A perda de sentido entre o ser humano e a natureza
Por: Swaloto Gulpinense • 27/9/2021 • Artigo • 3.050 Palavras (13 Páginas) • 127 Visualizações
A perda de sentido nas relações entre o ser humano e a natureza
“O mundo contemporâneo se apoia numa dupla e ilusória separação entre sociedade e natureza e entre economia e ética”. Ricardo Abramovay, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) e do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP, partiu dessa proposição para tratar da perda de sentido nas relações entre o ser humano e a natureza na conferência que fez no terceiro encontro do ciclo “Em Busca do Sentido Perdido”, no dia 3 de setembro.
Os comentaristas da exposição de Abramovay foram o sociólogo John Wilkinson, da Universidade Rural do Rio de Janeiro, e a economista Dalia Maimon, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O moderador foi o cientista político Bernardo Sorj, professor visitante do IEA e coordenador do ciclo.
Para Abramovay, pode-se falar do afastamento entre sociedade e natureza em três aspectos. O primeiro deles é que a humanidade continua a atuar como se os limites naturais não existissem. “Já ultrapassamos limites ecossistêmicos em três dimensões cruciais da vida social (mudanças climáticas, erosão da biodiversidade e ciclo do nitrogênio) e estamos em risco de fazê-lo em seis outras. As decisões sociais sobre o uso de recursos não levam em conta que a economia é parte da sociedade e que a sociedade só existe em função do conjunto de condições naturais que a civilização contemporânea está destruindo.”
O segundo aspecto é filosófico e “não menos importante”. Desde a revolução copernicana, a natureza foi vista na filosofia ocidental como pura passividade, com a atividade sendo uma prerrogativa dos indivíduos, “algo totalmente diferente, por exemplo, da cosmologia ameríndia, onde a natureza é permanentemente animada e a sociedade, de certa forma, naturalizada, com o sentido totalmente presente”.
O terceiro aspecto mencionado por Abramovay é o fato de a separação entre sociedade e natureza se exprimir de maneira particularmente nítida nas ciências sociais, que “só se formaram à medida que se emanciparam da natureza”: “Em Émile Durkheim, o social explica o social, não existe mundo natural; em Max Weber, há uma forte preocupação em distinguir explicação psicológica de explicação sociológica e ele nem sequer fala da natureza humana”.
O conferencista explicou que os fisiocratas viam algo físico no valor, que deixou de apresentar essa característica em Adam Smith, mas ainda manteve relação com algo energético, o trabalho humano. “Na revolução marginalista [segunda metade do século 19], nada físico, energético pertence à noção de valor, que se torna estritamente subjetivo. Entre os pensadores clássicos, talvez Marx seja o que tenha na base de seu sistema de pensamento a relação entre sociedade e natureza.”
ECONOMIA X ÉTICA
Em relação à separação entre economia e ética, Abramovay comentou que isso ocorreu no século 19: “A revolução neoclássica, com a transição para a economia pura, é a expressão mais clara desta separação. Quem mostra isso de forma muito interessante é Amartya Sem no livro “Ética e Economia”.
Para Abramovay, essa separação significa que as atividades econômicas não se regem mais pelas preocupações com o bem-estar dos outros, tornam-se um sistema automático, no qual cada um se ocupa de seus próprios objetivos e o resultado é o aumento geral da riqueza.
Levando em consideração a definição aristotélica da ética como a ciência das finalidades, Abramovay considera que a economia moderna se constituiu à medida que o tema da finalidade deixou de ser um tema da disciplina, com a produção de riqueza tornando-se independente de qualquer objetivo que não seja a própria produção de riqueza.
CORRENTES DE PENSAMENTO
Na última parte de sua exposição, Abramovay identificou três correntes de pensamento relevantes para a reflexão sobre a relação entre a sociedade e a natureza e entre a economia e a ética.
A primeira delas é a sociologia ou antropologia da ciência e da tecnologia. “Essa corrente tem como expoentes mais conhecidos Bruno Latour e Michel Callon e preconiza que se coloque a ciência no âmbito da democracia, ou seja, que a ciência deixe a torre de marfim em que o ethos científico a colocou e assuma que está totalmente mergulhada na vida social.”
Para Abramovay, talvez a contribuição mais importante dessa corrente seja a ideia de que não somos o único sujeito da história: “Os objetos, a própria terra falam, estão falando cada vez mais alto e a imagem de uma natureza inerte, passiva, pronta para receber nosso engenho, provou-se completamente equivocada e catastrófica. Cultivar essa imagem é sinal de arrogância e, no entanto, é o que faz boa parte da geoengenharia, como mostra Clyde Haminton no livro ‘Earthmasters – Playing God with the Climate’.”
A segunda corrente de pensamento é a da economia ecológica, que tem como ponto de partida “contestar a noção de economia como um sistema de fluxos entre a renda das famílias e as empresas e vice-versa, um sistema fechado, onde há a participação dos governos e outros componentes, mas onde não são considerados, o sol, a poluição e outros aspectos ambientais, com tudo aquilo que não faz parte da renda sendo tratado como externalidade, que só entra no sistema se puder ser incorporado, ainda que artificialmente, ao sistema de preços”.
A grande contribuição da economia ecológica, segundo o conferencista, é repensar a reação entre sociedade e natureza e, portanto, repensar o próprio sentido do crescimento econômico, o qual, por depender de recursos finitos, não pode ser considerado infinito.
A terceira corrente de pensamento fundamental é o pensamento de Amartya Sem, de acordo com Abramovay, cuja definição para desenvolvimento como “um processo de expansão permanente das liberdades substantivas dos seres humanos explicita que o desenvolvimento não são coisas, mas o que as pessoas fazem com as coisas. Isso é uma contribuição fundamental que nos permite pensar a reinserção da ética no interior da economia”.
SUJEIÇÃO À CIÊNCIA
O primeiro comentarista, John Wilkinson, disse que a questão da separação da economia e da ciência da sociedade na concepção das ciências sociais é apenas aparente, pois “a economia e a ciência não simplesmente descrevem a economia e a natureza, mas definem normativamente como a natureza deve ser encarada”.
A consolidação da economia inglesa e sua globalização eram explicitamente vistas como a aplicação da teoria de vantagens comparativas e sua transformação em políticas, de acordo com o comentarista. Então, não é simplesmente uma questão de automização ou objetividade, mas “a sujeição da economia e da sociedade à uma concepção da ciência”.
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