Estudos Sobre os Agrotóxicos
Por: Francisca Lauriene Mesquita • 14/12/2016 • Artigo • 5.250 Palavras (21 Páginas) • 375 Visualizações
LEITURAS SOBRE A CONSTRUÇÃO SOCIAL ATUAL DE AGROTÓXICOS EM CONTEXTOS CAMPONÊS DIVERSOS
Resumo
Neste artigo é feita uma revisão sobre como os agrotóxicos entram no universo sociocultural de algumas das sociedades camponesas do país. [a]
1. Introdução
No presente artigo foram identificados e analisados trabalhos que versam sobre a relação construída entre grupos sociais e os agrotóxicos. Nesse sentido, destacam-se os diferentes sistemas de classificações construídos em diversos contextos socioculturais, as categorias utilizadas para analisar e identificar os agrotóxicos e os efeitos que essas substâncias provocam nos sujeitos sociais que trabalham, direta e indiretamente com esses produtos químicos e as famílias, localizadas próximas aos locais em que tais substâncias são manipuladas e aplicadas. Para tal, foram identificados e analisados trabalhos que versam sobre essa relação em situações específicas.
Os trabalhos realizados por Rigotto (2011), Fonseca et al., (2007), Gomide (2005) e Silva et. al. (2005), no campo da saúde, evidenciam esse processo. No campo das ciências humanas, particularmente nas ciências sociais, os agrotóxicos atualmente são discutidos a partir da crescente agroindustrialização, da expansão de monocultivos e da subordinação da economia camponesa ao mercado de commodities. Aqui, destacam-se as reflexões elaboradas pela geografia, principalmente em Bombardi (2014); na Antropologia, por Gomide (2005) e Menasche (2003); na Sociologia por Guivant (1994) e Paulilo (1990), dentre outros.
Desde 2009, o Brasil tem sido apontado como um dos principais consumidores de agrotóxicos do mundo, chegando a consumir 84% de todo agrotóxico consumido na América Latina. Alguns desses agrotóxicos, por exemplo, proibidos na União Europeia e nos Estados Unidos há mais de 20 anos, são usados no Brasil sem restrição. Segundo Londres (2011), o Brasil se tornou, nos últimos anos, um dos principais destinos de produtos banidos no exterior, pois conforme dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), são utilizados na lavoura brasileira pelo menos dez produtos proscritos na China, na União Europeia, nos Estados Unidos e em outros países. A esse crescimento tem correspondido uma série de estudos, que indicam a ocorrência de grandes transformações socioambientais, com sérios agravos que atingem a saúde da população que trabalha diretamente com estes produtos químicos e das pessoas que vivem próximas aos locais em que esses agrotóxicos são armazenados e aplicados (RIGOTTO, 2011; BOMBARDI, 2014). Revela-se, outrossim, que a crescente utilização de agrotóxicos no Brasil vem provocando a contaminação de açudes, águas subterrâneas, rios, lagos e das águas fornecidas às comunidades pelos sistemas de abastecimento (SILVA e RAMALHO, 2014).
Devido a essa expressividade, os males provocados por essas substâncias são comuns e evidenciam, muitas vezes, um processo de adoecimento que se inicia nas empresas fabricantes desses produtos, perpassando os sujeitos sociais que o manuseiam e atingem a sociedade de modo geral, que consome os alimentos contaminados por essas substâncias. Acaba-se, portanto, por ingerir diferentes tipos de agrotóxicos, pois em cada alimento se utiliza determinado tipo de agrotóxico. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA, 2015) os brasileiros chegam a consumir cinco galões de agrotóxicos a cada ano. Isso demostra a face de uma controversa que comporta, pelo menos, duas grandes vertentes. De um lado, os agrotóxicos são vistos como necessários para a manutenção e o desenvolvimento de um tipo de agricultura considerado moderna, por outro, o uso de tais produtos é apontado como uma forma de assassinato no campo, um tipo de violência indireta e silenciosa, que ataca diferentes grupos sociais (BOMBARDI, 2014) e que destrói famílias e vidas a cada ano.
O campo da saúde e a questão dos agrotóxicos [b]
De modo geral, no campo das ciências médicas os agrotóxicos são compreendidos a partir dos efeitos que provocam na saúde humana, das diversas formas de se expor a esses produtos, mas também a partir dos diversos mecanismos sociais e simbólicos de proteção utilizados por aqueles que se expõem a esses produtos químicos. E nesse sentido, esses profissionais dão contribuições significativas sobre o surgimento de doenças, tais como câncer, alterações neurológicas, contaminação de leite materno, casos de intoxicação aguda, dentre outros e que estão atreladas aos efeitos provados por agrotóxicos e da incapacidade dos serviços públicos não apenas para lidar, mas para identificar, tratar e registrar os casos de contaminação identificados.
Raquel Rigotto (2011), por exemplo, ressalta o uso descontrolado de agrotóxicos no Brasil[1] e destaca o elevado número de internações provocadas pela exposição a essas substâncias químicas e acentua os casos de contaminação que ocorrem em áreas de grande expansão de monocultivos. Em estudos realizados principalmente na região do Baixo Vale do Jaguaribe, no Estado do Ceará, no qual se plantam frutas, principalmente para exportação, a autora, juntamente com uma equipe composta por profissionais de diferentes áreas do conhecimento, destaca a existência de diversas formas de produção, com formas distintas de viver, produzir e de se relacionar com os agrotóxicos. Em suas pesquisas a referida autora ressalta o fato de que as pessoas com casos de intoxicação aguda não chegam a procurar as unidades de saúde, se contaminam durante o trabalho “e muitas vezes chegam no hospital e não são compreendidos e acolhidos na sua condição de trabalhadores expostos aos agrotóxicos” (2011, p. 33), destacando o fato de que o diagnóstico não é feito, o que deixa de lado a correlação trabalho-exposição. Na perspectiva dessa autora, isso evidencia a dificuldade que muitos profissionais da área da saúde têm em reconhecer os casos de contaminação por agrotóxicos, pois além de não estarem preparados para fazer esse reconhecimento, carecem de estrutura e material necessários para esse tipo de identificação. Rigotto também destaca alguns dos principais sintomas descritos na literatura e que são associados aos agrotóxicos. Os principais são: fraqueza, alterações neurológicas, leucemia, irritação, depressão, instabilidade, cânceres, tremores, dentre outros (RIGOTTO, 2011).
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