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FAMÍLIA E TRABALHO NA REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA

Por:   •  14/10/2015  •  Trabalho acadêmico  •  16.510 Palavras (67 Páginas)  •  126 Visualizações

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FAMÍLIA E TRABALHO NA REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA 57 ção da política macroeconômica e não apontam para a construção de um modelo de crescimento sustentado, como é previsto por alguns. “Os efeitos combinados, a partir de 1990, de políticas recessivas, de desregulação e redução do papel do Estado, de abertura comercial abrupta, de taxas de juros elevadas e de apreciação cambial seriam responsáveis pela montagem de um cenário desfavorável ao comportamento geral do emprego nacional.” (Pochmann, 1997a, p. 7). Partilhando da mesma opinião, Dedecca (1996) afirma, em sua análise sobre o mercado de trabalho brasileiro, que a reorientação da política econômica, ao promover um processo de abertura da economia brasileira e induzir um movimento generalizado de racionalização econômica no país, tem representado uma ruptura com o padrão dominante até o final da década de 80. Segundo sua interpretação, até os anos 70 a indústria de transformação e a construção civil dinamizaram fortemente o mercado de trabalho urbano. Nos anos 80, a proteção externa garantiu um movimento lento de reorganização produtiva e defendeu o emprego industrial, ao mesmo tempo em que uma expansão dos serviços públicos sociais e os servi- ços produtivos e voltados para o consumo de alta renda sustentaram a estrutura ocupacional. Em movimento contrário, “a racionalização econômica dos anos 90 tem ferido violentamente a capacidade de geração e o nível de emprego dos diversos setores econômicos, levando a uma redução acentuada da dimensão ocupacional do trabalho assalariado protegido nos mercados urbanos e metropolitanos de trabalho.” (Dedecca,1996, p. 60). Em conseqüência desses processos, o desemprego nos anos 90 tem assumido características específicas, atingindo mais pesadamente as atividades industriais, os ramos metal-mecânico, têxtil e vestuário, os postos de chefias intermediárias (pelo “achatamento da estrutura hierárquica das empresas” — Matesco, 1995), os empregos assalariados regulamentados e os trabalhadores menos qualificados. Já no início da década os níveis de desemprego na Região Metropolitana de São Paulo, a região mais industrializada do país, eram mais elevados que os observados na segunda metade dos anos 80. Para indicar a gravidade do desemprego nessa região, deve-se ressaltar que a partir de 1992 as taxas de desemprego total registradas pela Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED/Funda- ção Seade), excetuando-se 1995 (1992: 15,5%; 1993: 16,1%; 1994: 15,3%; 1995: 13,5%; 1996: 15,9%; 1997: 15,9%),6 são bastante próximas daquelas verificadas nos anos recessivos do início da década de 80 (1981: 16%; 1983: 16,5%).7 A partir de maio de 1997 recrudesce o desemprego na RMSP, que atinge em 1998 a média anual de 18,3%. Resultados de pesquisa da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) mostram a continuidade da redução de postos de trabalho na indústria paulista. Entre junho de 1994 e janeiro de 1998 foram eliminados 401.347 empregos industriais. O mês de janeiro de 1998 é apontado como o pior resultado desde agosto de 1996: foram eliminados 27.856 postos de trabalho (Folha de S. Paulo, 13/2/1998). Em junho de 1998 o número de empregados na indústria paulista era 5,3% menor que o registrado em junho de 1997. Outro indicador divulgado pela FIESP no final de julho, o INA (Indicador do Nível de Atividade), mostra a estabilização da atividade industrial nos meses de maio e junho de 1998 em níveis inferiores (-6,2%) aos de outubro de 1997, isto é, em momento anterior ao desencadeamento da crise no Sudeste Asiático (Folha de S. Paulo, 30/7/1998). Além das tendências nacionais, deve-se considerar que a Região Metropolitana de São Paulo vem passando por profundas transformações em suas atividades econômicas ao longo dos anos 80 e 90. A análise dessas transformações deve obrigatoriamente levar em conta processos relacionados: a desconcentração industrial, o desenvolvimento do setor terciário e a reestruturação produtiva.8 As transformações regionais, associadas à instabilidade da economia nas duas últimas décadas, têm provocado, desde então, a redução do emprego industrial, o crescimento das ocupações ligadas ao terciário — de caráter formal ou informal — e o progressivo empobrecimento da população. Estas tendências definem, portanto, o perfil atual das atividades econômicas da RMSP e afetam as possibilidades de emprego, os arranjos familiares de inserção no mercado de trabalho e as condições de vida da população. 