O modelo de desenvolvimento urbano de São Paulo
Por: Herionzzz • 13/3/2017 • Artigo • 6.930 Palavras (28 Páginas) • 415 Visualizações
O modelo de desenvolvimento urbano de São Paulo
precisa ser revertido
Apresentação
urbanismo sempre caminhou na corda bamba, entre ser prática profis- sional, disciplina científica ou utopia. Desde as cidades ideais do Renasci- mento, passando pelo socialismo utópico de Owen e Fourrier do início
do século XIX – que nada mais era senão planos de cidades imaginárias – e che- gando ao urbanismo moderno, das vanguardas à Carta de Atenas, sonhar com ambientes habitáveis livres da desigualdade, com equilíbrio entre o ambiente construído e a natureza, onde pudesse reinar a paz, a solidariedade, a igualdade, a cidadania e a tranquilidade sempre foi o motor que impulsionou o debate de ideias novas para impulsionar o desenvolvimento urbano.
No final do século XX, porém, parecia que as energias utópicas tinham de- saparecido do imaginário da sociedade e da cidade do futuro. O urbanismo es- tava se tornando marketing urbano, uma prática a serviço do mercado. A derro- cada do falso socialismo soviético, o desencanto com ideologias transformadoras que empolgaram várias gerações desde o Iluminismo e a Revolução Francesa, a predominância do materialismo consumista, o vigor do mercado, regido pelas ideias neoliberais, e a falsa crença de que a ciência poderia prever e determinar tudo o que irá acontecer estavam levando nosso tempo, inexoravelmente, a esse apagão de energias utópicas, que foi chamado de “fim da história”.
Passou a vigorar uma descrença de que seria possível reverter, com ações coletivas, processos em curso, levando o cidadão a buscar em soluções indivi- duais as respostas para as questões que o preocupam, situação que é particular- mente forte no Brasil. O risco de violência é enfrentado com segregação e con- finamento; a precariedade do transporte coletivo com o automóvel individual; a depredação ambiental com a criação de uns microcosmos de verde junto ao con- domínio; a poluição do ar, com fins de semana na serra ou à beira mar; a água maltratada com garrafas pet de mineral. Soluções insuficientes a que apenas os estratos altos e médios podiam ter acesso. Para o restante da população, restava a barbárie. A criação de guetos protegidos dos males da metrópole (condomínios fechados, carros blindados, shoppings policiados, ambientes vigiados) parecia ser a única saída para superar um ambiente urbano pouco acolhedor e agressivo.
Esse clima modificou-se na primeira década do século XXI. O 11 de Se- tembro de 2001 representou, simbolicamente, a ruína da falsa noção de segu- rança que os guetos estritamente vigiados pareciam garantir. A onda de assaltos a condomínios e shopping centers, que se tornou rotina em São Paulo, mostra que a lógica da segregação não garante segurança. A crise mundial do capitalis- mo de 2008/2009 expôs o que já sabíamos, ou seja, que o mercado não pode correr solto, sem uma forte presença reguladora do Estado, o que desmontou os que, no Brasil, ainda defendiam uma maior desregulamentação dos processos urbanos. Os desastres climáticos, por sua vez, vêm mostrando que o “desen- volvimento a qualquer custo”, a orgia consumista e o modo de vida vigente no país, com os padrões impostos pelo mercado e assumidos pela classe média são insustentáveis no futuro próximo.
Novas esperanças, contudo, ressurgiram. A criação de novas redes globais focadas na transformação, como o Fórum Social Mundial, com sua máxima “Um novo mundo é possível”, e a articulação de pessoas por meio da internet mostram que a sociedade global dá sinais de vitalidade e de inconformismo. Superando formas clássicas de organização, novas redes mobilizam a sociedade, articulando cidadãos antes isolados, e lançam outros jeitos de construir desejos coletivos. De diferentes maneiras, recupera-se o vigor utópico, elemento indis- pensável para o renascimento do urbanismo.
Isso porque, sem utopia, não há urbanismo. Ele se reduziria a uma mera prática tecnocrática e burocratizada, enfrentando mais os efeitos do que as cau- sas dos problemas urbanos, e perderia seu impulso transformador. É normal ou- vir as pessoas comuns e até mesmo alguns especialistas afirmarem que as grandes metrópoles, sobretudo nos países pobres, não têm jeito. Em São Paulo, isso é muito comum, particularmente nos dias em que enchentes ou congestionamen- tos-monstro paralisam a cidade e apavoram os cidadãos. Não por outra razão, mais da metade da população, porcentagem que chegou a 65% em 1999, afirma que deixaria a cidade se pudesse.
Superar essa visão pessimista é essencial para que a sociedade possa se enga- jar na construção de alternativas. Para isso, é necessário recuperar as energias utó- picas, uma dimensão passional capaz de convencer os cidadãos de que eles podem mudar processos que parecem imutáveis. Somente quando a população da cida- de acreditar que é possível uma substancial alteração do quadro atual, de modo a tornar São Paulo viável do ponto de vista da qualidade de vida do conjunto de seus moradores e do equilíbrio ambiental e urbano, será possível construir esse caminho, que pode parecer utópico, mas que está ao nosso alcance, desde que se criem consensos sobre alguns aspectos fundamentais da vida da cidade e que se articule o poder público, autônomo dos interesses particulares, para coordenar esse processo transformador. Se fosse simples e fácil, não seria uma utopia.
Neste artigo, busca-se abrir um debate sobre alternativas para o desenvol- vimento urbano de São Paulo. Ele somente pode ser construído mediante um
processo de planejamento participativo, onde o poder público tem um papel fundamental, mas que exige o engajamento da sociedade. Não é fácil enfrentar um modelo urbanístico e um modo de vida que sustentam interesses econômi- cos sólidos; apenas se a sociedade tomar consciência de que eles são insustentá- veis, ele poderá ser revertido.
A metrópole que temos
É evidente que São Paulo, assim como as outras metrópoles brasileiras, não pode continuar crescendo a partir do modelo urbano que hoje vigora. A cidade, no início do século XXI, caminha para o caos, e somente com a alteração desse modelo poder-se-á ter esperança de um futuro melhor.
A desigualdade urbana, funcional e social se aprofunda, gerando uma ci- dade partida e segregada. A mancha urbana se expande horizontalmente des- truindo as áreas de proteção ambiental e gerando, por um lado, assentamentos precários distantes e carentes
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