Onde está a Felicidade? - Análise da obra de Camilo Castelo Branco
Por: Maria Leonor Gaspar • 27/9/2016 • Dissertação • 3.651 Palavras (15 Páginas) • 1.817 Visualizações
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Licenciatura em Estudos Portugueses
Cadeira: Literatura do Séc. XIX
Professor Doutor António Martins Gomes
Análise de “Onde está a Felicidade?” de Camilo Castelo Branco
Maria Leonor da Costa Gaspar
2015/2016
Introdução
Na cadeira de Literatura do séc. XIX, o docente propôs-nos a análise de uma obra que se inserisse nos conteúdos programáticos sobre os quais nos tínhamos debruçado desde o início do semestre. Tendo em conta que os autores estudados se inseriam, num primeiro plano, na iniciativa romântica portuguesa, o autor por mim escolhido foi Camilo Castelo Branco.
Camilo Castelo Branco foi, desde sempre, um autor que me provocou opiniões contraditórias. Sabemos que a sua obra era destinada ao público, e que a escrita de romances era o seu sustento. Perguntei-me muitas vezes quão genuína poderia ser uma obra que era escrita ao sabor dos gostos da sociedade da época. Seria uma obra próxima àquilo que era Camilo Castelo Branco? Ou por outro lado, seria uma obra com feições unicamente dirigidas ao público, fugindo assim à identidade do próprio autor? Um escritor que escreve por dinheiro, como Camilo afirmou diversas vezes, seria um escritor digno de ser estudado? Debruçar-me-ia sobre a génese do autor, ou, por outro lado, sobre um estudo da sociedade portuguesa do séc. XIX?
Num século em que maioritariamente me deparo com obras literárias desenvolvidas unicamente para vender, estudar Camilo foi um desafio (não querendo obviamente comparar a qualidade, e muito menos o teor das obras do séc. XIX para o século XXI, um juízo de valor que decerto não me compete). Dediquei-me – apesar de não ser, de todo, especialista em Camilo - na tentativa de compreender até que ponto o seu carácter e pontos de vista estavam mesclados na sua obra.
A obra que escolhi foi, propositadamente, uma obra pouco conhecida, que fugisse aos “livros futilíssimos”[1] que Camilo admitia escrever. O título “Onde está a Felicidade?” despertou-me um enorme interesse, e embarquei nesta viagem, sem ler quaisquer críticas à obra que pudessem desviar-me do caminho a que me propus.
A obra inicia-se com um prólogo, que narra a história de uma personagem-tipo do capitalismo. João Antunes mora no Porto, na Rua dos Arménios, e aquando das invasões francesas e das pilhagens consequentes, enterra o seu tesouro por baixo de sua casa. Acaba por morrer enquanto fugia dos franceses. Perceber-se-á a relação entre esta figura e a história principal ao longo da obra, que analisarei de seguida.
“Onde está a Felicidade?” Uma análise
“Os romances fazem mal a muita gente. (…) Homens, sem originalidade, ou originalmente tolos, macaqueiam tudo o que sai fora da esfera comum. Crédulos até ao absurdo, aceitam como reais e legítimos os partos excêntricos de cabeças excêntricas, e prometem-se dar tom a uma sociedade mesquinha, onde não aparecem o Zaffie da Salamandra, o Trémor de Lelia, o Brûlart de Atar.Gull, o Vautrin de Père-Goriot, o Leicester de Luxo e miséria, enfim o homem fatal. Estes imitadores são perigosíssimos, ou irrisórios. Não topando na vida ordinária o lugar que lhes compete, querem conquistá-lo por força. E, depois, das duas uma: ou atingem o apogeu da perversidade, calcando a honra, cuspindo na face da sociedade, e caprichando em abismarem-se com as vítimas; ou – o que quase sempre acontece – imaginam-se homens excepcionais, sonhando como Obbermann, raivando como Hamlet, escarnecendo a virtude como Byron, amaldiçoando como Faust, e acusando sempre o mundo ignóbil que os não compreende.”[2]
Guilherme do Amaral é a personagem principal e o arquétipo do “herói romântico”. Um estudante exímio, de vinte e um anos, que se refugiou nos romances desde muito cedo. Não conhece a vida. Desconhece a realidade das coisas, impregnado pelas peripécias e amores impossíveis dos livros que lera, que durante muito tempo foram o seu refúgio. É uma personagem peculiar: vive numa introspecção constante, repudiando o ambiente que o envolve. Não se ajeita na sociedade, que considera frívola e superficial recusando-se a fazer parte da engrenagem social. Mas, como todos os indivíduos nestas circunstâncias, anseia pela libertação, e procura integrar-se. Guilherme do Amaral é uma figura solitária e rica. Procura o amor, mas não se contenta com as mulheres que conhece. A sua arrogância e pretensão impedem-no de construir relações sólidas com as pessoas que o rodeiam. As mulheres sentem-se atraídas pela figura melancólica e misteriosa de Guilherme, mas ele rapidamente as afasta por as considerar vulgares e desprovidas de interesse. Guilherme construiu um ideal feminino difícil de alcançar:
“- Sonho uma imagem: não a encontrarei na face da terra.
– Que juízo faz das mulheres deste globo?
- Péssimo: mentira, matéria, venalidade, corrupção.”[3]
Num baile do barão em Carvalhosa, Guilherme tem o seu primeiro contacto com a alta sociedade. É cobiçado por diversas mulheres, e o seu estatuto de homem rico e misterioso faz com que se torne aprazível à maioria. Dá-se um rol de intrigas entre as mulheres, que disputam Guilherme como se de um pedaço de carne se tratasse. Não tarda que Guilherme as dispense.
“- Quero falar-te a respeito desse sujeito, que tu não tens largado esta noite.
- Que eu não tenho largado! (…)
- Nada de risotas. É preciso que saibas que tal homem não veio a minha casa para te dar um rendez-vous.
- (…) Queres tu dizer, Margarida, que o tal sujeito é teu namoro?
- Não sei se é, nem se não é.”[4]
Guilherme, nos bailes da alta sociedade que frequenta, conhece um jornalista que escreve folhetins de crítica social. Não é surpresa que o despreze pelos seus devaneios poéticos que considera duvidosos, mas é uma questão de tempo até que se tornem amigos. São figuras contrastantes. Guilherme toma conselhos do amigo que, apesar de toda a “loucura” inerente, é uma personagem excepcional: pela sua empatia, pela sua bondade e pelo seu entendimento do ser humano: tudo características que escasseiam a Guilherme. O jornalista entendia e sabia quem era Guilherme apesar das máscaras hipócritas e cínicas que este usava, fazendo questão de as arrancar sistematicamente. Esta figura permanece na vida de Guilherme até ao fim da obra, o que não deixa de ser curioso tendo em conta as diferenças de carácter colossais entre ambos.
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