58 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 15 No 42 Mudanças e permanências na relação família-trabalho Este estudo sobre a primeira metade dos anos 90, como já foi dito, é uma continuação de estudo anterior sobre a relação família-trabalho nos anos da crise econômica do início dos anos 80 (Montali, 1995). Dessa maneira, embora considerando o novo momento de reorganização das atividades produtivas e as tendências recentes de transforma- ção da família, que são as referências empíricas deste estudo e que se articulam através do conceito de divisão sexual do trabalho, os conceitos básicos para a interpretação da realidade, bem como os cortes de análise adotados, são os mesmos do primeiro estudo. Isto significa levar em conta, no estudo da relação família-trabalho, as influências recíprocas tanto da estruturação das atividades produtivas quanto da estruturação das famílias. Significa, portanto, tratar os achados de pesquisa como resultantes de uma complexa relação entre os determinantes econômicos e os determinantes culturais no acesso dos componentes da família ao mercado de trabalho. A articulação entre a esfera da produção e as estruturas produtivas e a esfera da reprodução e as estruturas familiares é feita pela lógica da divisão sexual do trabalho vigente tanto no mercado de trabalho como na família (Barrère-Maurisson, 1992). Uma análise desta natureza não dissocia, portanto, a abordagem macro das relações internas à família. Por outro lado, a importância do conceito de divisão sexual do trabalho na análise da mudança na relação família-trabalho está em possibilitar a articulação das duas dimensões que definem essa relação, superando análises que supõem determinações de uma esfera sobre a outra.9 Dessa maneira, busca-se apreender a relação entre família e trabalho como “um ator reunificado que intervém ao mesmo tempo nas duas esferas” (Barrère-Maurisson, 1992, p. 28). Como a divisão do trabalho nas sociedades industriais opera “simultânea e indissoluvelmente nas duas instâncias”, não é suficiente estudar os efeitos da vida profissional sobre a família e o inverso. É necessário tratá- las em conjunto, sob uma mesma lógica que atribui ao homem e à mulher lugares específicos nestas estruturas. Não se pode, assim, “dissociar o estudo do lugar dos homens e das mulheres na produção de seu lugar na família. Estes se remetem sempre um ao outro” (idem, p. 30). A construção teórica da relação família-trabalho e da divisão sexual do trabalho como elos de ligação entre as esferas produtiva e reprodutiva constitui, pois, uma importante referência teórica para esta análise.10 Dessa perspectiva, é importante reter aspectos do momento conjuntural da economia, das transformações por que passa a família e também as características da relação homemmulher predominante na sociedade, que define tanto as atribuições de ambos na família quanto as representações acerca de sua inserção no mercado de trabalho. Indicações gerais sobre as mudanças que ocorrem nas atividades econômicas da Região Metropolitana de São Paulo foram apresentadas acima. No que se refere à família, pode-se mencionar transformações importantes ocorridas tanto nos anos 80 como em momento anterior. A expressiva queda dos níveis de fecundidade no país como um todo deu-se entre 1965 e 1975. Mudanças significativas ocorreram também, a partir de então, nos padrões familiares, tais como o crescimento das separações e da proporção de famílias monoparentais, especialmente aquelas encabeçadas por mulheres. Algumas das transformações na família que já se anunciavam nos anos 80 acentuaram-se na Região Metropolitana de São Paulo no início dos anos 90, tais como a redução da proporção das famílias compostas por casais e filhos e o crescimento das famílias nucleadas por “chefes de famí- lia” sem cônjuge, masculinos ou femininos, não obstante a predominância dos últimos e o aumento no número