Psicologia Das Massas E A Análise Do Eu
Monografias: Psicologia Das Massas E A Análise Do Eu. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: Aprendendoaler • 29/1/2014 • 9.193 Palavras (37 Páginas) • 516 Visualizações
Psicologia das Massas e a Análise do eu
Sigmund Freud
INTRODUÇÃO
O contraste entre a psicologia individual e a psicologia social ou de grupo, que à
primeira vista pode parecer pleno de significação, perde grande parte de sua nitidez quando
examinado mais de perto. É verdade que a psicologia individual relaciona-se com o homem
tomado individualmente e explora os caminhos pelos quais ele busca encontrar satisfação
para seus impulsos instintuais; contudo, apenas raramente e sob certas condições
excepcionais, a psicologia individual se acha em posição de desprezar as relações desse
indivíduo com os outros. Algo mais está invariavelmente envolvido na vida mental do
indivíduo, como um modelo, um objeto, um auxiliar, um oponente, de maneira que, desde o
começo, a psicologia individual, nesse sentido ampliado mas inteiramente justificável das
palavras, é, ao mesmo tempo, também psicologia social.
As relações de um indivíduo com os pais, com os irmãos e irmãs, com o objeto de
seu amor e com seu médico, na realidade, todas as relações que até o presente constituíram
o principal tema da pesquisa psicanalítica, podem reivindicar serem consideradas como
fenômenos sociais, e, com respeito a isso, podem ser postas em contraste com certos outros
processos, por nós descritos como ‘narcisistas’, nos quais a satisfação dos instintos é parcial
ou totalmente retirada da influência de outras pessoas. O contraste entre atos mentais
sociais e narcisistas — Bleuler [1912] talvez os chamasse de ‘autísticos’ — incide assim
inteiramente dentro do domínio da psicologia individual, não sendo adequado para
diferençá-la de uma psicologia social ou de grupo.
O indivíduo, nas relações que já mencionei — com os pais, com os irmãos e irmãs,
com a pessoa amada, com os amigos e com o médico —, cai sob a influência de apenas
uma só pessoa ou de um número bastante reduzido de pessoas, cada uma das quais se torna
enormemente importante para ele. Ora, quando se fala de psicologia social ou de grupo,
costuma-se deixar essas relações de lado e isolar como tema de indagação o
influenciamento de um indivíduo por um grande número de pessoas simultaneamente,
pessoas com quem se acha ligado por algo, embora, sob outros aspectos e em muitos
respeitos, possam ser-lhe estranhas. A psicologia de grupo interessa-se assim pelo
indivíduo como membro de uma raça, de uma nação, de uma casta, de uma profissão, de
uma instituição, ou como parte componente de uma multidão de pessoas que se
organizaram em grupo, numa ocasião determinada, para um intuito definido. Uma vez a
continuidade natural tenha sido interrompida desse modo, se uma ruptura é assim efetuada
entre coisas que são por natureza interligadas, é fácil encarar os fenômenos surgidos sob
essas condições especiais como expressões de um instinto especial que já não é redutível —
o instinto social (herd instinct, group mind), que não vem à luz em nenhuma outra situação.
Contudo, talvez possamos atrever-nos a objetar que parece difícil atribuir ao fator numérico
uma significação tão grande, que o torne capaz, por si próprio, de despertar em nossa vida
mental um novo instinto, que de outra maneira não seria colocado em jogo. Nossa
expectativa dirige-se assim para duas outras possibilidades: que o instinto social talvez não
seja um instinto primitivo, insuscetível de dissociação, e que seja possível descobrir os
primórdios de sua evolução num círculo mais estreito, tal como o da família.
Embora a psicologia de grupo ainda se encontre em sua infância, ela abrange
imenso número de temas independentes e oferece aos investigadores incontáveis problemas
que até o momento nem mesmo foram corretamente distinguidos uns dos outros. A mera
classificação das diferentes formas de formação de grupo e a descrição dos fenômenos
mentais por elas produzidos exigem grande dispêndio de observação e exposição, que já
deu origem a uma copiosa literatura. Qualquer pessoa que compare as exíguas dimensões
deste pequeno livro com a ampla extensão da psicologia de grupo, poderá perceber em
seguida que apenas alguns pontos, escolhidos dentre a totalidade do material, serão tratados
aqui. E, realmente, é em apenas algumas questões que a psicologia profunda da psicanálise
está especialmente interessada.
II - A DESCRIÇÃO DE LE BON DA MENTE GRUPAL
Em vez de partir de uma definição, parece mais proveitoso começar com alguma
indicação do campo de ação dos fenômenos em exame e selecionar dentre eles alguns fatos
especialmente notáveis e característicos, aos quais nossa indagação possa ligar-se. Podemos
alcançar ambos os objetivos por meio de citações da obra merecidamente famosa de Le
Bon, Psychologie des foules
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