O Fichamento Cidadania in Justiça
Por: Rafael Henrique • 25/11/2023 • Resenha • 1.894 Palavras (8 Páginas) • 73 Visualizações
Cidadania e (in)justiça social: embates teóricos e possibilidades políticas atuais
A justiça, “entendida desde Platão até nossos dias, é a virtude suprema da política. Isso quer dizer que a justiça é o valor prioritário dentre outros valores e normas que presidem a vida em sociedades civilizadas – pág. 98
A justiça exige que a política se oriente por parâmetros de distribuição que estejam de acordo com o direito (e não com o mérito ou privilégio) dos cidadãos. Por isso, essa distribuição prevê definição de critérios e normas legitimados pela maioria e estabelecimento de garantias legais com vista a aplicação de regras validas para todos. pág. 98
Justiça jurídica, a qual, ao mesmo tempo em que zela pelos direitos do cidadão, deve punir os que desrespeitam esses direitos, incluindo o próprio Estado. É nesse sentido que se diz que a justiça, amparada na lei, está acima do Estado e funciona como um mecanismo de controle democrático. Pág. 99
Justiça possui um caráter substantivo ou material que requer a definição de critérios distributivos. Dentre esses critérios, o principal é o direito de todos ao que lhe é devido, já mencionado, o qual deve ser concretizado por políticas de ação (políticas públicas, modernamente), que, diferindo do perfil clássico da política, tem como principal tarefa satisfazer necessidades sociais. Sendo assim, esse direito — que serve de critério distributivo à justiça — assume configuração social identificada preponderantemente com o princípio da igualdade — que requer efetiva participação do Estado no bem-estar dos cidadãos —, diferenciando-se dos direitos individuais identificados com o princípio da liberdade negativa — que rejeita a intervenção do Estado na economia e na sociedade. Pág. 99
Modernamente, o conceito de justiça social tem estreita relação com os ideais de cidadania e democracia ampliadas, produzidos por três principais mudanças verificadas no mundo ocidental no século passado: a) a expansão dos sindicatos e dos partidos trabalhistas e socialdemocratas, que pressionaram o Estado por proteção social como direito devido; b) o declínio da concorrência capitalista devido à concentração do capital em poucas e grandes empresas, redefinindo o sentido de liberdade do mercado preconizado pelos liberais clássicos; c) a crescente intervenção do Estado no processo distributivo, desbancando o protagonismo do mercado nesse processo. pág. 99
Entretanto, sabe-se que a justiça social sempre esteve longe de ser uma unanimidade teórica, ética e ideológica e de merecer tratamento prioritário dos poderes públicos. Historicamente, princípios e critérios igualitários se defrontaram com outros princípios e critérios rivais, que justificaram e continuam justificando a pertinência da desigualdade social, sob o argumento de que a igualdade restringe a liberdade dos indivíduos. Com base nessas discordâncias, estabeleceu-se a tradicional dicotomia entre os princípios da liberdade e da igualdade, posicionando-se, respectivamente, de um lado, liberais (clássicos e contemporâneos) e, de outro, socialistas e socialdemocratas. Assim, os que defendem a liberdade em detrimento da igualdade, veem no mérito, na habilitação e nas escolhas individuais, propiciados pela competição, os critérios mais adequados e mais justos para a obtenção do bem-estar da sociedade; e os que defendem a igualdade, com precedência sobre a liberdade, têm como referência mestra necessidades sociais que devem ser satisfeitas de acordo com um padrão moral e legal de justiça distributiva estabelecido previamente. Tem-se, pois, em torno da conceito da justiça social, posições diferenciadas que precisam ser conhecidas, porque, dependendo da posição adotada, o sentido de justiça social muda, podendo até ocorrer a sua negação. pág. 100
A justiça social vem sendo desacreditada e suplantada por noções que privilegiam o mérito na obtenção do bem- estar individual e a mercantilização das políticas públicas. pág. 100
No trato da pobreza, agora enfrentada com programas focalizados — que não a erradicam, mas a mantem ou a agravam —, e na transformação de bens públicos (saúde, educação) em bens privados, agora regidos pelo mercado e medidos pelo cálculo do custo/ benefício: pág. 101
2. Embates teóricos
É preciso contextualizar e vincular a justiça social ao processo de sua base histórica , esse processo é chamado de Questão social, inaugurada na Inglaterra no século XIX, no rastro da moderna revolucionaria industrial a qual. emergiu do antagonismo de duas forças sociais ascendentes sobre a base da exploração capitalista: o a) a burguesia liberal avessa a qualquer tipo de regulação econômica e social; e b) o proletariado, que exigia a regulação estatal para protegê-los do despotismo do capital e livra-los dos esquemas paternalistas e repressores de proteção social das velhas Leis dos Pobres (Poor Laws), criando sistemas de bem-estar ancorados no direito. pág. 101
Tem-se, a partir daí, a coexistência conflituosa de duas principais demandas: a do capital-apoiado na ideia liberal de que o mercado era o principal agente de bem estar e a do trabalho, exigindo o controle público da exploração capitalista e a proteção da lei como expressão da justiça social. pág. 102
Desde 1875, "os partidos socialdemocratas e trabalhistas, bem como o movimento dos trabalhadores no Ocidente, apresentaram as suas reivindicações nesses termos" (MacPherson, ibidem: 25). Assim, embora sem muita consistência teórica, o entendimento da justiça social como justiça distributiva começou com a prática política da classe proletária.
Porém, tal conceito nunca teve vez no pensamento liberal. Desde o século XVII até hoje, poucos liberais ocuparam-se da justiça social e, quando o fizeram, como foi o caso de liberais democratas do porte de John Stuart Mill e, mais recentemente, de John Rawls, procuraram justificar as desigualdades sociais presentes nas sociedades de mercado. Ou seja, tais liberais consideravam a desigualdade social como um fato natural, que, no máximo, poderia ser abrandado e não extinto. pág. 103
Até teóricos liberais modernos encontraram dificuldades de lidar com a noção de justiça social, embora já previssem uma interferência mínima do Estado para compensar os efeitos nefastos da concentração de riquezas nas mãos dos proprietários dos meios de produção pág. 104
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