de domicílios unipessoais (Montali, 1998a). O crescimento das famílias chefiadas por mulheres reflete não apenas a transição demográ- fica e as alterações dos padrões de nupcialidade, mas também um conjunto complexo de fenômenos, com destaque para aqueles que se explicitam através da articulação entre estruturas produtivas e estruturas familiares. Neste sentido, merecem menção as transformações da família que FAMÍLIA E TRABALHO NA REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA 59 estão relacionadas aos novos papéis que a mulher vem assumindo na sociedade e à mudança de expectativas em relação a ela. Estas mudanças têm a ver com as posições conquistadas pela mulher no mercado de trabalho e com as oportunidades crescentes de absorção, apesar da sexualização das ocupações, ou seja, apesar de a atividade da mulher no mercado de trabalho permanecer concentrada em determinadas atividades e setores (Bruschini, 1994), prevalecendo, tanto nas regras do mercado para sua absorção como nas escolhas individuais, a divisão sexual do trabalho definida pelas representações das atribuições da mulher em relação à família. Dessa maneira, o crescimento das famílias chefiadas por mulheres verificado na Região Metropolitana de São Paulo sem dúvida expressa as maiores possibilidades de autonomia da mulher para garantir sua subsistência. Não obstante isso, porém, importante parcela das famílias chefiadas por mulheres apresenta nível acentuado de pobreza.11 A disponibilidade dos diferentes componentes da família para o mercado de trabalho é, portanto, diferenciada conforme sua posição na família e expressa relações de hierarquia e de gênero. Por outro lado, é também afetada pelo padrão de absorção da força de trabalho vigente no mercado, que define as possibilidades de emprego desses componentes. A crise de 1981-1983 mostrou-se um momento importante para se estudar modificações na relação família-trabalho, especialmente quando analisadas através da tipologia construída para a investigação, que tem por referência o ciclo vital das famílias (Montali, 1995). A análise do comportamento dos membros das famílias nesse momento de crise econômica mostrou a importância da mobilização para o mercado de trabalho dos filhos (especialmente das filhas) e da mulher-cônjuge, sobretudo em determinados tipos de família. Além de nossa pesquisa, outros estudos sobre a década de 80 mostraram o crescimento da participação no mercado de trabalho de outros componentes da família além do chefe. Estudos do IBGE (1995) mostram que na década de 80 cresce no país o número de membros da família que trabalham, reduzindo-se assim a proporção de famílias em que apenas uma pessoa trabalha de 46,8%, em 1981, para 42,4% em 1989. Cresce, por outro lado, o percentual daquelas em que duas ou mais pessoas trabalham, de 44,3% das famílias em 1981 para 48,5% em 1989. Entre 1981 e 1989, as principais tendências em relação à inserção dos componentes da famíla no mercado de trabalho observadas no Brasil apontam para o aumento do trabalho feminino, destacando-se o aumento da participação no mercado de trabalho das cônjuges, cujas taxas de atividade cresceram 33% entre 1981 e 1989, passando de 27,4% para 36,5% (IBGE, 1995). Crescem também as taxas de atividade das filhas com mais de 18 anos (de 60,5% em 1981 para 65,3% em 1989) e das chefes femininas (de 46,5% em 1981 para 52% em 1989). As taxas de atividade masculinas apresentaram menor crescimento: os chefes homens praticamente mantiveram suas taxas nesse período (87,9% em 1981 e 87,6% em 1989) e os filhos maiores de 18 anos apresentaram pequeno crescimento em suas taxas de atividade, passando de 85,6% em 1981 para 87,1% em 1989 (IBGE, 1995). O crescimento das taxas de participação da família na força de trabalho, em função do aumento da participação da mulher-cônjuge e dos filhos, é constatado também em outras regiões metropolitanas do país, e com maior intensidade naquelas do Sudeste (Jatobá, 1990). Os estudos sobre a década de 80 confluíam, assim, na indicação das tendências concomitantes de redução do peso do chefe entre os ocupados da família e de crescimento da importância dos demais componentes familiares. Tais estudos e a pesquisa sobre os anos recessivos de 1981-1983 (Montali, 1995) induziam à suposição de que aquelas tendências permaneceriam na atual conjuntura de redução