Currículo e Multiculturalismo
Por: CarolDulce • 8/4/2025 • Artigo • 4.451 Palavras (18 Páginas) • 18 Visualizações
Revista Lusófona de Educação, 2010,15, 125-135
Currículo e multiculturalismo:
reflexões para a formação de educadores
Ruth Pavan*
Este artigo é resultado da pesquisa docente vincu- lada ao Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Educação – UCDB. Tem como objetivo com- preender a reflexão dos professores e professoras da educação básica sobre o currículo escolar e, a partir dos resultados, fazer algumas ponderações sobre a necessidade da formação multicultural. Inicialmente apresentamos uma abordagem sobre a reflexão do docente e destacamos as diferentes abordagens acerca do currículo escolar ao longo da história da educação. Em seguida caracteriza- mos a reflexão dos educadores em relação ao currículo e finalizamos enfatizando a necessidade da formação multicultural.
1. Considerações iniciais
A pesquisa sobre currículo escolar adquire um novo sentido quando reconhe- cemos o caráter centralmente produtivo do currículo1. Deste modo, o currículo é percebido como algo que se movimenta e, ao se movimentar, muda de “cara”. Estas mudanças produzem novos efeitos. Estes efeitos ajudam a construir os alunos e alunas e esta construção redunda nos diferentes convívios dos diferentes grupos sociais. Estas convivências também terão efeitos sobre outros currículos que terão efeitos sobre outras pessoas. Ou seja: “Nós fazemos o currículo e o currículo nos faz.” (Silva, 1995: 194).
Com isso, queremos dizer que não temos a pretensão de congelar uma deter- minada concepção de currículo, mas de apreender as diferentes formas curricula- res, situá-las, historicizá-las com os possíveis atravessamentos que possam ocorrer, tais como: gênero, cultura, religiosidade, nacionalidade, raça e outros.
Nossa preocupação em trabalhar com a pesquisa no espaço escolar de forma mais específica, embora não seja ali o único espaço em que a educação ocorre, tem a ver com o fato de considerar a escola como um espaço
[...] capaz de promover a crítica do existente e o questionamento do que parece inscrito na natureza das coisas; capaz, então, de formar indivíduos não conformistas, rebeldes, transgressores, comprometidos com a luta con- tra toda e qualquer opressão. Decorre de considerá-la, em síntese, espaço público em que, em meio a práticas, relações sociais e embates, se produzem significados e identidades. Nesse espaço, novos tempos podem ser anunciados. (Moreira, 2001: 68).
E, neste sentido, o recorte no currículo escolar tem a ver com o que Moreira afirma, ou seja, entendemos o currículo como “[...] todas as experiências organiza- das pela escola que se desdobram em torno do conhecimento escolar” (Moreira, 2001: 68). Estão incluídos, portanto, “[...] tanto os planos com base nos quais a es- cola se organiza, como a materialização desses planos nas experiências e relações vividas por professores e alunos no processo de ensinar e aprender conhecimen- tos” (Moreira, 2001: 68). Compreendermos o currículo como todas as experiên- cias organizadas pela escola significa considerar toda a gama de acontecimentos que temos dentro da escola, tais como: o tratamento que é dispensado ao aluno e a aluna, que tipo de exigências são feitas em relação ao seu comportamento, as suas aprendizagens, avaliação, o que é considerado conhecimento válido, o que é cultura, bem como os valores que são trabalhados explícita e/ou implicitamente no espaço escolar. Além disso, que tipo de identidades são legitimadas, incluídas, valorizadas... Considerando este sentido de currículo, pensamos que o “recorte” que efetuamos tem a ver com a idéia de que queremos pesquisar o currículo que circula na escola, ou seja, um currículo em exercício, um “currículo em ação” (Pa- raíso, 1996: 138).
E, ao compreendê-lo desta maneira, entendemos que incluir os professores
numa pesquisa que tem o currículo que acontece na escola como centro é im- prescindível. Assim, apresentamos os professores entrevistados. Desde já informa- mos que todos os professores possuem curso superior, o que entendemos como fundamental, pois, “não podemos falar em ‘professor reflexivo’ se não houver um mínimo de formação, de remuneração, de profissionalidade” (Nóvoa, 1997: 30). Ou seja, para pesquisarmos a reflexão dos professores sobre o currículo, é importante que estes tenham formação e sejam profissionais da educação.
Para a coleta de dados no campo empírico e sua posterior análise, utilizamos uma abordagem metodológica qualitativa. Portanto, não estão em questão dados quantitativos, mas o aprofundamento da reflexão sobre as informações coletadas. Para coletar os dados, usamos a entrevista semi-estruturada. Neste artigo, embora a pesquisa na sua totalidade envolva mais informantes, apresentaremos somente os dados de quatro professores. Informamos que as respostas dadas pelas profes- soras foram obtidas durante o período de 2006 e 2007. Neste artigo, tomamos o cuidado de trazer uma fala de cada um dos níveis de ensino, desde a Educação Infantil, Ensino Fundamental (dividido em primeira a quarta e em quinta a oitava série) e Ensino Médio. Todas as professoras e professores são de escolas públicas da rede municipal e estadual, instaladas no estado do Mato Grosso do Sul. Não serão nomeados os municípios a que pertencem as escolas e as professoras e pro- fessores, e os nomes dos mesmos são fictícios, garantindo o anonimato.
2. O currículo multicultural: a reflexão dos/as professores/as
Embora tenhamos a preocupação em caracterizar o currículo, a escola e o multiculturalismo, assumimos que os conceitos de que dispomos para pensar car- regam significados líquidos (Bauman, 2001) e babélicos (Larrosa & Skliar, 2001). Os conceitos são históricos. Os conceitos carregam sobretudo a marca do poder que os produziu (Hall, 2003). Portanto, quando nos referimos ao currículo, estamos nos referindo a uma “arena de significados” (Silva, 2003).
O currículo tem um caráter plural, polissêmico. Juntamente com Apple (2006) afirmamos que os educadores e as educadoras comprometidos com a educação democrática “[...] devem unir-se para lutar contra a reestruturação antidemocrá- tica que estamos testemunhando”, negando “[...] aos neoliberais e neoconserva- dores o direto de mudar nossas sociedades de maneira que aumentem a vantagem daqueles que já
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