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A PATOLOGIZAÇÃO DO LUTO E COVID-19

Por:   •  16/11/2022  •  Trabalho acadêmico  •  2.064 Palavras (9 Páginas)  •  72 Visualizações

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No artigo “A patologização do luto: uma revisão dos manuais diagnósticos e estatísticos de transtornos mentais”, escrito por Mônica Venâncio e Cristiane Oliveira, as autoras iniciam o texto alegando que a forma como a sociedade lida com a morte e com o processo de morrer teve diversas mudanças ao longo da história. A atual configuração tira a morte da vida cotidiana e categoriza os sofrimentos e condutas humanas em patologias. Os manuais diagnósticos estão se aproximando das ciências naturais e assim estão se tornando mais descritivos, pontuando suas limitações já que a classificação não pode se encerrar em si mesma.

No primeiro DSM não existia o termo “luto”, mas já se entendia a depressão como uma reação de perda. O tempo de duração dos sintomas diante de uma perda somente é abordado nas últimas três edições do DSM, nos quais o tempo dos sintomas se alternaram. Hoje não há mais critério de tempo, somente no “transtorno de luto complexo e persistente”.

Atualmente, não há mais tempo de tolerância para a expressão da tristeza e o luto é encarado como patológico. “O indivíduo é convidado o tempo todo a reagir rapidamente às experiências de perda, o que acaba dificultando e muitas vezes impedindo a elaboração do luto” (Mendes, Viana e Baras, 2014, p.428).

Retomando o que foi dito ao início, durante o processo evolutivo humano a definição e entendimento sobre a morte passa por diversas atribuições, significados e processos, seja pela morte domada – aquela em que há a aceitação da própria morte - ou pela morte de si mesmo – em que há a preocupação no posterior e não no agora -, percebe-se que a morte “moderna” inverte o papel de aceitação, mesmo que sem compreensão, em relação a morte e traz uma caracterização de vergonha, incapacidade e fraqueza e o mesmo erroneamente se aplica ao luto.

antigamente, a morte era uma tragédia – muitas vezes cómica – na qual se representava o papel daquele que vai morrer. Hoje, a morte é uma comédia – muitas vezes dramática – onde se representa o papel daquele que não sabe que vai morrer. (Aries, 1977)

A ideia de morte a partir do Século XX é de algo não natural, algo que culturalmente não é aceito e necessita de uma supressão dos sentimentos, seja por aquele que está para morrer ou para aqueles que estão a sua volta, e assim se tem a supressão desses sentimentos de luto. Um exemplo prático de como a morte se torna vergonhosa é o local onde ela ocorre, antes o morto morria em casa, com a sua família e entes queridos, com a crescente evolutiva humana, a morte passa a ser algo que precisa ser parado e então ocorre a medicalização, assim o paciente passa a morrer no hospital. Essa morte distante apenas contribui para o tabu estabelecido em relação ao término da vida.

O processo de luto para RAMOS (2016) é um fenómeno natural, individual que ocorre depois da perda de uma pessoa importante, que varia de pessoa para pessoa, de momento para momento e que envolve inúmeros processos daquele que perde o objeto amado. Compreendendo que o luto é necessário e natural, o grupo entende que não se pode atropelar ou mecanizar esse processo, ou seja, é um equívoco entender o luto como uma psicopatologia. entendemos que a criação de dispositivos que dessem assistência multiprofissional aos enlutados são necessários, fazendo assim um contraponto à lógica moderna que visa entender aspectos naturais como doença.

Após uma aula sobre luto, um aluno leva suas dúvidas a professora. Uma delas traz o tema “As 5 Fases de Luto”, descritas por Elisabeth Kubler-Ross (1969), ele questiona se é correto quantificar um processo tão individual e singular de pensamentos, que muitas vezes nem são conscientes. O entendimento da resposta foi: de que as fases são apenas para potencializar a dinâmica do entendimento desse fenômeno além de viabilizar pesquisas, estudos ou aulas, como aquela que ele acabara de participar. Cabe uma reflexão, será que todos entendem dessa maneira? Será que a visão contemporânea da morte influencia as pessoas a entenderem o luto como apenas sintomas de algo padronizado e fútil?

Observamos que até o DSM II, o termo luto não aparecia nos manuais. No entanto, a reação diante da perda de uma pessoa querida já remetia a algo de uma patologização desde o primeiro DSM, já que associava a depressão à reação à perda. (Venâncio, 2018, p144)

As definições dos DSMs só foram possíveis devido ao fenômeno da morte invertida, recorte histórico onde ela deixa de ser natural e domada e passa a ser vergonhosa. Como quantificar ou até mesmo “patologizar” um fenômeno natural? Desde 1952 Canguilhem nós ajuda a responder essa questão. É claro que o luto pode desencadear uma psicopatologia, mas ele em si não a constitui. Diferente do modelo biomédico a OMS entende a saúde como um bem-estar biopsicossocial, esse entendimento ajuda a responder a questão de como o luto é visto como doença, ele é algo natural e que não deve ser reprimido ou remediado, chega a ser antagônico da visão biomédica esse entendimento, os mesmos que encarecidamente pedem aos seus pacientes para não retirar o curativo até que a ferida não esteja sujeita a infecções são aqueles que, por culpa de uma sociedade imediatista, querem atropelar um motor evolutivo humano, o luto.

No artigo “Medicalização do luto: limites e perspectivas no manejo do sofrimento durante a pandemia”, escrito por Aline Martins Alves, Samuel Braatz Couto, Mariana de Paula Santana, Márcia Raquel Venturini Baggio e Lucas Gazarini, os autores abordam sobre como a sociedade tenta lidar com o sofrimento decorrente da pandemia.

Com o COVID-19 não se perderam somente vidas, mas também costumes, rotinas, rituais e regras, a vida mudou e exigiu das pessoas lidarem com um cenário completamente atípico. Assim, houve um aumento de estresse, sofrimento psíquico, ansiedade, medos e inseguranças, aumento de transtornos psiquiátricos como depressão, ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático. Além disso os rituais de morte sofreram mudanças, sem ter o velório, por exemplo, e as famílias não puderam vivenciar o luto em sua totalidade. Somando-se a isso, várias famílias viveram lutos sequenciais.

Muitas partes importantes para o processo do luto como a elaboração, a fala, a despedida, agradecimentos e rituais teve que, muitas vezes, ser deixada de lado por questões sanitárias de combate ao vírus. Isso possibilitou e propiciou o aumento de lutos complicados e patológicos. Além disso, a possibilidade de morte de familiares levou pessoas a viverem o luto antecipatório. O sofrimento pode também ser experimentado por aqueles que não perderam

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