BEHRING, Elaine Rossetti. Brasil em contrarreforma: desestruturação do Estado e perda de direitos
Por: Rodrigo Cristiano Diehl • 30/9/2019 • Pesquisas Acadêmicas • 1.463 Palavras (6 Páginas) • 671 Visualizações
Mantendo uma também impressionante desigualdade social – a quarta pior distribuição de renda do planeta, conforme dados recentes do PNUD -, expressa na imensa concentração de renda e riqueza: construiu-se um pobre país rico. Isto significa que avançou um projeto nacional, mas sempre com seus benefícios limitados quanto ao acesso dos “de baixo” e mantendo uma relação de subordinação com as potências hegemônicas no mercado mundial. P. 20
O conservadorismo político permaneceu como uma constante, mas adquirindo novas formas para estabelecer fontes de legitimidade, tais como o clientelismo moderno, ou neocorporativismo, a mobilização do voluntariado para o solidarismo que acompanha a ofensiva ideológica burguesa no Brasil, e a super-utilização dos meios midiáticos para a difusão dos axiomas fundamentais da “nova modernidade”. (BEHRING, 2008).
Do ponto de vista econômico, houve alguma modernização pela ponta, com trabalhadores usando celulares pré-pagos, por exemplo. Mas, ao lado disso, instaurou-se o desemprego generalizado, com o que se restringiu a possibilidade do consumo de massa e do mercado interno de massas, aberta no tempo do nosso fordismo à brasileira – que foi, deve-se registrar, extremamente tímido, apesar das promessas realizadas para parcela dos trabalhadores da posse do Fusca e da casa própria nos tempos áureos e milagrosos. P. 21
As políticas sociais entram neste cenário caracterizadas por meio de um discurso nitidamente ideológico. Elas são: paternalistas, geradoras de desequilíbrio, custo excessivo do trabalho, e devem ser acessadas via mercado. Evidentemente, nessa perspectiva deixam de ser direito social. Daí as tendências de desresponsabilização e desfinanciamento da proteção social pelo Estado, o que, aos poucos – já que há resistências e sujeitos em conflito nesse processo eminentemente político – vai configurando um Estado mínimo para os trabalhadores e um Estado máximo para o capital. Deve-se considerar também que a degradação dos serviços públicos e o corte dos gastos sociais levam a um processo de privatização induzida nesse terreno. Ou seja, há uma mercantilização e a transformação de políticas sociais em negócio – o que expressa mais amplo de supercapitalização – tendo em vista e rentabilidade do capital. P. 24 (BEHRING, 2008).
Marx inicia como uma difundida, estratégica e, contudo, algumas vezes esquecida afirmação: “Hegel faz notas algures que todos os grandes acontecimentos e personagens históricos se repetem por assim dizer uma segunda vez. Esqueceu-se de acrescentar: da primeira vez como tragédia, da segunda como farsa (1976, p. 17). Que é complementada pelo que segue: “os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem arbitrariamente, nas condições escolhidas por eles, mas sim nas condições diretamente determinadas ou herdadas do passado. A tradição de todas as gerações mortas pesa inexoravelmente no cérebro dos vivos”. P. 79
A partir dos anos 1990, o Brasil adentrou num período marcado por uma nova ofensiva burguesa, mais uma vez adaptando-se às requisições do capitalismo mundial. É um momento histórico com características diferentes do pós-64. Mas, certamente, configura-se como uma contrarreforma social e moral na perspectiva de recompor a hegemonia burguesa no país. P. 133
Para prosseguir a partir deste mirante, faz-se necessário explicitar alguns antecedentes das mudanças ocorridas na década em questão, os anos 1990, e seus impactos sobre o Estado, já que a natureza regressiva e destrutiva da adaptação brasileira à lógica do capitalismo mundial, na última década mediada por nossos processos político-econômicos particulares, requisitou, em muitos aspectos, guinadas de rota, donde vem a convicção de que se tratou – e trata, porque na entrada do novo século e milênio esta direção hegemônica[1] ainda se mantém, apesar de alguns insucessos e arranhões flagrantes em sua base política – de uma verdadeira contrarreforma. P. 128 (BEHRING, 2008).
Mesmo que o termo reforma seja apropriado pelo projeto em curso no país ao se auto referir, partirei da perspectiva de que se está diante de uma apropriação indébita e fortemente ideológica da ideia reformista, a qual é destituída de seu conteúdo progressista e submetida ao uso pragmático, como se qualquer mudança significasse uma reforma, não importando seu sentido, suas consequências sociais e direção sociopolítica. Nesse passo, concordo com Nogueira quando afirma: (BEHRING, 2008).
“Não é razoável imaginar que a reforma possa se converter na bandeira tremulante do neoliberalismo; há de se tentar, no mínimo, reafirmar a consanguinidade entre reformismo e esquerda e demonstrar que a concepção de reforma que tem a esquerda é a única capaz de se pôs a perspectiva de totalidade dos homens, dos iguais e, particularmente, dos desiguais” (NOGUEIRA, 1998, p. 17[2]).
Este argumento fica mais claro em se considerando a história do século XX em nível mundial, na qual o que se pode chamar de reforma associava-se ao Welfare State – uma reforma dentro do capitalismo, sob a pressão dos trabalhadores, com uma ampliação sem precedentes do papel do fundo público, desencadeando medidas de sustentação da acumulação, ao lado da proteção ao emprego e demandas dos trabalhadores, viabilizada por meio dos procedimentos democráticos do Estado de direito, sob a condução da socialdemocracia. É evidente que “entregou-se os anéis para não perder os dedos”, já que também havia um verdadeiro pânico burguês diante da existência e do efeito – contágio da União Soviética como referência política, ideológica e econômica de contraponto ao mundo do capital, mesmo com suas contradições e limites flagrantes, com destaque para a questão democrática. Diante disso, que foi claramente uma reforma – uma tentativa temporal e geopoliticamente situada de combinação entre acumulação e diminuição dos níveis de desigualdade, com alguma redistribuição, o neoliberalismo em nível mundial configura-se como uma reação burguesa conservadora e monetarista, de natureza claramente regressiva, dentro da qual se situa a contrarreforma do Estado. Do ponto de vista da reforma anunciada na Constituição de 1988 no Brasil, em alguns aspectos embebida da estratégia socialdemocrata e do espírito welfareano – em especial no capítulo da Ordem Social -, pode-se falar também de uma contrarreforma em curso entre nós, solapando a possibilidade política, ainda que limitada, de uma reforma democrática no país, que muito possivelmente poderia ultrapassar os próprios limites da socialdemocracia, realizando inacabadas tarefas democrático-burguesa em combinação com outras de natureza socialista – ou seja, empreender reformas democráticas, num país como o Brasil, significa a ultrapassagem do Estado de direito burguês, já que elas tendem a ultrapassar a si mesmas, considerando-se a cultura visceralmente antidemocrática da burguesa brasileira. P. 129 (BEHRING, 2008).
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