das oportunidades de trabalho, que afeta especialmente os homens em idade ativa. No entanto, nos anos recentes, considerando-se os dados agregados para a Região Metropolitana de São Paulo como um primeira aproxima- ção, nota-se o estabelecimento de um outro padrão, no qual a participação dos chefes de família se mantém em torno de pouco menos que a metade dos ocupados da família (46%) e a participação dos filhos cai progressivamente, em especial 60 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 15 No 42 a partir de 1992. Desde então (até pelo menos 1997), os filhos passaram a representar cerca de um quarto dos ocupados da família, quando foram mais que um terço deles em 1983. Configurando um fato novo a partir de 1992, observa-se também o crescimento progressivo da participação da cônjuge entre os ocupados da família (Tabela 1). O peso da participação da mulher-cônjuge entre os ocupados da família apresenta tênue tendência de crescimento entre 1981 e 1985, passando de 13,5% no primeiro momento da crise a 14% no ano de início da recuperação econômica. Chega a 15,6% no ano de 1986, caracterizado como de expansão da economia, e mantém esse patamar até 1990. Sua participação entre os ocupados continua a crescer nos anos recessivos do início da década de 90 (1990-1992) e nos subseqüentes, aparentemente compensando oscilações na participação ora dos filhos, ora dos chefes de família (Tabela 1). A partir de 1992 verifica-se uma mudan- ça no patamar de participação da mulher-cônjuge entre os ocupados da família: de 17,4% em 1992 para mais de 18% nos anos 1995-1996, chegando a 18,9% em 1997. Dessa maneira, observa-se como tendência entre 1992 e 1997 um padrão de ocupação dos membros da família em que a participação do chefe fica ao redor de 46% dos ocupados, a participação da cônjuge, próxima a 18% dos ocupados e a dos filhos, cerca de 25% destes; outros parentes e não parentes oscilam ao redor dos 10% dos ocupados. Padrão bastante distinto da composição dos ocupados da família em 1981, quando o chefe representava 45,3% dos ocupados, a cônjuge, 13,5% e os filhos, 31,8% (Tabela 1). A análise das tendências recentes apresentadas pelos diferentes componentes da família a partir destes dados agregados e também do conjunto dos resultados desta pesquisa leva a supor que cada vez mais a responsabilidade pela manutenção da família será partilhada pelo casal, no caso das famílias biparentais, que são as predominantes na Região Metropolitana de São Paulo, em oposição ao modelo do chefe provedor. Dessa maneira, o rearranjo da inserção dos componentes da família no mercado de trabalho nos anos 90 parece apontar para direção um pouco distinta da observada na década anterior. Nos anos 80, tanto por características da composição familiar, como pelas maiores possibilidades de emprego para os mais jovens, era maior o peso dos filhos entre os ocupados da família. A tendência recente está sendo a maior presença do casal (chefe e cônjuge) entre os ocupados da família. Se em 1981 o casal compunha cerca de 60% dos componentes ocupados da família, em 1992 já representava 63,6% dos ocupados e em 1997, 65% destes (Tabela 1). As alterações observadas no período sob análise (1981-1997) relativas ao peso dos componentes entre os ocupados da família são, com certeza, decorrentes tanto de alterações na disponibilidade diferenciada dos componentes da famí- Tabela 1 Distribuição dos Ocupados segundo Posição na Família Região Metropolitana de São Paulo 1981-1997* Em porcentagem Posição na Distribuição dos Ocupados Família 1981 1983 1985 1986 1987 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 Chefe 45,3 42,2 47,1 47,0 45,4 46,3 45,5 46,2 45,9 46,9 46,0 46,6 46,0 Cônjuge 13,5 13,6 14,0 15,6 15,6 15,3 16,2 17,4 17,7 17,9 18,3 18,7 18,9 Filhos 31,8 36,4 28,7 27,6 29,0 27,5 27,6 25,6 26,5 25,6 25,6 24,5 25,0 Outros 9,4 7,8 10,2 9,9 10,0 10,8 10,7 10,8 9,9 9,7 10,1 10,2 10,1 Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 * Os dados de 1981 são de março-abril; os de 1983, de março e junho; os de 1985 a 1996 são referentes ao trimestre móvel fevereiro-março-abril; os de 1997 são dados anuais. Fontes: PPVE/DIEESE, para 1981 e 1983; PED/Fundação Seade,1985 a 1996. Dados consolidados até 1991 apud Montal i (1995). De 1991 a 1997, ver PED/Fundação Seade, Home Page Seade 1998. FAMÍLIA E TRABALHO NA REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA 61 lia oriundas das relações internas a esta — podendo-se supor que se estejam reduzindo nas famílias as restrições ao trabalho remunerado da mulhercônjuge — quanto das restrições e possibilidades de inserção no mercado de trabalho que têm atuado também de forma diferenciada para cada um dos componentes familiares. Os dados agregados apresentados nesta seção possibilitam visualizar apenas aspectos gerais dessas tendências na década de 90 para a Região Metropolitana de São Paulo; maior detalhamento para o período 1990- 1994 é apresentado mais adiante. Estas tendências, consideradas no contexto das transformações mais gerais que ocorrem na sociedade brasileira, expressam ajustes entre as dinâmicas de transformação da família e das atividades econômicas. Na verdade, elas indicam mais do que simples ajustes, pois repercutem sobre as relações familiares de autoridade e de negociação, afetando mutuamente as relações internas à família e as possibilidades de inserção de seus componentes no mercado de trabalho. Não obstante as mudanças ocorridas na família e na incorporação de seus componentes no mercado de trabalho, o padrão de família culturalmente aceito no país é o da família tradicional, ao qual corresponde a divisão sexual do trabalho em que o homem é o responsável pela manuten- ção da família e a mulher, pelos cuidados da casa e dos filhos, sendo as relações de poder e autoridade hierarquizadas a partir do homem.12 Pesquisas recentes, mesmo indicando tendências a relações mais igualitárias em segmentos das camadas médias, mostram a manutenção, nos dias atuais, deste padrão, especialmente valorizado nas famílias de estratos de renda mais baixos, nestes incluindo segmentos inferiores das camadas médias.13 Indícios de mudança e das contradições por esta geradas são evidenciados pelos estudos de caso que mostram que as tensões se originam exatamente da contradição entre rela- ções mais igualitárias e a tradicional atribuição de papéis (Carvalho, 1992; Romanelli, 1991; Sarti, 1994, dentre outros). Os resultados da pesquisa sobre a relação família-trabalho na crise do início dos anos 80 (Montali,1995) oferecem suporte para se afirmar a existência de um movimento de mudança na famí- lia em curso; ou seja, ao mesmo tempo em que mostram modificações na relação família-trabalho, evidenciam objetivamente as dificuldades de concretização do padrão de manutenção da família pelo chefe provedor, vivenciadas com especificidade nos diferentes tipos de família, que correspondem aos momentos do ciclo vital da família. Por outro lado, colocam em discussão a questão de que a permanência e a mudança desse padrão de família culturalmente aceito passam pela ruptura ou não da possibilidade concreta de sua efetiva- ção. Essa ruptura, por hipótese, tenderá a provocar uma nova divisão do trabalho na família, ou seja, a alterar a relação família-trabalho, levando, a médio ou a longo prazo, a uma nova divisão sexual do trabalho que implicaria uma redefinição dos papéis masculino e feminino e alterações nas rela- ções de hierarquia e poder. A hipótese deste estudo de mais longo prazo sobre os anos 90 é que a progressão, nos anos 80 e 90, das tendências identificadas no início da década de 80 com relação à impossibilidade concreta de realização do padrão do chefe provedor pode estar sinalizando mudanças mais profundas na família, que se expressam na alteração na divisão sexual do trabalho interna a ela. A continuidade dessa tendência na Região Metropolitana de São Paulo evidencia-se na intensificação do trabalho da mulher casada e na participação crescente do conjunto dos componentes da família para sua manutenção. É acentuada nos anos 90 pela conjuntura de crescimento do desemprego masculino e dos chefes de família. Neste momento, não é apenas a situação de desemprego do homem do casal que ameaça a possibilidade de realização do padrão de família do chefe provedor. Em muitos casos, especialmente após o desemprego industrial, a qualidade da ocupação obtida não consegue reproduzir a situação anterior. Assim, a impossibilidade concreta de realiza- ção do padrão de família baseado no “chefe provedor”, já evidenciada em estudo anterior referente à crise do início dos anos 80 (Montali, 1995), é reafirmada para a primeira metade dos anos 90. Tais tendências, associadas