Educar em tempos de biopoder
Por: autissima • 8/11/2016 • Artigo • 3.773 Palavras (16 Páginas) • 400 Visualizações
EDUCAR EM TEMPOS DE BIOPODER: A EDUCAÇÃO APREENDIDA A PARTIR DA NOÇÃO DE EXPERIÊNCIA DO FOUCAULT TARDIO.
Auta Jeane da Silva Azevedo.
Mestranda do PPGE – UFPE
autissima@gmail.com
Introdução
Partindo do pressuposto de que a educação pode se constituir como uma forma de resistência frente às estruturas biopolíticas nas quais nos encontramos mergulhados na atualidade, estamos realizando uma tentativa teórica de relacioná-la com algumas noções foucaultianas. Acreditamos que essa junção, pode potencializar a criação de formas de vida resistentes e a construção de outras formas de relação entre os sujeitos, em especial, os sujeitos da educação.
Nessa tentativa, trazemos algumas reflexões sobre experiência, cuidado de si e biopotência, sem esquecermos, porém, de fazer uma rápida incursão sobre essa tecnologia de poder.
Também é importante situar que neste artigo trataremos da educação em uma de suas formas específicas, a saber, a educação não formal. Embora esta tenha, durante muito tempo, sido vista como um objeto menor no campo da educação, na atualidade vem crescendo cada vez mais o número de trabalhos no Brasil que tratam dessa faceta da educação.
Buscamos levantar uma reflexão acerca do exercício de educar em tempos de biopoder, para finalmente, na conclusão, ensaiar algumas considerações acerca da educação caracterizada enquanto dispositivo de resistência frente a toda forma de normalização. Para isso, travamos um diálogo com autores que possuem uma trajetória de estudo sobre o pensamento de Michel Foucault, relacionando-os com outros que tratam de educação não formal.
Biopolítica e Educação
O termo biopolítica, cunhado por Michel Foucault, foi usado pela primeira em seus estudos em 1979 em O nascimento da medicina social, uma conferência proferida por ele no Rio de Janeiro. Segundo Foucault, no passado, o poder podia livremente causar a morte das populações, através, por exemplo, do direito de decretar guerras no intuito de defender o território. Esse poder teve seu foco transferido gradativamente da gestão de territórios para a gestão da vida das pessoas. Desde a modernidade ele passou a gerir a vida. A vida física e biológica da população passou a fazer parte dos interesses do poder público, passou a ser objeto de intervenção estatal, através de estratégias políticas para a sua gestão. Foucault denominou esse acontecimento de nascimento da biopolítica, realizando no Còllege de France um curso assim intitulado em 1978/9.
Mas é no último capítulo do terceiro volume da História da Sexualidade - a Vontade de saber, que Foucault discute a passagem do direito de vida e morte que o soberano tinha sobre seus filhos e escravos, para a Modernidade, onde esse direito passa a um poder de investir e fazer crescer a vida. Nossa atualidade poderia ser caracterizada como a época que se ocupa da gerência da vida da espécie humana. “O homem moderno é um animal, em cuja política, sua vida de ser vivo está em questão” (FOUCAULT, 2007, p. 156).
Foucault afirma que o Ocidente conheceu uma transformação muito profunda de seus mecanismos de poder, que estaria destinado a produzir forças, a fazê-las crescer e a ordená-las, mais do que a barrá-las ou destruí-las. Fato que fez com que o direito de morte se deslocasse pelas exigências de um poder que gera a vida e a ordena em função de suas necessidades.
Nesse caso, como um poder que investe na vida e monta uma série de estratégias para fazê-la crescer impõe genocídios como já vimos acontecer no passado e permanecemos observando nas favelas brasileiras, por exemplo? Podemos encontrar uma resposta com o próprio Foucault, ao dizer que
Os massacres se tornaram vitais. Foi como gestores da vida e da sobrevivência dos corpos e da raça que tantos regimes puderam travar tantas guerras, [...] quanto mais a tecnologia das guerras voltou-se para a destruição exaustiva, tanto mais as decisões que as iniciam e as encerram se ordenaram em função da questão nua e crua da sobrevivência (FOUCAULT, 2007, p. 148).
Então, de que modo um poder viria a exercer suas mais altas prerrogativas e causar a morte se o seu papel mais importante é o de garantir a vida? “São mortos legitimamente aqueles que constituem uma espécie de perigo biológico para os outros” (FOUCAULT, 2007, p.150).
Na primeira aula do curso Segurança, Território, População, Foucault nos dá uma definição de biopoder que acreditamos sintetizar o que seria essa espécie de poder voltado para a gestão, para o controle da vida,
[...] o conjunto dos mecanismos pelos quais aquilo que, na espécie humana, constitui suas características biológicas fundamentais vai poder entrar na política, numa estratégia geral de poder. Em outras palavras, as sociedades ocidentais modernas, a partir do século XVIII, voltaram a levar em conta o fato biológico fundamental de que o ser humano constitui uma espécie humana. Em linhas gerais o que chamo [...] de biopoder (p. 3, 2008).
Candiotto (2011), afirma que ao situar no sexo a disputa política em torno da vida administrada e dos corpos disponíveis, Foucault chegou a problematização do Estado. O biopoder atuaria nos dispositivos de segurança estatais que administram os perigos em relação à vida da espécie. Por essa razão, afirma ele, o biopoder logo se cristaliza na forma de biopolítica. A atuação recorrente dos dispositivos de segurança nos estados contemporâneos constitui um exemplo da sedimentação do biopoder na forma de biopolítica. Administrar a desordem e não necessariamente preveni-la constitui um meio para ressignificar o exercício soberano do biopoder nos estados liberais. Permite-se que a desordem aconteça no interior de uma população de modo a justificar, por exemplo, o controle da delinquência.
Por tudo isso temos nos preocupado em investigar não apenas como atua o biopoder sobre nossas vidas, mas, sobretudo, em pensar como podemos resistir e nos contrapor a essa tecnologia de poder e gestão da vida da população. Para tanto, temos apostado em determinadas experiências de educação como dispositivos de resistência na medida em que operam na construção de outras formas de relação dos sujeitos com os outros e consigo mesmos. O biopoder da atual tecnologia em gerar habilidades no domínio da vida coloca-se como um desafio à educação.
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