Psicopolítica - O Neoliberalismo e As Novas Técnicas de Poder
Por: Suélen Gonçalves • 5/9/2019 • Resenha • 2.467 Palavras (10 Páginas) • 269 Visualizações
RESENHA
BYUNG-CHUL HAN:
“Psicopolítica: O neoliberalismo e as novas técnicas de poder”
O autor Byung-Chul Han, escritor e filósofo sul-coreano, propõe neste livro algumas reflexões sobre temas importantes para a sociedade contemporânea, como a crise da liberdade, a ditadura do capital, a lógica do consumo, o big data e as várias formas de se exercer o poder. De forma geral, ele trata sobre o modo como o neoliberalismo passa a controlar e governar os indivíduos, deixando de ser um mecanismo biopolítico (dos corpos) para exercer um controle mais emocional e psíquico. Nesse contexto, o “eu” que poderia ter se libertado das coerções externas e das restrições impostas pelos outros, é submetido as coerções internas, como obrigações de desempenho e otimização.
Algumas doenças como a depressão e a síndrome de burnout são citadas como exemplos de uma profunda crise da liberdade, pois os sintomas patológicos se transformam, muitas vezes, em coerção. O autor exemplificou o sujeito do desempenho por meio da relação entre o servo e seu senhor, no qual existe um apagamento dessa relação pelo fato de, no poder neoliberal, o próprio servo/trabalhador é o seu próprio senhor e escravo, explorando a si próprio de forma voluntária. No meio empreendedor, o sujeito neoliberal é incapaz de se relacionar se não houver interesse, isto é, só é possível se sentir realmente livre em um relacionamento bem-sucedido. Logo, ser livre significa se realizar conjuntamente, estar entre amigos, sendo a palavra “Liberdade” e “amigo” tendo a mesma raiz indo‑europeia.
Para Marx, a liberdade individual representa uma malícia do capital, no sentido de que a livre concorrência é apenas a relação do capital consigo mesmo como outro capital, ou seja, o comportamento real do capital enquanto capital. Portanto, ela constitui-se em uma forma de escravatura, a partir do momento em que o capital se multiplica enquanto os indivíduos competem livremente uns com os outros.
Em relação a ditadura do capital, de acordo com Marx, as forças produtivas (a força de trabalho, o modo de trabalho e os meios de produção materiais), a partir de um determinado nível do seu desenvolvimento, entram em contradição com as relações de produção dominantes (de propriedade e de dominação), pelo fato das forças produtivas se desenvolverem de forma contínua. Desse modo, a industrialização produz novas forças produtivas que se contradizem com as relações de propriedade e de dominação (como no feudalismo), gerando crises sociais que buscam promover uma transformação das relações de produção. Ao contrário do que Marx conclui, não é possível superar por meio de uma revolução comunista a contradição entre as forças produtivas e as relações de produção.
Assim, o capitalismo industrial se modifica para neoliberalismo e capitalismo financeiro, possuindo modos de produção pós-industriais e imateriais, em vez de se transformar em comunismo. Hoje, então, cada indivíduo é um trabalhador que explora a si próprio na sua própria empresa, exercendo os dois papeis: senhor e servo em uma única pessoa, sendo a luta de classes uma batalha interior consigo mesmo. Portanto, não é possível mais fazer a distinção entre proletariado e burguesia, todos são dominados por uma ditadura do capital. Desse modo, aquele que fracassa na sociedade neoliberal do desempenho, culpa a si mesmo ao invés de questionar a sociedade ou o sistema. Portanto, é uma auto exploração que não transforma os explorados em revolucionários, mas sim em depressivos.
Nesse contexto, o autor trouxe a era da psicopolítica digital, que gerou uma nova crise da liberdade em que até mesmo a vontade própria é afetada. Ela tem como elemento os denominados big data, que se trata de um conhecimento de dominação que permite intervir na psique e influenciá-la, sendo que os dados entregados pelo indivíduo, de modo voluntário, são utilizados para prever o comportamento humano, tornando o futuro previsível e controlável, anunciando o fim do sujeito enquanto pessoa e também do livre-arbítrio.
Para Byung-Chul Han, a psicopolítica atua como um poder inteligente, que de forma sútil propõe que o indivíduo pense de forma livre, quando na realidade o sistema é que explora a sua liberdade. Assim, o poder que depende da violência não representa o poder supremo, pois, quanto maior é o poder, mais silenciosamente ele age. Logo, o indivíduo submetido não tem nenhuma consciência da sua submissão, pois a estrutura da dominação mantém-se totalmente oculta aos seus olhos, o que lhe faz sentir-se livre. Para que esta dominação aconteça, não é necessária nenhuma violência e nem grande esforço, simplesmente acontece e gera a dependência.
A sociedade, constituída por diversos ambientes como a família, escola, prisão, quartel, hospital e fábrica, representam espaços disciplinares de reclusão. A toupeira é o trabalhador (que se move em um sistema fechado) e a serpente é o empresário (é como um projeto, na medida em que cria espaço a partir de seu movimento). Assim, a primeira é o animal da sociedade disciplinar e a segunda é o animal do regime neoliberal. O sistema capitalista atual, baseado no modelo da toupeira, evolui para o modelo da serpente a fim de se aumentar a produtividade.
No que se refere à Biopolítica, de acordo com Foucault, desde muitos anos (século XVII) que o poder já não se manifesta como poder de morte de um soberano semelhante à Deus, mas como um poder disciplinar. Essa passagem, do poder soberano para o poder disciplinar, deve-se à transformação da forma de produção, ou seja, da produção agrária para a produção industrial. Nesse sentido, o poder disciplinar, ao invés de torturar o corpo, ele o insere em um sistema de normas, submetendo o sujeito a um conjunto de regras, obrigações e proibições, eliminando desvios e anomalias.
No livro, Byung-Chul Han se recorre à algumas referências filosóficas, dentre elas está o pensador Foucault. Após seu livro “Vigiar e Punir”, Foucault se deu conta de que a sociedade disciplinar não refletia exatamente o seu tempo. Ele vinculou a biopolítica à forma disciplinar do capitalismo, sendo o corpo uma realidade biopolítica, esta que é associada ao biológico e ao corporal. Então, como uma nova fórmula de evolução, o neoliberalismo não se ocupa primeiro com o biológico, o somático, o corporal. Antes disso, ele descobre a psiquê como força produtiva. Logo, a mudança para a psiquê e, em consequência, para a psicopolítica, também está relacionada à forma de produção do capitalismo atual, que é determinado por modos que são abstratos e intangíveis.
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