sente, repudiando qualquer ideia em que John não a ame, sendo o motivo da sua forte determinação para conseguir o que deseja.
Contudo, Proctor também está exposto a críticas nesta cena, já que à princípio pouco faz para desencorajar os flertes da moça. No início da cena, há evidências consideráveis para reforçar esse ponto, por exemplo: ele a olha com uma “ligeira sugestão de um sorriso esperto no rosto” e depois “cresce o sorriso”. Isso encoraja as investidas dela, mas quando ele recua, faz com que Abigail oscile entre vários sentimentos isso é destacado quando ela se zanga, abranda, chora e fica enfurecida, por fim se declarando: "(em prantos) Eu procuro por John Proctor que me tirou do meu sono e colocou conhecimento em meu coração". (MILLER, Arthur, 1953, p. 285).
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