Psicanálise
Por: Patrícia Rocha • 9/9/2015 • Trabalho acadêmico • 4.144 Palavras (17 Páginas) • 209 Visualizações
1 – Terceira Idade
Análise e resenha crítica do romance:
Memória de minhas Putas Tristes
Autor: Gabriel García Márquez
O romance retrata como é a vida, as angústias e os desejos de um senhor no auge de seus noventa anos de idade. Toda a história é narrada pelo personagem principal, ora com momentos a partir de seu nonagésimo aniversário, ora com lembranças muito bem recordadas pela memória deste senhor, que além de crítico musical, escreve uma coluna para um jornal aos domingos.
O autor do livro não nos permite conhecer a identidade nominal do personagem, mas o descreve de forma que conseguimos ter uma noção de como é sua vida, sua rotina, onde mora e como é sua personalidade de maneira geral.
O ancião mora sozinho no andar de cima de um dúplex herdado dos pais. Suas experiências afetivas não permitiram que ele conseguisse manter uma relação estável e duradoura ao longo da vida. Embora não tenha acumulado riquezas materiais, é um homem muito culto e capaz de discutir sobre os mais diversos assuntos. O lado cultural do protagonista é percebido ao longo de toda a história, mas também no fato dele ter se desfeito de todas as coisas que seus pais deixaram, mantendo apenas os livros e a pianola de rolos. Isso demonstra seu intenso interesse pela literatura, além de apreciar os clássicos da música, assim como sua falecida mãe.
Na véspera de completar noventa anos de idade, o escritor inspirou-se em dedicar uma de suas crônicas a esse momento histórico de sua vida. Para tanto, refletiu sobre suas fases de envelhecimento, percebendo que inevitavelmente sua saúde respondia ao passar dos anos, por meio de dores incômodas, além de outros sintomas que o acometiam diariamente. A esta altura da vida, ele entendia cada dia como uma aproximação da morte, ao contrário de quando era mais novo, quando a vergonha social era o maior de seus temores. Apesar das dores que iniciaram por meados de seus quarenta anos, ele ainda sente que não mudou nada por dentro e confessa que as primeiras transformações do tornar-se idoso se manifestam lentamente, o problema é que externamente as mudanças são mais evidenciadas aos outros.
Aos cinquenta anos, ele começou a perceber as primeiras transformações internas em seu corpo, reconhecidas através das falhas de memória recorrente do envelhecimento. O interessante é que o sábio idoso sempre buscou reconhecer as vantagens do processo natural do envelhecimento, como por exemplo, perceber que sua memória está falha para coisas que não são tão importantes e conseguindo manter as que são essenciais. A sabedoria e a felicidade dos anciãos também está relacionada a esta capacidade de distinção entre o que é acessório e o que é essencial.
O que mais instiga o leitor e os personagens envolvidos na trama desse livro é o fato do personagem principal escolher como presente de seu próprio aniversário, passar uma noite com uma mulher virgem. Esse presente é encarado como uma fantasia, um desafio, um desejo que o perturbava e o fez recorrer a um antigo bordel, lugar onde o personagem fora um frequentador assíduo.
Inicialmente, Rosa, a dona do prostíbulo, não acreditou no pedido de ajuda do seu antigo e ilustre cliente, mas logo compreendeu sua angústia e necessidade em realizar mais essa aventura, contribuindo na procura por uma moça virgem. Rosa encontra uma virgem disposta ao desafio e faz a intermediação entre a jovem trabalhadora de uma fábrica de botões e o colunista.
A moça tinha apenas quatorze anos e acabou adormecendo enquanto esperava pelo idoso, que fez da preparação para o encontro, um verdadeiro ritual carregado de ansiedade. Quando adentrou no quarto e encontrou a jovem nua e em um sono profundo na cama, ele não quis acorda-la e percebeu o quanto a idade não representava todas as experiências possíveis. Pela primeira vez, pôde apreciar o corpo nu de uma mulher, ingênua, dormindo em seu sono profundo. Era um momento totalmente diferente de todas as suas experiências sempre fugazes, rotineiras, pela busca de saciar o prazer, o que impossibilitava a construção gradativa de qualquer tipo de sentimento, afeto, ou relação que não considerasse o prazer como a principal finalidade. Logo encontrou um nome carinhoso para a jovem e então suspirava em seu ouvido, chamando-a pelo nome de Delgadina.
Todos esses sentimentos inéditos provocaram no idoso uma nova forma de encarar e entender sua vida, suas limitações. A possibilidade de apreciar a moçam em seus encontros despertou no idoso uma nova maneira de sentir prazer. Era o prazer atrelado aos sentimentos que aos poucos iam se construindo. Pequenas delicadezas, o sentimento de querer cuidar e o respeito. Outro ponto que fiou bem evidente para o idoso foi o choque entre as idades. A moça de pele lisa, delicada, sem experiências e jovial, contrastava com sua aparência cansada, suas rugas e outras características comuns à velhice.
O peso da idade provocava um sentimento de aproximação com o dia da morte. O ancião percebia também o preconceito dos outros em relação à velhice, isso foi percebido em sua festa de aniversário através das piadas dos colegas de trabalho.
A relação que se construiu entre os dois mudou a rotina metódica e rígida do personagem principal. Ele passou a fazer de tudo para agradá-la, queria conquistar sua confiança e fazer com que aquele desejo de estar junto fosse recíproco. Aos noventa anos então, o ancião experimentou o despertar de seu primeiro amor e se permitiu músicas românticas, além de inspirar suas crônicas com esses sentimentos tão ternos que o apeteciam e já não eram mais efêmeros como antes, ele se sentia como se tivesse iniciando uma nova vida. Em uma noite, porém, experimentou a fúria do ciúme, sentiu a possibilidade de perda daquilo que vinha lentamente conquistando.
O momento de fúria que o fez destruir todo o quarto dos dias de encontro acabou afastando e atrapalhando a fluidez do romance, porém, o idoso não parou de descobrir coisas novas, novos prazeres e perceber que tudo já existia. Faltava apenas se auto-permitir, faltava um sentimento de que a vida não finda enquanto não cessar e não importava a idade que ele tinha, o que importava era como se sentia. São essas as conclusões que o idoso chega, depois da riquíssima experiência com a jovem e após recordar momentos de sua vida, fazendo comparações com o presente.
A partir da história desse livro, é possível identificar algumas categorias que são presentes na vida desse idoso específico e também dos demais anciãos. Primeiramente, podemos entender o que Oliveira (2008), denomina como velhice bem sucedida, ou seja, o indivíduo chegar na fase final da vida com qualidade, bem-estar, compreendendo esse processo da vida de modo positivo. Caso o idoso seja educado da melhor maneira em vários aspectos, tais como: personalidade, inteligência, até mesmo no confronto com a doença, será mais apto de olhar e vivenciar a velhice de forma construtiva. Sendo assim, o envelhecimento bem sucedido é quando o indivíduo continua a agir de modo proveitoso, seja referente ao âmbito físico, psíquico ou mental.
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