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Psicologia E Estilo

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Por:   •  23/3/2015  •  5.373 Palavras (22 Páginas)  •  503 Visualizações

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A Psicologia e o Enigma do Estilo

- E. H. Gombrich –

I

A ilustração que está diante dos olhos do leitor deverá explicar muito mais depressa do que eu poderia fazer com palavras o que entendo aqui por “enigma do estilo”. O cartum de Alain resume admiravelmente um problema que tem preocupado os historiadores da arte por muitas gerações. Por que diferentes idades e diferentes paises representam o mundo visível de maneiras tão diferentes? As pinturas que hoje consideramos fiéis à realidade parecerão tão pouco convincentes para futuras gerações como a pintura egípcia para nós? Será inteiramente subjetivo tudo o que diz respeito à arte, ou haverá padrões objetivos na matéria? E se houver, se os métodos ensinados hoje nas classes de modelo vivo resultam em imitações mais fieis da Natureza que as convenções adotadas pelos egípcios, por que os egípcios não os adotaram? Será possível, como sugere o nosso cartunista, que eles percebessem a Natureza de um modo diverso? E essa variabilidade da visão artística não nos ajudaria a explicar também as desnorteadoras imagens criadas pelos artistas contemporâneos?

Essas são perguntas que interessam à história da arte. Mas as respostas não são encontradas exclusivamente por métodos históricos. O historiador da arte completa sua tarefa quando descreve as mudanças ocorridas. Ele se preocupou com as diferenças de estilo entre uma escola de arte e outra, e refinou seus métodos de descrição a fim de agrupar, organizar e identificar as obras de arte do passado que chegaram até nós. Observando a variedade de ilustrações que se encontram neste livro, todos nós reagimos, em maior ou menor ou grau, como faz ele nos seus estudos: assimilamos o tema de um quadro juntamente com o seu estilo; vemos uma paisagem chinesa aqui e uma paisagem holandesa ali, uma cabeça grega e um retrato do século XVII. Acabamos por tomar tais classificações tão a serio que quase não nos perguntamos mais por que é tão fácil distinguir uma arvore pintada por um chinês de outra pintada por um mestre holandês. Se a arte fosse apenas, ou principalmente, a expressão de uma visão pessoal, não poderia haver história da arte. Não poderíamos assumir – como assumimos – que tenha de haver uma semelhança “de família” entre as pinturas de árvores produzidas com proximidade. Não poderíamos ter certeza de que os rapazes da classe de Alain fossem desenhar uma típica figura egípcia. Menos ainda poderíamos esperar descobrir se uma figura egípcia foi de fato feita há três mil anos ou se foi feita ontem, por um falsificador. A profissão do historiador da arte baseia-se na convicção certa vez formulada por Wolfflin de que “nem tudo é possível em todos os períodos”. Não cabe ao historiador da arte explicar esse fato curioso. Mas a quem cabe, então?

II

Houve um tempo em que os métodos de representação diziam respeito ao crítico de arte. Acostumado, como estava, a julgar obras de arte contemporânea antes de mais nada por padrões de exatidão representativa, não tinha dúvidas de que essa habilidade fizera progressos desde os seus rudes começos até a perfeição da ilusão. A arte egípcia adotava métodos infantis porque os artistas egípcios não sabiam fazer melhor que isso. Suas convenções poderiam ser desculpadas, talvez, mas não havia por que tolera-las. Um dos efeitos positivos e permanentes da grande revolução artística que varreu a Europa na primeira metade do século XX foi livra-nos desse tipo de estética. O primeiro preconceito que os professores de apreciação da arte procuram combater é, na regra de que a excelência artística se identifica com exatidão fotográfica. A paisagem de cartão postal ou a pin-up girl tornaram-se o contraste contra o qual o aluno aprende a ver a qualidade do que fizeram os grandes mestres. Em outras palavras, a estética abandonou sua pretensão de ocupar-se do problema da representação convincente, do problema da ilusão na arte. Sob alguns aspectos, isso significa de fato uma libertação, e ninguém desejaria um retorno à confusão anterior. Mas desde já nem o historiador de arte nem o critico de arte querem ocupar-se do assunto, esse perene problema ficou órfão e abandonado. E cresceu a impressão de que a ilusão, sendo artisticamente irrelevante, deva ser também psicologicamente muito simples.

Não precisamos da arte para demonstrar que é errônea essa maneira de ver as coisas. Qualquer manual de psicologia nos fornecerá exemplos desconcertantes da complexidade das questões em pauta. Tomemos o simples truque de desenho que passou das páginas do semanário humorístico Die Fliegenden Blätter para os seminários de filosofia.

podemos ver a figura seja como um coelho ou como um pato. É fácil descobrir as duas interpretações. Difícil é descrever o que acontece quando mudamos de uma para outra. É claro que não temos a ilusão de estar em face de um “verdadeiro” pato ou coelho. A forma no papel não se parece tanto assim com nenhum dos dois animais. E, todavia, não há duvida de que ela se transforma de algum modo sutil quando o bico do pato torna - as orelhas de coelho e evidencia um ponto antes negligenciado, como a boca do coelho. Eu digo “negligenciado”, mas entrará ele de fato na nossa experiência quando voltamos a ver o “pato”? Para responder a essa pergunta, somos obrigados a procurar o que “realmente está” na figura, ver a forma em si, independentemente da interpretação, e isso, logo verificamos, não é impossível. Podemos, sem dúvida, passar de uma interpretação para a outra cada vez mais depressa; ainda nos “lembraremos” do coelho vendo o pato, mas quanto mais tivermos consciência do que estamos fazendo, mais perceberemos que não nos é possível experimentar interpretações alternativas ao mesmo tempo. A ilusão, conforme descobriremos, é difícil de descrever ou analisar, porque embora possamos estar intelectualmente cônscios do fato de que qualquer experiência deva ser uma ilusão, não podemos, a bem dizer, observar a nós mesmos tendo uma ilusão.

Se o leitor acha essa afirmação um tanto quanto confusa, há sempre à mão um instrumento de ilusão para verifica-la: o espelho do banheiro. Especifico “do banheiro” porque a experiência a que convido o leitor será mais bem-sucedida se o espelho estiver um pouco embaçado por vapor de água. É um exercício fascinante da representação ilusionista traçar o contorno da própria cabeça na superfície do espelho e limpar a área englobada no contorno. Só depois de fazermos isso veremos o quanto é pequena a imagem

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