RESENHA : TERRA SONÂMBULA – MIA COUTO
Por: Ana MJ • 30/8/2017 • Trabalho acadêmico • 1.346 Palavras (6 Páginas) • 1.211 Visualizações
RESENHA : TERRA SONÂMBULA – MIA COUTO
COUTO, Mia. Terra Sonâmbula. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
Nascido na Beira, em Moçambique, Antônio Emilio Leite Couto, conhecido como Mia Couto publicou Terra Sonâmbula em 1992, mesmo ano em que teve fim a guerra civil que tomava seu país. Em Terra Sonambula, o autor descreve a Moçambique pós guerra, denuncia os horrores da guerra civil. Durante os anos de guerra o próprio Mia Couto se posicionou a favor da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique), e acabou abandonando o curso de medicina e seguindo para o jornalismo, depois biologia e por fim a literatura. Possui mais de 15 livros, onde se encontra também poemas, o livro “Raiz de Orvalho” seu primeiro trabalho, publicado em 1983, possui somente poemas. Terra Sonambula foi considerado um dos 12 melhores livros de África do século XX. Neste obra, o autor narra a construção da nação moçambicana, ou pelo menos a busca por esta construção, da qual também viveu e participou.
Mia Couto inicia o livro descrevendo a paisagem moçambicana:
“ Naquele lugar, a guerra tinha morto a estrada. Pelos caminhos só as hienas se arrastavam, focinhando entre cinzas e poeiras. A paisagem se mestiçara de tristezas nunca vistas, em cores que se pegavam à boca. Em cores sujas, tão sujas que tinham perdido toda a leveza, esquecidas da ousadia de levantar asas pelo azul. Aqui o céu se tornara impossível. E os viventes se acostumaram ao chão. Em resignada aprendizagem da morte”. (COUTO, 2007, p.9)
Ao abordar a “aprendizagem da morte” o autor nos faz entender a situação de Moçambique que no ano de 1975, após uma década de guerra, conquista sua independência do colonialismo português. No entanto, enganasse quem imagina que este o acordo entre a FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) e Portugal, assinado em 1975, libertou os moçambicanos da guerra. O cenário moçambicano era o mesmo, a guerra civil havia se estabelecido em Moçambique e só teria fim em 1992, com o Acordo Geral da Paz assinado pelo presidente de Moçambique e pelo presidente da RENAMO (Resistência Nacional de Moçambique). Muidinga (o miúdo) e Tuahir são personagens cercados por este cenário, pela estrada morta, pelas cores sujas, ambos caminham juntos sem destino, “em busca do adiante”.
Nessa dura caminhada, Muidinga e Tuahir param ao encontrar um machimbombo (ônibus) queimado, e ali decidem descansar. O miúdo encontra dentro de uma mala cadernos manuscritos e passa a lê-los. Assim o menino e o velho passam a compartilhar o diário de Kindzu e vão encontrando personagens e histórias guiadas por sonhos, num Moçambique não muito distante. Em seu diário Kindzu relata a busca por sua identidade, seu desejo de ser uma guerreiro naparama e as dificuldades que a vida o impôs. Conta sobre a família: o pai, velho Taímo, era pescador e, segundo Kindzu, “sofria de sonhos”, a mãe que o ensinava a ser sombra, entre os irmão, Kindzu fala de Junhito que havia ganhado o nome “Vinticinco de Junho” devido ao dia da independência de Moçambique. Após a morte do pai, Kindzu parte da casa onde morava com a mãe, sentia-se perdido, insatisfeito, “qualquer que fosse minha escolha uma coisa era certa: eu tinha que sair dali, aquele mundo já me estava matando” (COUTO, 2007, p.29). O garoto parte para uma viagem, sem destino final, sendo diversas vezes perseguido e atormentado pelo espírito e pelas lembranças do pai morto.
Tuahir, Muidinga e Kindzu são frutos de seu país, seguem sem rumo certo, desorientados, situação um tanto semelhante com Moçambique, durante a guerra civil. Terra Sonambula nos permite imaginar a situação na qual se encontra o país, os relatos do velho Tuahir, de Muidinga e Kindzu mostram a vida num local tomado pelos horrores da guerra, onde sonhar se torna um meio de fuga da cruel realidade. O livro denuncia a pobreza , o abandono do povo, uma terra sem lei, os efeitos da guerra:
“Gentes imensas se concentravam na praia como se fossem destroços trazidos pelas ondas. A verdade era outra: tinham vindo do interior, das terras onde os matadores tinham proclamado seu reino. Consoante as pobres gentes fugiam também os bandidos vinham em seu rasto como hienas perseguindo agonizantes gazelas. E agora aqueles deslocados se campeavam por ali sem terra para produzirem a minima comida.” (COUTO, 2007, p. 55).
Em seus cadernos, Kindzu escreve “Era preciso haver morte para que as leis fossem esquecidas. Agora que a desordem era total, tudo estava autorizado. Os culpados seriam sempre os outros” (COUTO, 2007, p. 104).
Os sonhos de Kindzu guiam sua viagem e seus relatos, são neles que seu pai aparece e lhe atormenta e algumas vezes o orienta. Em uma de suas conversas com o pai, questionado sobre o que escrevia os cadernos, Kindzu comenta que escreve conforme vai sonhando, Taímo responde que é bom ensinar alguem a sonhar. Os sonhos e as fantasias aparecem de forma importante no livro, dão esperança, como no caso da viúva Virgínia Pinto que utiliza da fantasia para poder seguir sua vida tranquilamente e desviar os olhares dos interesseiros. A própria terra onde os personagens Tuahir e Muidinga se encontram, se torna sonâmbula, pois a cada amanhecer os personagens se deparam com mudanças no local, como se ela se movimentasse enquanto eles dormiam. As viagens dos personagens promovem mudanças nos próprios viajantes, pois muitas vezes passam por locais já conhecidos, mas observam de outra forma.
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