às pressões dos movimentos de mulheres e às transformações que 62 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 15 No 42 vêm ocorrendo na sociedade no sentido de maior igualitarismo entre homens e mulheres, sinalizam para transformações profundas tanto nas relações de hierarquia no interior da família como nas possibilidades de acesso das mulheres ao mercado de trabalho, na medida em que estas são limitadas (freadas) pelas relações familiares e respectivas atribuições. Dessa maneira, a impossibilidade concreta de realização do padrão de família mantida pelo chefe provedor que se verifica de maneira crescente na Região Metropolitana de São Paulo pode impulsionar ou favorecer transformações nas relações de gênero tanto no âmbito da família como no âmbito do mercado de trabalho e na sociedade como um todo. Outra questão a ser evidenciada é que a crescente impossibilidade de efetivação do padrão da família mantida pelo “chefe provedor”, caro às famílias de baixa renda, pode ser, em grande parte, responsável pelo crescimento das famílias chefiadas por mulheres. Estudos de caso mostram que a impossibilidade concreta de realização desse padrão de família considerado como ideal significa para a mulher-cônjuge a ruptura da reciprocidade da divisão sexual do trabalho esperada; para o homem significa a incapacidade de cumprir seu papel, levando-o ao alcoolismo ou ao abandono da família.14 Essa impossibilidade, acentuada pelas dificuldades de emprego e remuneração suficiente nas conjunturas de crise e de instabilidade dos anos 80 e 90, deve ter contribuído para a tendência ao crescimento de famílias monoparentais, especialmente as chefiadas por mulher. Este fenômeno, nas famílias de baixa renda, ao mesmo tempo em que é gerado pelas condições precárias de renda e trabalho, reproduz a pobreza. Deve-se esclarecer, entretanto, que ao discutir mudanças no padrão do chefe como provedor da família tendo por referência os dados empíricos que evidenciam a participação de outros componentes na manutenção desta, ou indicadores de insuficiência de renda, não estou supondo rupturas mecânicas nesse processo. Em outras palavras, não se está supondo que, rompida a possibilidade de manutenção da família pelo chefe, estaria rompido este modelo de família culturalmente estabelecido na sociedade brasileira. Sem dúvida, os padrões culturais demonstram sua força conservadora ao redefinirem, de forma dominante na sociedade, o trabalho da mulher e dos filhos como complementares ao do chefe, reafirmando a autoridade deste como provedor. O que se propõe para discussão, a partir dos dados, é que a permanência e a mudança na família passam pela ruptura da possibilidade objetiva de efetivação desse padrão culturalmente dominante. E que esta ruptura, ao provocar uma nova divisão do trabalho na família, leva a longo ou a médio prazo a uma nova divisão sexual do trabalho na família, com a redefinição dos papéis de gênero, que, por sua vez, apresentará reflexos tanto na família como na disponibilidade para o mercado de trabalho. Aspectos dos efeitos diferenciados da reestruturação produtiva sobre o emprego por sexo e a inserção dos componentes da família no mercado de trabalho As análises sobre o mercado de trabalho na Região Metropolitana de São Paulo na primeira metade dos anos 90 evidenciam que o processo de reestruturação produtiva intensificado a partir de 1990 tem afetado com mais ênfase os postos de trabalho masculinos. Brandão e Montagner (1996) mostram, para o período, acentuada queda na taxa de ocupação masculina, ao mesmo tempo em que se mantêm as taxas de ocupação feminina. A crescente participação da mulher no mercado de trabalho no Brasil — fenômeno relevante para se estudar as transformações na família e na relação família-trabalho — é uma tendência desde o final dos anos 70 e que se vem acentuando nas décadas de 80 e 90, apesar de as duas últimas décadas caracterizarem-se por baixas taxas de crescimento econômico, embora com alguns perí- odos de recuperação.15 Tal fenômeno insere-se em um tendência internacional manifesta tanto em países desenvolvidos como nos países da América Latina desde a década de 70 e que se tem mantido crescente quer nos períodos de recessão, quer nos de expansão da economia (Posthuma e Lombardi, 1997).16

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