Teresópolis: a cristalização da perspectiva modernizadora
Por: Kássia Linck • 14/4/2016 • Resenha • 3.449 Palavras (14 Páginas) • 2.237 Visualizações
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
2.3.2 Teresópolis: a cristalização da perspectiva modernizadora
Enquanto o documento de Araxá se apresentou como o resultado do I Seminário de Teorização do Serviço Social, o documento de Teresópolis surgiu dois anos depois de maneira mais amadurecida, com profissionais chegando à discussão mais preparados e com o tema pré-estabelecido. A dinâmica do encontro também conduziu a escrita do texto, sendo a redação elaborada nos dois encontros bem distintas uma da outra.
Muito além da escrita da redação, as distinções se estenderam para o “coroamento do transformismo”, em que o moderno prevalece sobre o tradicional, ocultando a tensão de fundo do texto produzido em Araxá.
No documento de Teresópolis, a “cristalização do moderno” aparece como consequente instrumentação da programática, levando em consideração as formulações de Dantas. Na ocasião, os participantes foram divididos em dois grupos de discussões e debateram sobre os Fundamentos da Metodologia do Serviço Social, sob a ótica de três textos: Introdução às questões de metodologia. Teoria do diagnóstico e da intervenção social (COSTA, 1978); Bases para a reformulação da metodologia do Serviço Social (SOEIRO, 1978) e A teoria metodológica do Serviço Social. Uma abordagem sistemática (DANTAS, 1978).
O texto de Costa (1978) é o que apresenta mais dissonância em relação aos outros dois e ao próprio documento de Araxá e Teresópolis, formulando um contraponto sobre o que predominou no documento de 1968 e viria a se consolidar em 1970, em Teresópolis. Questiona também a constituição histórica, considerando as próprias “propostas modernizantes” emergidas em um caldo conservador. Já Soeiro (1978) teve seu texto considerado como “equívoco” e até mesmo com formulações errôneas, sem nada acrescentar ao que foi desenvolvido até então, com exceção de adições superficiais.
Em suma, nenhum dos dois textos atendia ao que se buscava: Costa tendia à problematização da linha evolutiva desenvolvida desde Araxá e Soeiro não atendia as demandas apresentadas desde 1967.
Dantas (1978), autor do terceiro texto estudado, teve sua teoria considerada como a mais adequada para a ocasião, pois atendia ao tema central do seminário, sendo compatível com a perspectiva modernizadora. Defende também que a definição de um modelo prática de Serviço Social está diretamente ligada à solução do problema metodológico. Diante disso, determina que “método profissional”, interpretado como “método científico aplicado”, é constituído por duas categorias básicas de operações: diagnóstico e intervenção planejada, admitindo especificações da análise dos métodos tradicionais da prática do Serviço Social, à base dos critérios de escalas, níveis e variáveis da intervenção profissional.
A relação do pensamento de Dantas com tradição neopositivista é facilmente percebida nos cortes que faz e em sua concepção metodológica, considerando que o método não passa de um jogo de ordenações formais, envolvendo “a matéria a ser ordenada e [...] os critérios utilizados para imprimir ordenação a essa matéria”. A partir do arcabouço de suas formulações, Dantas viabilizou as mais adequadas respostas a duas demandas que à época amadureciam no processo renovador: a necessidade de uma fundamentação “cientifica” e a exigência de alternativas para redimensionar metodologicamente as práticas profissionais.
Com um discurso severo e amarrado e utilizando fontes consagradas, o autor se utiliza da carência de um universo simbólico e apresenta uma legitimação “teórico-metodológica” pretensamente ancorada numa “cientificidade sistemática”, dando a entender como resolvidas tanto a questão da fundamentação epistemológica da profissão quanto a sua conexão com ciências sociais.
Acerca do redimensionamento metodológico das práticas profissionais, Dantas se manifesta de maneira persuasiva. Em situações sociais-problema, acredita que podem ser atacadas mediante atividades que circunscrevem áreas de prática distintas, cuja proporção é dada pela natureza da relação profissional no âmbito do sistema-cliente.
Ao realizar um cruzamento entre dados como “áreas de prática”, “escalas” e “variáveis de intervenções”, Dantas recupera métodos profissionais tradicionais (Caso, Grupo e Comunidade), redefinidos conforme as variáveis de intervenção. Uma prática engenhosa, uma vez que essa redefinição conserva a legitimação das práticas tradicionais ao mesmo tempo que as amplia, inserindo práticas suscetíveis de serem comandadas pelas exigências do processo de “modernização conservadora”.
Dantas conferiu à perspectiva modernizadora uma organicidade (teórica: de fundo estrutural-funcionalista, sem prejuízo do seu ecletismo; ideológica: com o viés da “modernização conservadora” embasado inteiramente a angulação desenvolvimentista, onde o papel profissional se dá pelo domínio tecnoburocrático) ao conduzir o transformismo. Sem sua contribuição, também não seria possível a cristalização da perspectiva modernizadora, tal qual se encontra no documento de Teresópolis.
Agora, retomar-se-á o próprio documento que se compõe dos relatórios dos dois grupos de profissionais participantes (grupo A e B) que se concentram na reflexão sobre os temas “Concepção científica da pratica do Serviço Social” e “Aplicação da metodologia do Serviço Social”.
Durante o estudo do primeiro tema, o grupo A, inspirado em Lebret, construiu um quadro geral de sete níveis, a partir de necessidades básicas e necessidades sociais, classificando em seguida os fenômenos mais observados na prática do Serviço Social, identificando suas variáveis significativas e localizando as funções profissionais a elas pertinentes. Para melhor entendimento, foi utilizado o seguinte exemplo: a nível biológico, toma-se um fenômeno significativo observado na prática do Serviço Social, o alto índice da natalidade; logo se apontam as variáveis significativas: falta de educação sexual, valores religiosos, padrões culturais, falta de planejamento familiar: em suma, indicam-se as funções possíveis do Serviço Social: participação em programas de educação sexual, substituição de valores e padrões culturais, participação em programas de planejamento familiar, etc.
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