O LUTO E MELANCOLIA: AS ORIGENS E A PSICANÁLISE
Por: Daniel Vasconcellos • 28/4/2021 • Trabalho acadêmico • 2.507 Palavras (11 Páginas) • 217 Visualizações
CÍRCULO PSICANALÍTICO DO RIO DE JANEIRO
TURMA DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - 2018
METAPSICOLOGIA II – 2018.2
LUTO E MELANCOLIA: AS ORIGENS E A PSICANÁLISE
Autor: Daniel Werneck de Vasconcellos
Professores: Gilberto Gomes; Maria Thereza da Costa Barros
Resumo
O conceito de melancolia é controverso ao longo da história. Ora referida à saúde, ora a um aspecto arquetípico, é capturada por Sigmund Freud para a teorização de um dos seus mais famosos textos, Luto e melancolia. O presente trabalho buscou fazer um apanhado das origens da melancolia, comentar sobre este texto freudiano e finalmente buscar paralelos com a depressão contemporânea.
Palavras-chave: Luto; melancolia; Freud; depressão.
Introdução: A origem dos termos
O conceito de melancolia passou por mais de dois milênios de escrita e reinvenção. Sua primeira referência é encontrada na Bíblia (Antigo Testamento), onde o primeiro rei de Israel sofre um conflito entre a demanda de seu povo e suas próprias vontades como governante, gerando o sentimento de culpa (MELO, 2018).
Na Grécia (melas/negro e kholé/bile), o termo que conhecemos hoje foi criado e iniciou sua relação conceitual não mais com a culpa ou conflito, mas com a saúde. Hipócrates e Galeno, considerados as maiores figuras da fundação da medicina moderna, desenvolveram sua Teoria Humoral influenciados pelas obras de Pitágoras e Empédocles. Nessa teoria, o melancólico seria o indivíduo acometido pela influência da bile negra, um dos humores (líquidos) do corpo cuja circulação e/ou concentração causariam repercussões no comportamento e na fisiologia. No caso do melancólico, as características seriam “um abatimento, mal-estar, tristeza de longa duração” (KEHL, 2014; PIGEAUD, 2009 apud MELO, 2018, p. 58).
No caso de Aristóteles em seu problema XXX,1, há uma mudança no paradigma da melancolia. Ele distancia o conceito da medicina/doença e aproxima da genialidade/excepcionalidade. Coloca o ser acometido pela bile negra como alguém que não necessariamente será um melancólico, e vice-versa. Aristóteles, em sua teorização, faz também um paralelo dos efeitos do vinho com o estado embriagado/genial/criativo da melancolia (MELO, 2018).
Para a psicanalista Maria Rita Kehl, o indivíduo melancólico do Renascimento e do Romantismo continuou no caminho da criação, da necessidade da reinvenção do mundo, da excentricidade e da reflexão. Kehl lembra também de Robert Burton, teólogo e bibliotecário que escreveu Anatomia da melancolia, livro que aborda características, sintomas e tratamentos para o melancólico, na Inglaterra durante o século XVIII (KEHL, 2014).
A partir da entrada do saber psiquiátrico (século XIX), a melancolia sai do contexto da criação/genialidade/filosofia e volta ao campo da doença, dessa vez com rótulos e descrições cada vez mais limitantes. Roudinesco e Plon colocam Jean-Étienne Esquirol como o médico que retoma essa condição patológica com o termo lipemania, no início do século XIX. Logo após Esquirol, Jean-Pierre Falret muda lipemania para loucura circular, dessa vez mais próxima do conceito de mania como o conhecemos hoje. O psiquiatra alemão Emil Kraepelin, atualiza o termo como loucura (e logo depois psicose) maníaco-depressiva (ROUDINESCO, 1998).
Freud surge reaproximando a melancolia do estado subjetivo e a afastando do olhar psiquiátrico. Ele iniciou a reflexão em 1895 e em 1917 postulou Luto e melancolia, escrito emblemático da metapsicologia. Na época de Freud, Melancholie era visto pela sociedade médica como a depressão que conhecemos hoje. Segundo o psicanalista e comentador de Freud, Gilberto Gomes (2017), o termo melancolia pode indicar uma depressão mais severa, chamada de depressão melancólica (ou endógena), e que hoje em dia o termo mais usado em alemão é Depression, enquanto que “na época de Freud, entretanto, o termo padrão era Melancholie” (p. 177).
Em se tratando do conceito de luto, dicionários brasileiros descrevem como: Pesar pela morte de alguém; traje usado em sinal de luto e também período após a morte de alguém. A origem viria de do latim luctus (dor, pesar, aflição). Na etimologia não é encontrada a associação com a ideia de perda, mas Freud e outros psicanalistas encontraram nessa associação algo fundamental para as relações objetais.
Para Freud, experiências constantes de perdas podem ser internalizadas e revividas em situações posteriores. No caso do luto, devido à perda de algo, por parte do sujeito há uma atividade totalmente voltada ao objeto perdido, gerando desinteresse pelo mundo externo e incapacidade de um novo objeto conseguir substituir este que se perdeu (CAVALCANTI, 2013).
A psicanalista Melanie Klein continua a escrever sobre o luto e melancolia com base em sua teorização sobre as relações objetais, onde o mundo interno (das projeções) estaria ligada à influência do mundo externo (das relações). Para ela, o luto seria uma perda simbólica e também real, causando uma revivência de um período arcaico no sujeito, onde haveria a experiência de adoecimento e atividades próprias da psicose (posição depressiva), temporariamente. Ela consideraria o luto como doença apenas após certo tempo de duração (CAVALCANTI, 2013).
Desenvolvimento
O pai da psicanálise, entre os anos de 1914 e 1915, elabora escritos e os manda para seu colega, o psicanalista Karl Abraham. Este dá complementações sobre o tema da melancolia, em especial a sua relação com a fase oral, gerando uma ampliação dos mecanismos teorizados por Freud (EDLER, 2008).
A escrita é posterior ao tratado sobre Narcisismo, texto em que são deixadas muitas lacunas para posterior investigação. O conceito de Ideal do eu, instância que anos mais tarde seria vista como o Supereu, é fundamental tanto na base da metapsicologia, quanto de Luto e melancolia. Esse Ideal do eu era visto como algo construído por exigências morais e culturais, uma explicação próxima de como vemos o Supereu no senso comum. Quando Freud escreve sobre melancolia, passa a ver que existem outras fontes desse Ideal do eu, como parte desse eu dividido pela perda do objeto, que critica e censura a outra parte desse eu (identificado pelo objeto perdido). Ou seja, a essência do mecanismo da melancolia é vislumbrada num novo paradigma em relação a esse Ideal do eu (EDLER, 2008).
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