PROFESSORES MARCANTES: ENSINAR É COMO PESCAR
Por: Joaogabriel1985 • 26/5/2018 • Resenha • 1.362 Palavras (6 Páginas) • 280 Visualizações
PROFESSORES MARCANTES: ENSINAR É COMO PESCAR
Ricardo S.A. Mello
Advogado e Professor - Mestre em Teoria e Filosofia do Direito pela UFPE
“Não se pode dizer que o surdo é um tipo diferente de ouvinte: para ele o mundo todo é silêncio”. (Nietzsche)
Professores marcantes se encontram tanto nos escritos gravados numa placa típica das festas de formatura, como no coração de nossa memória. Penso então em tais placas. Se mesmo para os mais engajados, elaborar uma lista com alguns nomes de professores homenageados já é tarefa árdua; a dificuldade se multiplica quando confrontados todos os nomes sugeridos, no momento peculiar de escolher apenas um único nome (o do paraninfo) para dar título à turma. Esta ocasião peculiar é adequada para contextualizar o tema deste escrito. Vivencio esta situação atualmente, como integrante da comissão de formatura da turma 2004.2 da Escola Superior de Magistratura de Pernambuco. E certamente, ela se repetirá ao término dessa mesma Especialização na UNICAP. Chegará a hora propícia para instaurar a reflexão sobre as expectativas atendidas pelo corpo docente, bem como os acertos e descaminhos da própria performance perante as metas e desafios que nos impusemos ao ingressar nessa Pós Graduação. Pensarei agora nas cicatrizes e nos remédios ofertados por professores do passado. Para o bem, ou para o mal; a estranha alquimia que liga alunos e professores teima em desdobrar-se em mistérios.
Ensinar é como pescar. O professor escolhe o rio de águas mais límpidas e tranqüilas para trabalhar. Consulta o serviço meteorológico para verificar as condições propícias do dia (Instituição de Ensino). Ouve relatos de pescadores experientes sobre o local do seu interesse. Observa fotos das grandes pescarias ali já realizadas (faz diagnóstico da turma, estuda o tema e colhe exemplos concretos para usar em sala). Prepara com acuidade o anzol adequado (traçando objetivos). Molha os pés e lança com destreza o anzol nas águas e espera concentrado - mergulhando em intensa expectativa - o menor sinal de movimento da vara (aplica seu método e o avalia). Certamente, muitos e muitos peixes passarão rentes ao anzol. Ao final de um longo dia de pesca, poucos terão mordido a isca (validando seu esforço). Alguns professores se mostraram eruditos especialistas, todavia, poucos ficaram na recordação como sábios ou mestres. Quais os fatores mágicos que tornam uma isca marcante?
Meu ‘professor marcante’ foi aplaudido ao final de todas as aulas que proferiu à minha turma no ano de 1992, quando eu cursava o 1º ano científico. Onde? No Colégio Santa Maria. A matéria? História. Até aquele ano, minhas disciplinas prediletas eram: Matemática e Física. Tínhamos notícia que enfrentaríamos um professor “excêntrico”, “delirante”, “muito velho” e “esquisito” como um “gênio maluco”.
Ele entrava na sala com uma cartolina de 1 metro quadrado repleta de anotações superpostas pela pior caligrafia imaginável. Tínhamos 10 minutos para ‘copiar’ tudo (nunca dava tempo). Para isso, era permitido sair de própria cadeira e nos abarrotar abaixo da cartolina (algo impensável num colégio que tinha lugares marcados e um código de disciplina quase militar). E então a aula. Presenciávamos uma transformação. Víamos aquele ‘velhinho’ disparar numa crescente e voraz torrente verbal versando sobre: o acasalamento dos primatas, o julgamento do filósofo Sócrates, uma caminhada com Aristóteles, a prova da inexistência de Homero, mergulhos no Rio Nilo, visitas às Três Pirâmides, o amor de Abelardo e Heloísa, a chegada de Cabral, uma conversa com Napoleão, uma visita às Capelas do Renascimento, citações imensas dos Lusíadas, o Inferno de Dante, uma expedição com Darwin, datas precisas memorizadas, nomes esquisitos em grego e latim, poesias de Edgar Allan Poe, o hino Nacional da Franca, exaltações frenéticas contra a astrologia, etc. E ensinava mais: como falar adequadamente ao telefone, como cumprimentar colegas na rua, como escrever um livro... Isso mesmo, aulas de Metodologia Científica (muito sucintas é claro).
Tudo era dramatizado com urgência. Ele imprimia uma grau de atualidade aos fatos mais distantes (um “museu repleto de grandes novidades estimulantes”). Naquele ano, nós vivemos a História. Seu maior lema era a síntese de seu credo particular e de sua pessoa. Perguntava cerca de 10 vezes na mesma aula: - “Sem muita leitura, não há...?” Respondíamos: - “cultura!”. Ele estava sempre apressado. Parecia ser o homem mais ocupado do mundo. Outra peculiaridade: figurava com réu em vários processos judiciais por ter ‘ridicularizado’ escritores ‘pseudo-cientistas’ que escreviam horóscopos nos jornais.
Uma pequena história ilustrará seu estilo. No dia das provas entrava na sala munido de resmas de papel em branco (não pautado). Pedia que escrevêssemos bastante a fim de captar a ‘amplitude’ de nossa assimilação da matéria. Visto que ele ensinava para 6 turmas no mesmo 1º ano, e que cada aluno escrevia em média 6 páginas (cada sala possuía mais ou menos 55 alunos); criou-se a lenda que ele não lia uma prova sequer. Lenda que crescia ao passo que ele encurtava o prazo para entrega das notas. Deste modo, alguns afoitos escreviam em meio às respostas, coisas sem sentido. Tais como: receitas de bolo, fórmulas matemáticas, opiniões sobre jogadores de futebol, anedotas, etc. Ao longo do ano, saiam ‘ilesos’ e repetiam a dose, se vangloriando do feito para o espanto dos demais. Na última semana do ano ele subitamente chamou aqueles ‘alguns’ para uma conversa fora da sala (deixando claro que tinha lido todas as provas e encontrado todos os absurdos). Não enviou ninguém à direção da Escola, nem exigiu qualquer pedido público formal de desculpas. Por outro lado, a expressão facial dos ‘espertinhos’ ao retornarem à sala revelava muito.
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