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PRESENÇA E AUSÊNCIA DO TRANSCENDENTE EM KADOSH, DE HILDA HILST

Por:   •  28/6/2017  •  Artigo  •  4.761 Palavras (20 Páginas)  •  300 Visualizações

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PRESENÇA E AUSÊNCIA DO TRANSCENDENTE EM KADOSH, DE HILDA HILST.

Lucilene L. Dalepiane Kulik (Especialista)

                                                                          Renato N. Suttana (Doutor)

Resumo: A criação literária de Hilda Hilst é perpassada pela radicalidade. O discurso fragmentado articula-se a partir de situações inexplicáveis, às quais o ser humano é submetido pela urgência do desejo de conhecer o que é transcendente. A partir desse pressuposto, o presente trabalho busca refletir, a partir da narrativa de Kadosh, sobre o sentido possível do sagrado na ficção da autora. A intensa necessidade de materializar a presença de Deus na sua existência finita e imediata atinge o ser de uma forma tão marcante que tal experiência pode ser vista, no corpo do discurso, como uma teologia negativa, que ao mesmo tempo realiza a esperança eterna de compreensão de Deus como presença e como estigma de dor e vazio. Organizado em torno de um estado agônico da personagem, que se caracteriza pela insuficiência, o texto avança em meio a perguntas de alta ressonância filosófica, religiosa e mística, levando assim à busca de uma definição satisfatória para essa presença ausente e desafiadora na obra de Hilda Hilst.

 

Palavras-chave: Ficção brasileira, Hilda Hilst, presença e ausência de Deus, Kadosh.

Abstract: Hilda Hilst’s literary creation is passed by radicality. The fragmented discourse is articulated from inexplicable situations to which human bean is submitted to by the urgent desire of knowing what is transcendent. From that presupposition, the present study aims at reflecting on the possible sense of sacred in the author’s fiction, based on the narratives of Kadosh. The absolute necessity of materializing the presence of God in his finite and instant existence touches the being in a very remarkable way. Such experience, in the body of the discourse, can be described as a negative theology which, at the same time, accomplishes the eternal hope of comprehension of God both as presence and stigma of pain and emptiness. Organized around the characters’ state of agony, which is marked by insufficiency, the text moves among questions of highly philosophical, mystic, and religious discussion, thus leading to the search of a satisfactory definition of this absent presence and challenge in the works of Hilda Hilst.

Keywords: Brazilian fiction; Hilda Hilst; presence and absence of God; Kadosh.

O discurso narrativo

A criação literária de Hilda Hilst é perpassada pela radicalidade. Tanto na escolha dos temas como no modo de apresentá-los ao leitor, bem como na utilização da linguagem, que é complexa e inovadora ao extremo. Sua obra recusa todo parâmetro lógico e tradicional de escrita, para dar conta de traduzir em interpretações o universo de sentidos e sugestões que desperta.

Essa escrita tumultuada tem se tornado, nos últimos tempos, mais conhecida, devido a uma recente reedição de toda a sua obra. Mas, ainda que tenha recebido prêmios, elogios e reconhecimento por parte de grandes escritores e críticos, sendo considerada uma das mais importantes autoras da literatura brasileira contemporânea, sua vasta criação, que aborda temas que afetam todo ser humano e é apresentada ao leitor dentro de uma grande diversidade de gêneros, não alcançou ainda a grande massa de leitores.

Antes de avançarmos na leitura a respeito da escrita de Hilda Hilst, importa fazermos algumas considerações acerca do momento pós-moderno, bem como seu efeito sobre o indivíduo. Na pós-modernidade, segundo alguns autores, o indivíduo será vítima da chamada crise de identidade. Para Hall (2005, p.7), essa crise “é vista como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades, abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social”.

Datando seu início na década de 50, a estética pós-moderna é um movimento que aparece identificado com toda uma época histórica, tendo como características uma maior fragmentação das relações, pois a ideologia das margens começa a aparecer, até o ponto de tornar esse movimento polifônico. Em função dessas e outras transformações socioeconômicas, a concepção de identidade sofre visíveis transformações, já que a multiplicidade de pontos de vista e a abertura para expressão destes acaba desarticulando as estruturas tradicionais. O discurso oficial é subvertido por vozes minoritárias tornando-se o ser fragmentado e descentrado diante do olhar caleidoscópico e eufórico do momento histórico e cultural.

Tais mudanças apresentam reflexos diretos sobre o indivíduo, o qual começa a experimentar a angústia existencial de forma mais acentuada, chegando então à crise de identidade. Segundo Hall (2005, p.12), o indivíduo reflete no seu modo de ser e agir as mudanças que deslocaram as estruturas da sociedade, abalando o que se tinha até então por referência. Dentro dessa perspectiva, um aspecto interessante a observar é a questão da presença da religiosidade na vida dos indivíduos e das comunidades. A presença de Deus, que era vista em outros tempos como único centro para sustentar e entender o ser e suas aflições, começa a enfraquecer em sua unidade diante desse acelerado processo de mudanças. Ocorre uma perda do “sentido de si”, ou seja, o que até o momento era visto como parâmetro para julgamento de certo e errado passa a ser questionado e substituído por novas consciências: “[...] o sujeito, visto como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado, composto de várias identidades, algumas vezes contraditórias e não resolvidas” (HALL, 2005, p.12).

No universo literário essas transformações são de certo modo intensificadas e levadas às últimas conseqüências por alguns escritores, como é o caso de Hilda Hilst. A idéia de provisoriedade e da incerteza toma o lugar das referências seguras e sólidas, tornando a instabilidade e a efemeridade marcas do nosso tempo. Do concreto, o ser é lançado diretamente para situações imprevisíveis, trágicas e geralmente inexplicáveis. Isso ocorre pela idéia, que habita o ser humano, de que este é capaz de desvendar e explicar, de forma racional, tudo aquilo que o rodeia. Assim, o homem faz uma tentativa de reavaliação de suas atitudes e crenças no desejo de evoluir sempre. Porém, nessa perspectiva de possibilidades, acaba perdendo algumas referências que até então o sustentavam, tornando-se cada vez mais descentrado.

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