Resenha: Maracanã Adeus
Por: Mayra27 • 17/4/2018 • Resenha • 2.143 Palavras (9 Páginas) • 431 Visualizações
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
FACULDADE DE LETRAS
MAYRA SANTOS CRUZ
Resenha: Maracanã, Adeus
11 histórias de futebol
Trabalho de Graduação apresentado à disciplina Contos de Futebol, ministrado pelo professor Gustavo Cerqueira Guimarães aos alunos curso Letras/noturno, como conclusão semestral.
Belo Horizonte
2015
COUTINHO, Edilberto. Maracanã, adeus: onze histórias de futebol. 3. Ed. , Rio de Janeiro: J. Olympio, 1982.
O livro Maracanã, Adeus – 11 histórias de futebol, de Edilberto Coutinho, um ficcionista, jornalista e professor universitário, apresenta onze contos sobre o futebol, esse fenômeno cultural e seus desdobramentos sociais. Os contos são “Preliminar”, “Eleitorado, ou...”, “O fim de uma agonia”, “O Cem Pés”, “Tem explicação, doutor? ” “Bola falando grosso”, “Navio Negreiro”, “A celebração dos pés”, “Rei nu”, “Mulher na jogada” e “Maracanã, adeus”. A temática comum de todos eles são o futebol, e a peculiaridade da obra é o fato das histórias ocorrem extracampo, não são apresentados jogos, detalhes das jogadas, lances e entre outros. Nesses contos, o futebol é ponto de partida para vários dilemas sociais, problemas do cotidiano e relatos nostálgicos. Entre eles, destacarei os seguintes contos, “Preliminar”, “Eleitorado, ou...”, “Navio Negreiro” e “Mulher na jogada”.
Vale ressaltar também, nessa obra de Coutinho, o narrador pós-moderno, aquele que passa uma informação sobre outra pessoa ou uma situação, como um repórter, espectador e narra essa ação como um espetáculo a que ele assiste. Segundo Silviano Santiago, em “O Narrador Pós-moderno”, os contos de Edilberto Coutinho conseguem exemplificar e discutir uma das questões básicas sobre o narrador na pós-modernidade. Como destacado no trecho abaixo:
“Quem narra uma história é quem a experimenta, ou quem a vê? Ou seja: é aquele que narra ações a partir da experiência que tem delas, ou é aquele que narra ações a partir de um conhecimento que passou a ter delas por tê-las observado em outro? No primeiro caso, o narrador transmite uma vivência; no segundo caso, ele passa uma informação sobre outra pessoa. Pode-se narrar uma ação de dentro dela, ou de fora dela. É insuficiente dizer que se trata de uma opção. Em termos concretos: narro a experiência de um jogador de futebol porque sou jogador de futebol; narro as experiências de um jogador de futebol porque acostumei-me a observá-lo. No primeiro caso, a narrativa expressa a experiência de uma ação; no outro, é a experiência proporcionada por um olhar lançado. ” (p.38)
Com isso, percebe-se nos contos de Coutinho um narrador como espectador dos fatos narrados, as vezes como um jogador de futebol, um trabalhador, um pai de família, um marido, uma esposa, entre outros. Isso não significa que o narrador de fato já exerceu todos esses papéis, essas experiências são apenas de observação. Ainda de acordo com Silviano Santiago, “a ficção de Edilberto Coutinho dá um passo a mais no processo de rechaço e distanciamento do narrador clássico, segundo a caracterização modelar de Walter Benjamin. ” (p.39).
O primeiro conto é “Preliminar”, apresenta a história de um casal, José Dias da Cruz e Rai, que vivem uma relação conturbada e de muitos atritos, tal qual umas relações vistas na vida real, em filmes ou novelas. O marido é um servente de repartição, entre os conflitos com a esposa, o trabalho cansativo, é o futebol sua distração, este é como um ópio para José. A mulher, Rai, é amargurada pela vida sofrida e as mazelas do cotidiano, compara sua vida com as histórias de novela e fica ainda mais insatisfeita, quando reclama com o esposo sobre os problemas, ele a ignora e em algumas vezes sente-se trocada pelo futebol. Ao longo do conto, a relação e lugar da mulher no mundo futebolístico são afirmados como secundário e insignificante, nesse ponto, Coutinho mostra um senso comum visto na sociedade brasileira, e talvez o faça com a intenção de refletir sobre o tema.
O discurso do marido para a esposa só reafirma a submissão da figura feminina diante da masculina. Apresenta cenas que remetem as várias propagandas, nas quais a mulher serve apenas para buscar a cerveja, enquanto o homem assiste ao jogo de futebol pela televisão. Uma das frases de José para Rai, “É isso, mulher, vê se te manca, não aporrinha, a gente tá mais ou menos, aguenta as pontas por enquanto e não fica torrando”, demonstra como era o tratamento nada afetuoso entre os dois. Já nesse trecho, “Dona Raimunda, uma fera com a sorte da vizinha. Aquela cretina, Zé, foi sorteada no concurso mala da Sorte, do programa Cecê, Zé. Mas José curtindo ainda as emoções da tarde: Uma pena, Rai, que não passem na tevê a preliminar, mulher tu ia ver...”, retrata o desencontro nos diálogos entre o casal, ela sempre reclama de algo e ele focado apenas no futebol. Após a leitura, é interessante o leitor analisar e refletir o modo como é mostrado as relações afetivas, qual seria de fato o papel feminino nesse meio do futebol e procurar outras referências que confirmam esse antagonismo da figura feminina ou rechaçam tais afirmações.
Em “Eleitorado, ou...”, Edilberto Coutinho nos apresenta uma entrevista de uma jornalista com um jogador de futebol, uma reposta o discurso é alienado, o jogador é como peça do sistema político, e este que será publicado no jornal, a outra é o discurso politizado, de um jogador consciente e contra o sistema. O contexto remete ao período da década de 70, no qual o futebol era usado pelo regime militar como manobra de massa da população, também conhecido como o ópio do povo. A seleção brasileira que disputou a Copa do Mundo no México em 1970 era badalada pela imprensa, possuía militares na comissão técnica e os jogadores eram atores manipulados para divulgar uma imagem positiva da ditatura militar. A jornalista faz perguntas tais como, “você conheceu o Brasil antes de 1964? ”, “Como é a vida social do jogador? ”, Ele é bem aceito fora do campo? ”, “O que vocês dizem à imprensa é criticado pela Comissão Técnica? ”. As respostas são dúbias, uma para agradar o sistema, sem críticas ou questionamento e a outra consciente e politizada. Como por exemplo, “Falei que em 1964 eu tinha nove anos, mas meu pai me contou como era o Brasil, antes, que na escola a gente só ouvia propaganda, pois afirmavam que nada prestava antes, e que depois tudo tinha melhorado, tudo agora estava correndo bem para o país, para o povo, mas bastava a gente olhar em volta e via que não era verdade [...], ...ou, Falei que em 1964 eu tinha nove aninhos, moça, sei de nada não, muito pouco, e ela insistiu perguntando se tenho consciência de que pertenço a uma Seleção que é indiretamente do Governo, aí eu falei, moça estou começando a fincar o pé e que não quero passar pelo futebol de qualquer maneira.” (p.22)
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